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Marco temporal: após voto de Moraes, STF adia julgamento com pedido de vista de Mendonça

Por Mariana Muniz e Daniel Gullino — Brasília / O GLOBO

 

O ministro André Mendonça pediu vista, na tarde desta quarta-feira, e interrompeu o julgamento do marco temporal, que havia sido retomado nesta sessão após um hiato que vinha desde 2021. Até o momento, três integrantes da Corte já se manifestaram em plenário: dois contra e um a favor da tese de que os indígenas só têm direito às terras que já estivessem ocupando na data de promulgação da Constituição de 1988.

 

Terceiro ministro a votar, Alexandre de Moraes se posicionou contra o marco temporal e reconheceu que "os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988". Em seguida, Mendonça pediu vista. Pelas novas regras do STF, ele tem até 90 dias corridos para liberar a ação para julgamento. Depois, caberá à ministra Rosa Weber, que preside a Corte, incluir o processo na pauta mais uma vez.

 

Em seu voto, Moraes propôs uma compatibilização entre os diretos fundamentais da comunidade indígena e os direitos "de todos aqueles que de boa fé adquiriram uma terra" reconhecida como terra tradicional indígena. Pela tese do ministro, nesses casos a "indenização deve ser completa àquele que de boa fé comprou a terra", uma vez que "a omissão, o lapso, foi do poder público, que tem que arcar com isso para a paz social".

 

— Me parece que há necessidade, eu diria, nem do oito nem do 80 nos reflexos da decisão do Supremo Tribunal Federal. Porque há necessidade, de um lado, de se garantir efetivamente, ou o mais realisticamente possível, os direitos sobre as terras, sobre a posse das terras, às comunidades tradicionais, sem renegar totalmente às pessoas de boa fé o ato jurídico perfeito, o valor do direito de propriedade.

 

Logo após o voto de Moraes, o ministro André Mendonça afirmou que gostaria de refletir sobre os aspectos levantados pelo colega, e pediu vista. Pelas novas regras do STF, os ministros têm até 90 dias corridos para devolver o caso para julgamento.

 

— Ainda que não antecipe uma aderência, em si, à tese trazida e ao voto do ministro Alexandre, mas a necessidade de maior reflexão sobre a matéria, razão pela qual eu peço vista — declarou.

 

Após o pedido de vista de Mendonça, a presidente do STF, Rosa Weber, disse contar com uma devolução do julgamento a tempo de poder votar. Rosa se aposenta em outubro, mas deve deixar a Corte um pouco antes.

 

— O voto do ministro Alexandre sem dúvida hoje nos abriu caminho para um aprofundamento dos estudos, eu só espero que eu tenha condições de votar porque eu tenho uma limitação temporal — afirmou.

 

Após o julgamento, a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joênia Wapichana, classificou ao GLOBO o posicionamento de Moraes contra o marco temporal como "importante". No entanto, defendeu que seja feita uma discussão mais aprofundada a respeito da proposta de indenizações e compensações feitas pelo ministro aos ocupantes das terras dos povos originários.

 

A sessão foi acompanhada por integrantes de 21 etnias indígenas, lideranças como o Cacique Raoni e por integrantes do governo federal, como a ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, além de Wapichana.

 

'Futuro do país'

Ao chegar para a sessão, Fachin afirmou que a Corte vai julgar nesta quarta-feira "uma parte substancial do futuro do país".

— O Supremo hoje julga uma parte substancial do futuro do país — disse Fachin ao chegar para o julgamento.

O julgamento foi retomado após uma interrupção de dois anos. Esta será a sétima sessão em que o plenário se reúne para debater o tema que, além de interessar ao governo e a entidades indígenas, opõe ambientalistas e produtores rurais.

 

O que se discute na ação é se, para o reconhecimento de uma área como território indígena, é necessária a comprovação de que os indígenas ocupavam a terra no momento da promulgação da Constituição de 1988.

Em seu voto, contrário à tese do marco temporal, Fachin afirmou que os direitos territoriais originários dos indígenas existem antes da promulgação da Constituição. Na avaliação do relator, a chamada teoria do marco temporal ignora, em sua formulação, a situação dos índios isolados, ou seja, comunidades indígenas de pouco ou nenhum contato com a sociedade envolvente, ou mesmo com outras comunidades indígenas.

Votou também o ministro Nunes Marques, mas no sentido contrário. Para o ministro, quem efetivamente ocupa em um determinado marco temporal, não tem o direito de ampliar a ocupação. Na avaliação do ministro, sem o marco temporal a expansão das terras indígenas poderia ocorrer "infinitamente".

O que se discute na ação é se, para o reconhecimento de uma área como território indígena, é necessária a comprovação de que os indígenas ocupavam a terra no momento da promulgação da Constituição de 1988. Ao todo, 214 processos que tratam do mesmo tema estão suspensos e aguardam um desfecho do Supremo.

O marco temporal chegou ao STF por meio de uma ação de reintegração de posse movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à Terra Indígena (TI) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang.

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