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Por que o STF deve corrigir o que decidiu sobre a 'quebra da coisa julgada'?

Por José Miguel Garcia Medina* / O ESTADÃO

 

Há poucos dias, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que sentenças fundadas em lei que ele posteriormente considerar inconstitucional podem ser revistas, e os efeitos dessas sentenças devem ser imediatamente interrompidos.

 

A questão examinada pelo Supremo dizia respeito a tributos que são exigíveis ao longo do tempo, o que em direito é chamado de relação jurídica "de trato continuado" ou de "trato sucessivo". Se um empresário ganhou na justiça há anos ou décadas o direito de recolher um valor menor de algum imposto que é devido mensalmente, e se o STF depois julgar que aquela decisão é contrária à Constituição Federal, ela deixa de produzir efeitos imediatamente. E mais: de acordo com o que o Supremo decidiu, o empresário fica devendo os impostos em valor maior "retroativamente", desde o momento em que a sentença que o havia favorecido havia transitado em julgado. Daí se falar muito na imprensa em "quebra da coisa julgada".

 

O que o STF fez foi equiparar uma decisão sua sobre a constitucionalidade de uma lei a um evento que altera o "estado de fato ou de direito", algo parecido com o que acontece com a sentença que condena alguém a pagar pensão alimentícia quando, depois, o devedor da pensão perde o emprego. Nesse caso, será necessário fixar novo valor de alimentos. Para o STF, quando ele fala sobre a constitucionalidade (ou inconstitucionalidade) da lei em que se baseou uma sentença anterior, ocorre algo parecido com o surgimento de uma lei que altera o "estado de direito" em que a sentença havia se fundado.

 

O assunto é polêmico mesmo para os especialistas. Outro dos tribunais superiores, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), tinha entendimento diferente do agora manifestado pelo Supremo. Em 2011, o STJ havia decidido que decisão posterior do Supremo não atingia sentenças que tivessem favorecido contribuintes já transitadas em julgado. E só agora o plenário do STF decidiu de modo diferente.

 

Há outras críticas que podem ser feitas, tecnicamente e sob ponto de vista jurídico, a essa decisão do Supremo. Mas a principal que tem sido feito é esta: como o entendimento do plenário do STF é uma inovação, essa nova orientação somente poderia se aplicar a situações que surgissem de agora em diante. O Supremo deveria ter "modulado" os efeitos de sua decisão, como se diz em linguagem jurídica.

 

A decisão do Supremo pode ser explicada tecnicamente, mas gera insegurança jurídica, o que por si só justificaria a aplicação da "modulação". Além disso, nem sempre será possível identificar, com clareza, que a decisão do Supremo é absolutamente contrária às sentenças anteriores que haviam transitado em julgado. Além disso, nas ações em que essas sentenças foram proferidas os contribuintes poderiam ter outros argumentos em seu favor, que não chegaram a ser examinados porque os juízes haviam considerado que a inconstitucionalidade do imposto seria fundamento suficiente para dar ganho de causa aos cidadãos.

 

A tese do Supremo é ainda mais grave porque, embora elaborada para se aplicar a assuntos tributários, o princípio adotado pelos ministros do STF alcança outras relações "de trato sucessivo": Por exemplo, se o Supremo decidir que é inconstitucional uma regra relacionada a contratos de locação de imóveis e isso interferir no valor do aluguel, também aí se aplicará o raciocínio usado pelos ministros do STF.

 

Contra a decisão proferida pelo Supremo ainda cabe um recurso chamado "embargos de declaração", que pode ser usado quando houver alguma omissão ou contradição no julgado.

Advogados, juízes e mesmo aqueles que ainda estão estudando direito na faculdade estão aguardando alguma mudança, ao menos na parte da decisão do Supremo que autorizou a aplicação da inovação retroativamente. Mas isso interessa não apenas a classe jurídica: Os impactos dessa nova orientação do STF alcançarão os negócios e a economia de forma imprevisível e, cedo ou tarde, a vida de todas as pessoas do Brasil.

*José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, professor titular na Universidade Paranaense e professor associado na Universidade Estadual de Maringá, advogado, árbitro e diretor do núcleo de atuação estratégica nos tribunais superiores do escritório Medina Guimarães Advogados. Foi integrante da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto que deu origem ao Código de Processo Civil de 2015

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