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Janot cria novo método jurídico — a estatística e... não conta tudo!

Estatísticas são como biquíni, alguém já disse (e isso é repetido milhões de vezes): mostra um monte de coisas e esconde o essencial. De todo modo, prefiro as minhas alegorias, já aqui por mim utilizadas em outros contextos não menos relevantes: Tenho um pé nas brasas e outro no gelo: minha temperatura média está ótima; só perderei os dois pés. Mas isso é só um detalhe. Dou um tiro no pato e erro por um metro à direita; dou outro tiro e desta vez erro por um metro à esquerda do bicho. Na média, matei o pato. Ao contrário do outro exemplo, aqui os números não vitimaram ninguém, escapando ileso o integrante da família Anatidae. Quanta coisa se pode provar com números. Estatísticas são como pam-principios: cada um faz um(a).

Sem sofisticar (remeto os leitores para outros tantos meus), pode-se dizer que os teóricos do direito mais sofisticados do mundo ou dizem que a moral deve ficar de fora do Direito ou, se dentro, as decisões não devem se dar por política, correções morais ou outros argumentos que comprometam o grau de autonomia do Direito. No caso do artigo escrito por Rodrigo Janot (ler aqui) dizendo que as estatísticas apoiam/justificam a decisão que fragiliza a presunção da inocência (HC 126.292), estas (as estatísticas) são claramente utilizadas para camuflar ou flambar os argumentos morais e políticos a favor da decisão do Supremo Tribunal Federal.

Não sabia que a constitucionalidade de uma norma constitucional dependia de estatísticas. Ou a sua justificação posterior.  Também não sabia que a interpretação do Direito dependia de maiorias ou minorias. Uma decisão está certa se as estatísticas a justificam a posteriori? Deve ser um novo método de interpretação. Se isso fosse verdade, a cláusula sobre pena de morte seria tirada do rol de cláusulas pétreas da Constituição Federal. Afinal, existem pesados números que apontam para o fato de que a população deseja a pena de morte... E assim poderíamos falar sobre coisas até como alguns benefícios que carreiras jurídicas recebem e que a população abomina. ”Estatísticas justificam a sua retirada!”. Taí uma boa manchete. O que me dizem? Vamos passar a plebiscitar as decisões? Poderíamos criar dois tipos: um plebiscito antes da decisão e um referendum depois. E surpreenderíamos o mundo. De novo.

Além disso, o procurador geral da República não lançou mão dos números atinentes aos Habeas Corpus manejados nestes anos (2009-2016).  Nem do Supremo Tribunal Federal, nem do Superior Tribunal de Justiça (afinal, a liberdade pode ser questionada nestes dois foros). Outra coisa: dizer que foram poucos os recursos extraordinários deferidos e com isso construir argumentos que justificam a retirada do direito parece-me uma “opinião inconstitucional” de sua Excelência.

Para prestigiar os leitores da ConJur, trago à colação o comentário do procurador federal George Rumiatto Santos ao texto de Janot. George mostra que algo mais foi deixado de fora na estatística de Janot:

“As mudanças de regime, subestimadas no texto, muitas vezes influenciam, sim, no status libertatis do cidadão. Em todo caso, por menor que seja o número de recursos extraordinários providos, isso não permite ignorar o direito fundamental — claramente positivado — de que a pessoa só é culpada após "o trânsito em julgado" da decisão penal condenatória. Outro ponto que causa estranheza é a ausência de menção aos recursos ao STJ. Ou questões infraconstitucionais não interferem na liberdade? Nenhuma estatística permite ofensa a direito constitucional.”

Também me valho de artigo escrito pelo procurador de Justiça Rômulo Moreira (ler aqui), verbis:

“Olhe a afirmação seguinte: ‘Ao trazer esses números à luz, a intenção é demonstrar que, dessa vez, não só o direito como também as estatísticas estão ao lado do senso comum.’ Ah, o senso comum, que perigo Dr. Janot! O senso comum levou tantos à fogueira e às câmaras de gás. Devemos sempre repudiar o senso comum. Ao contrário do que o senhor escreveu, nem sempre a "Suprema Corte e a opinião pública estão absolutamente certas."

Bingo, George. Binguíssimo, Rômulo! E mais não precisa ser dito. Impressiona que o chefe do órgão máximo de vigilância da CF traga à sociedade um raciocínio tão frágil, subestimando a inteligência das pessoas. Que o Brasil esteja mal, ninguém duvida. Mas ainda resta alguma massa crítica para denunciar desvios hermenêuticos e drible da vaca interpretativos dados às leis e a Constituição.

No fundo, o artigo de Janot apenas demonstra, simbolicamente, o fracasso da dogmática jurídica. Não há Direito sem dogmática, é verdade. A critica não substitui a dogmática, dizia Warat. Mas do jeito que vai, com parcela da dogmática jurídica concordando com coisas como a livre apreciação da prova e com a interpretações que parecem repristinar velhas escolas como direito livre, livre investigação cientifica, realismo jurídico, etc, a nossa dogmática vai para a UTI.

Post scriptum:
Janot diz também que a autorização de prisão após julgamento de 2ª. instância desbordou dos limites acadêmicos e migrou para o campo da mais pura política. Perfeita a frase. Ele tem razão.

Só que a frase deve ser lida de outro modo. A autorização de execução provisória desbordou, sim, dos limites acadêmicos. Mas por uma razão: acadêmicos da cepa repudiaram a decisão. Apenas alguns poucos concordaram com a decisão. Falo da doutrina especializada e de gente com curriculum e não de qualquer opinião.

E sabem como a decisão migrou para o campo da politica? Nos seus fundamentos. Sim. Basta ler os fundamentos. Eles não são jurídicos. São políticos e morais. Janot, sem querer, acertou. Bingo.

 é jurista, professor de direito constitucional e pós-doutor em Direito. Sócio do Escritório Streck, Trindade e Rosenfield Advogados Associados:www.streckadvogados.com.br.

Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2016,

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