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Professor da UFRJ comandava esquema de tráfico de fósseis envolvendo mineradores no Ceará, diz PF

Felipe Azevedo, especial para o Estadão

22 de outubro de 2020 | 13h00
Atualizado 22 de outubro de 2020 | 14h32

JUAZEIRO DO NORTE - Um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é suspeito de comandar um esquema de tráfico de fósseis na Chapada do Araripe, no extremo Sul do Ceará. A Polícia Federal deflagrou na manhã desta quinta, 22, a operação “Santana Raptor”, com 100 agentes, e prendeu três suspeitos, apontados como atravessadores do esquema. Além do professor, empresários donos de mineradoras também são alvos de investigação.

Sem revelar a identidade do funcionário público, a PF afirmou, em coletiva nesta quinta, que ele mantinha contato mensalmente com empresários das pedreiras e os chamados “peixeiros” nos municípios de Santana do Cariri e Nova Olinda, no sul cearense. O local é conhecido internacionalmente pelos achados pré-históricos, e é destino de pesquisadores do mundo inteiro, principalmente da Europa.

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Operação Santana Raptor, na Chapada do Araripe
Operação Santana Raptor, na Chapada do Araripe Foto: PF

Foram cumpridos 19 mandados de busca e apreensão, dois deles no gabinete do professor e na sua residência no Rio de Janeiro. Peças possivelmente contrabandeadas foram apreendidas nos dois locais, segundo a PF. O celular, documentos e computador também foram confiscados. Ainda segundo os policiais, o homem pagava uma espécie de salário aos atravessadores nas mineradoras cearenses e, além disso, havia a remuneração por cada peça enviada.

Em nota, a UFRJ disse que repudia "a versão mentirosa e ressaltamos que todo pagamento efetuado a operários de pedreiras foi fruto de processo com completo amparo legal para execução de atividades de campo (auxílio nas atividades in loco, retirada e corte de rochas, por exemplo), para acompanhamento de pesquisa de discentes, tarefa precípua nos cursos de graduação da UFRJ, que somam prática à teoria. Todos os pagamentos, portanto, foram legais e com a devida documentação comprobatória. Nunca foram realizadas quaisquer prestações de valores pecuniários sob outros propósitos e de forma ilegal."

O tráfico desse material - que configura crime federal - era feito nos últimos anos por pesquisadores que visitavam as minas e subtraíram as peças fossilizadas, levando para países da Europa pelo mar ou de avião. A PF investiga esse esquema desde 2017. Os fósseis saem da Bacia do Araripe custando pequenos valores, sendo comercializados por cerca de R$ 20,00. Dependendo da peça, no entanto, esse preço, ainda no Ceará, pode chegar até R$ 10 mil.

Peças com fósseis apreendidas pela Polícia Federal
Peças com fósseis apreendidas pela Polícia Federal Foto: PF

Um dos responsáveis pelas investigações, o delegado Alan Robson diz que as peças são comercializadas em dólar ou euro à medida que saem do País. “Para além das perdas em dinheiro, é inestimável o valor histórico desse material”, disse.

Os investigados responderão por crimes de organização criminosa, usurpação de bem da União e crimes ambientais, com penas de até 16 anos de prisão. "A apreensão realizada nos endereços objetiva elucidar a atuação dos investigados e de terceiros nos crimes, além de apreender os fósseis, com prisão em flagrante dos respectivos possuidores", argumentou a PF.

Repatriação de fósseis achados na França

Segundo o Procurador da República Rafael Rayol, um esforço de autoridades brasileiras tenta repatriar da França cerca de mil fósseis, frutos de contrabandos nos últimos cinco anos. Um deles é de um Pterossauro achado na Bacia do Araripe, e que era oferecido na Internet por 150 mil dólares.

Uma outra operação feita por autoridades francesas apreendeu, em 2016, um grupo de 45 fósseis, todos brasileiros achados no Ceará e avaliados em R$ 4 milhões. “Há pelo menos uma dezena de procedimentos de repatriação desses materiais em aberto no exterior, todos eles contrabandeados do mesmo local”, ressaltou Rayol. O Brasil, segundo o Procurador, busca repatriar fósseis de países como ItáliaJapãoAlemanha Estados Unidos.

Detalhe de fóssil apreendido pela Polícia Federal
Detalhe de fóssil apreendido pela Polícia Federal Foto: PF

A Chapada do Araripe é um extenso território que compreende os estados do Ceará, Piauí Pernambuco, com cerca de 9 mil quilômetros de extensão. Trata-se de uma bacia cultural de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Em fevereiro deste ano, autoridades cearenses entregaram documentos para solicitar a inscrição da Chapada como Patrimônio da Humanidade ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). A candidatura é um projeto interinstitucional, realizado por meio Governo do Estado do Ceará e Secretaria da Cultura do Estado (Secult), junto à Universidade Regional do Cariri (Urca), Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap), Fecomércio, Sesc Ceará, Fundação Casa Grande, GeoPark Araripe, entre outros.

Confira a nota da UFRJ sobre a operação:

Na manhã desta quinta-feira, 22/10, a Polícia Federal (PF) fez incursão no Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza (CCMN) da UFRJ para procedimento de mandado acerca da suspeita de um professor estar envolvido com contrabando de fósseis.

A Decania do CCMN e a Reitoria da UFRJ esclarecem que toda documentação solicitada pela PF foi entregue. Lamentavelmente, a UFRJ não foi procurada antes em nenhum momento para prestar esclarecimentos. Destacamos que todos os fósseis sob a guarda da UFRJ estão legalmente cadastrados e catalogados na instituição e notificados aos órgãos responsáveis. Além disso, todos os docentes e a própria unidade (Instituto de Geociências) têm documento de autorização para coleta e pesquisa de fósseis na Bacia do Araripe (CE), fornecido pela Agência Nacional de Mineração (ANM), uma autarquia federal ligada ao Ministério de Minas e Energia (MME), responsável pelo gerenciamento da atividade de mineração e dos recursos minerais do país.

Segundo informações veiculadas pela imprensa, um dos operários investigados teria alegado que havia recebido uma espécie de “mensalidade” do professor. Repudiamos a versão mentirosa e ressaltamos que todo pagamento efetuado a operários de pedreiras foi fruto de processo com completo amparo legal para execução de atividades de campo (auxílio nas atividades in loco, retirada e corte de rochas, por exemplo), para acompanhamento de pesquisa de discentes, tarefa precípua nos cursos de graduação da UFRJ, que somam prática à teoria. Todos os pagamentos, portanto, foram legais e com a devida documentação comprobatória. Nunca foram realizadas quaisquer prestações de valores pecuniários sob outros propósitos e de forma ilegal.

Salientamos que toda atividade de pesquisa em campo é previamente notificada à ANM, através do sistema de Controle da Pesquisa Paleontológica (Copal), assim como o relatório de pós-atividade é também inserido nesta plataforma. Até 2018, a referida agência mantinha um escritório regional no Cariri (CE), responsável pelo acompanhamento dos estudos e coletas na região. Desta forma, todas as ações dos pesquisadores da UFRJ, nesta área de estudo, sempre foram notificadas ao responsável pelo escritório regional, Sr. Jose Artur Ferreira Gomes de Andrade, que fazia todo o acompanhamento em campo.

Totalmente comprometida com os princípios éticos que balizam a administração pública – legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência –, a UFRJ aguarda as investigações, com a convicção de que os fatos serão devidamente elucidados.

22/10/2020

Decania do CCMN e Reitoria da UFRJ  

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