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A lei que não pega e o juiz que legisla

Mário de Oliveira Filho* O ESTADO DE SP

07 de setembro de 2020 | 05h30

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Mário de Oliveira Filho. FOTO: MOF&SF

“Na minha vara quem manda sou eu, dr. Advogado.”

“Nesta Câmara nós não adotamos essa súmula do STF ou do STJ.”

Qual Advogado Criminalista não ouviu, pelo menos mais de uma dezena de vezes, esses impropérios ditos pelos julgadores?

Depois da jabuticaba, vem outra excentricidade bem brasileira, a lei que não pega.

Mais uma reforma pontual do Código de Processo Penal, entrou em vigor recentemente pela Lei 13.964/19, impropriamente denominada lei anticrime.

Essa lei mudou tudo e não mudou nada no sofrido, malhado e distorcido processo penal.

De norte a sul, de leste a oeste, o Estado Democrático de Direito sofre ininterruptamente, todos os dias, a cada minuto uma perversa atividade legislativa pelo poder judiciário. É isso mesmo pelos juízes.

A Constituição Federal de igual forma e maneira é violentada, distorcida, ignorada causando insegurança jurídica, pela interpretação dada desde os magistrados de primeira instância, como pelo Ministros do Supremo Tribunal Federal, julgadores esses responsáveis pela validação e imposição da lei das leis brasileiras.

Por ser tratar a liberdade, de regra constitucional, e a prisão antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, a exceção, esta somente pode ser imposta diante de situações de excepcionalidade.

Na prática pelas decisões judiciais, a prisão preventiva, hoje regra e não exceção, não tem tempo pré-determinado para se encerrar, não sendo caso raro, acusados presos há mais de cinco anos preventivamente, sem julgamento do processo, violando-se mais uma regra constitucional do prazo razoável para encerramento do processo.

A reforma trouxe uma regra legal, debatida pelo congresso, estudada e debatida nas comissões parlamentares, depois votada, aprovada e promulgada. Então vêm os juízes e em ilegítima e solipsista interpretação, mudam a lei, retirando dela toda eficácia, aniquilando seu espírito, seu objetivo processual, sua intenção de caráter de garantia de direitos humanos.

Uma das vítimas dessa reforma pelo judiciário, é o artigo 316, parágrafo único do Código de Processo Penal.

A lei impõe, determina, a reavaliação da decretação da prisão preventiva a cada noventa dias pelo juiz que a decretou. Essa reavaliação deve ser de ofício, ou seja, sem a provocação das partes, acusação – oficial e particular – e defesa.

Como toda regra legal processual penal, em caso de descumprimento, há consequências jurídicas.

Não havendo a imposta atuação do magistrado a justificar com fatos contemporâneos e demais requisitos da lei para revalidar a prisão antecipada, com ou sem provocação, o texto da lei é claríssimo, a prisão torna-se ilegal.

A pessoa acusada ou investigada passa a estar presa ilegalmente, e por isso precisa ser posta imediatamente em liberdade.

Mas…

Depois da conjunção “mas”, tudo que vinha antes morre, desaparece, perde o efeito.

Mas, os juízes resolveram reescrever o texto de lei, e destruíram a essência do objetivo dela de não manter a pessoa em regime de exceção com a prisão preventiva, por tempo indeterminado, contrariando a lógica das coisas.

Em harmonia espúria tanto quanto indesejada, os magistrados aceitam, como se fosse natural, a prisão por tempo indeterminado, julgando os habeas corpus impetrados requerendo revogação da prisão ilegal, com um drible inquisitorial fascista e inconstitucional, no maior caradurismo, alegando que deveria ter sido provocado o juiz a soltar o preso, antes de buscar a instância superior.

Vale dizer, introduziram no artigo 316, uma condição não admitida pelo legislador,  assim julgam contra legem.

E não para por aí. Há julgados determinado prazo de 24 horas para o juiz se manifestar sobre a prisão ilegal por ele mantida, dando-lhe uma chance inexistente na lei em vigor, de decretar a prisão, sob a escancarada falsa desculpa esfarrapada de corrigir a falha. A prisão continua sendo ilegal mesmo com essa reprovável manobra.

Há indesejado e ilegal protagonismo legislativo pelo poder judiciário, que em livre interpretação, sabe-se lá tirada de onde, sob qual signo, rasga a lei federal em vigor, acrescenta ampliando e mantendo a ilegalidade da prisão, restringindo situação de abuso de poder ao manter alguém preso por mais tempo que a lei prevê.

Situação crítica de uma justiça da bananalândia, onde a lei maior, acima da constituição, acima do poder legislativo, acima das leis em vigor, é “no meu tribunal mando eu”.

Os prazos no processo penal são improrrogáveis e fatais. Imagine-se o advogado não apresentar uma interposição de recurso de apelação em cinco dias, só o fazendo no sexto dia. O prazo será estendido ou concedido desconhecendo-se o caráter de fatal? A resposta é, não. Perdeu o prazo. Acabou.

Porém, na bananalândia os prazos podem ser ao gosto do freguês, ou melhor do juiz. E a lei? E a segurança jurídica? E a separação dos poderes da República?

Não fosse esse desrespeito à lei, surge mais outra situação também de extrema gravidade. A lei processual penal determina em seu artigo 315, parágrafo 2º, que toda decisão judicial, seja ela qual for, precisa ser devidamente fundamentada, como aliás, a Constituição há trinta e dois anos  assim exige em seu artigo 93, IX.

Mas, lá vem o maldito, “mas” da interpretação “juizal”, ditando ser possível em caso de manutenção de prisão preventiva, simples despacho sem rigor na fundamentação, por já existir uma primeira ordem (des)fundamentada de encarceramento. Não é isso que a lei diz. Flexibiliza a lei em detrimento dos direitos da pessoa presa.

Repudiam os inimigos do processo penal democrático – IPPD -, a responsabilidade recaída sobre os ombros dos magistrados, de serem, primordialmente, os garantes, os defensores dos direitos constitucionais e infraconstitucionais dos acusados. Isso causa neles verdadeiro horror, tremedeira e repulsa. Mantém-se o tal, “no meu tribunal mando eu”.

Não é esse o poder judiciário que queremos, nem tampouco os juízes-legisladores.

Queremos juízes cumpridores da lei, com estrita observância dos prazos e de suas responsabilidades funcionais.

Até quando estaremos ao sabor de interpretações a rasgar a Constituição, o sistema acusatório em nome de um protagonismo “juizal” ditatorial, movido por expectativas, sentimentos e orientações medievais sobre o processamento penal e a liberdade de alguém?

A pequena parcela de magistrados garantistas, aqueles respeitadores das regras do jogo processual penal, mantém acesa a luta da Advocacia Criminal por um processo penal democrático, com regras certas e determinadas, onde gol de juiz não vale.

*Mário de Oliveira Filho, advogado criminalista. Presidente da Comissão Nacional de Prerrogativas da Associação Brasileira de Advogados Criminalistas – ABRACRIM. Idealizador do Instagram Papo de Criminalista

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