Busque abaixo o que você precisa!

Decisão do Supremo impõe derrota a Toffoli após polêmicas sobre Flávio e 'devassa'

Reynaldo Turollo Jr. / FOLHA DE SP
BRASÍLIA

Além de abrir caminho para a retomada de investigação sobre o senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ)a decisão desta quinta-feira (28) do Supremo Tribunal Federal impôs uma derrota ao presidente do tribunal, Dias Toffoli.

A maioria dos ministros do STF votou nesta quinta a favor do compartilhamento de dados bancários e fiscais com o Ministério Público e a polícia sem a necessidade de autorização judicial prévia.

A limitação ao repasse desses dados sigilosos por órgãos de controle havia sido determinada em julho por Toffoli, que chegou a suspender mais de 900 investigações pelo país, incluindo a que atingia o filho do presidente Jair Bolsonaro.

Após enfrentar forte desgaste, o presidente do STF moderou sua posição no julgamento, propondo restrições pontuais à Receita e fazendo ressalvas aos procedimentos do antigo Coaf —rebatizado de UIF (Unidade de Inteligência Financeira). Mesmo assim, não obteve apoio de seus pares.

[ x ]

No fim da votação, após ficar isolado, Toffoli acabou mudando seu voto, recuando da restrição a dados da Receita, para acompanhar a maioria.

Ao evitar ficar vencido, Toffoli, relator do processo, conseguiu também se manter como redator do acórdão, função importante para elaborar o texto sobre o que foi decidido.

A votação do processo sobre o compartilhamento de dados sigilosos, iniciada no dia 20, terminou nesta quinta, após cinco sessões do Supremo. A fixação da tese que norteará a atuação dos órgãos de controle, porém, ficou para a próxima quarta-feira (4).

Com o entendimento da maioria da corte, abriu-se margem para que as investigações e ações penais pelo país que foram paralisadas em decorrência da decisão liminar de Toffoli, dada quatro meses atrás, possam prosseguir —incluindo a do Ministério Público do Rio que apura atos no gabinete de Flávio Bolsonaro quando ele era deputado estadual.

Isso porque, com o término da votação no plenário, a liminar de Toffoli foi revogada. Ela havia atendido a um pedido da defesa de Flávio.

Alvo de críticas após a suspensão das investigações em julho, Toffoli buscou desvincular a análise do Supremo do caso que envolve o filho do presidente, ao dizer no último dia 20 que "aqui não está em julgamento o senador Flávio Bolsonaro".

Às vésperas do julgamento da corte, o ministro tomou outra decisão pela qual foi criticado por diferentes setores da classe política e do Judiciário.

Em 25 de outubro, conforme revelou a Folha, Toffoli determinou que o antigo Coaf lhe enviasse cópias de todos os relatórios de inteligência sigilosos dos últimos três anos.

Na prática, ele recebeu uma chave de acesso ao sistema eletrônico para que o ministro pudesse consultar 19.441 RIFs elaborados de outubro de 2016 a outubro de 2019.

A UIF fez um alerta sobre as informações, de caráter sigiloso, que envolviam cerca de 600 mil pessoas, físicas e jurídicas. 

A justificativa de Toffoli era entender como os relatórios eram feitos e transmitidos às autoridades de investigação, como o Ministério Público.

A medida foi criticada por integrantes do Ministério Público Federal e congressistas, que temiam uma "devassa" em informações sigilosas. Especialistas também disseram que a decisão era heterodoxa. 

O assunto havia gerado preocupação no governo —segundo a Folha apurou, havia nos relatórios menção a integrantes da família Bolsonaro e a outras autoridades.

Na ocasião, o procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a revogação da decisão a Toffoli

Para ele, “o acesso livre e concentrado a todo e qualquer RIF [relatório de inteligência financeira] ou RFFP [representação fiscal para fins penais] a um único destinatário, além de não encontrar previsão na legislação de regência, é medida que contraria as balizas mínimas estabelecidas” pelo Gafi, mecanismo internacional de combate à lavagem de dinheiro. 

Mesmo diante da polêmica, Toffoli chegou a dobrar a aposta e pedir mais dados detalhados ao Ministério Público e aos órgãos de controle. 

Depois, no último dia 18, Toffoli acabou recuando da decisão. Ele disse que, embora tivesse solicitado e obtido a permissão para ver os relatórios sigilosos, não chegou a acessá-los em nenhum momento.

JULGAMENTO

Os ministros do Supremo votaram nesta quinta de formas diferentes em relação a dados da Receita Federal e do antigo Coaf.

A situação é mais clara quanto à Receita. Por maioria de 9 votos, de um total de 11 ministros do tribunal, o Fisco poderá continuar compartilhando com o Ministério Público e a polícia suas representações fiscais para fins penais (RFFPs), incluindo íntegras de declaração de Imposto de Renda e extratos bancários.

Votaram nesse sentido os ministros Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Toffoli havia votado inicialmente por impor restrições ao teor do material compartilhado pela Receita, proibindo o repasse de declarações de IR e extratos bancários. Nos minutos finais, alterou seu voto para acompanhar a maioria.

Já os ministros Marco Aurélio e Celso de Mello foram os mais restritivos nesse ponto: para eles, não pode haver compartilhamento sem autorização da Justiça, em respeito ao direito constitucional à privacidade. "Os fins não justificam os meios. A função estatal de investigar, processar e punir não pode resumir-se a uma sucessão de abusos", afirmou Celso de Mello.

A situação em relação à UIF deverá ficar mais clara na semana que vem, quando for definido o enunciado da tese. Só então será possível analisar o impacto definitivo do julgamento nas investigações que usaram dados da UIF, como a de Flávio Bolsonaro.

Apenas Toffoli e Gilmar fizeram ressalvas ao procedimento de compartilhamento dos relatórios de inteligência financeira (RIFs) feitos pela UIF. Eles enfatizaram que os relatórios não podem ser feitos "por encomenda" do Ministério Público e da polícia a não ser quando já houver investigação formal sobre o alvo ou tiver havido um alerta anterior da UIF sobre ele.

"A título de disciplinamento da matéria, ressalto ser ilegítimo o compartilhamento de relatório de inteligência financeira pela UIF com o Ministério Público e a Polícia Federal feito a partir de requisição direta da autoridade competente sem a observância estrita das regras de organização e procedimento", disse Gilmar.

Tanto ele como Toffoli afirmaram que há casos concretos em que o Ministério Público pediu à UIF informações por meios não oficiais, como email —o que ambos destacaram ser vedado.

Nenhum dos demais ministros estabeleceu expressamente limites para a atuação da UIF.

"O envio de dados da UIF ao Ministério Público é função legalmente a ela atribuída, resguarda o sistema jurídico e cumpre a sua finalidade específica", afirmou a ministra Cármen Lúcia.

"Não pode ser considerada irregular nem se pode restringir função que é a razão de ser dessa unidade —e que atende até mesmo a compromissos internacionais assumidos pelo Brasil no sentido de ser um Estado que tem empenho formal, objetivo e real de combater a corrupção, a lavagem de dinheiro, o crime, especialmente aquele de organização criminosa", completou.

Apesar das ressalvas feitas por Toffoli e Gilmar, ninguém votou por proibir a UIF de continuar enviando relatórios aos investigadores sem necessidade de autorização judicial.

Como alguns ministros nem sequer abordaram o tema da UIF (como Marco Aurélio e Lewadowski) ou não se debruçaram especificamente sobre as ressalvas expressas por Toffoli e Gilmar, é preciso esperar a formulação da tese geral, na próxima quarta.

Ao STF a defesa de Flávio Bolsonaro sustentou que o Ministério Público do Rio pediu informações sobre ele diretamente ao antigo Coaf, realizando uma verdadeira quebra de sigilo, sem controle judicial, inclusive com contatos por email entre promotores e o órgão de inteligência.

Flávio é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob suspeita de desviar parte dos salários de servidores de seu antigo gabinete na Assembleia Legislativa do estadual, prática conhecida como "rachadinha".

O caso começou com um relatório financeiro sobre o ex-assessor Fabrício Queiroz, que foi complementado por outro que já trazia menção a Flávio. Depois, o Ministério Público pediu à UIF informações especificamente sobre Flávio.

A UIF apontou movimentações atípicas de R$ 1,2 milhão nas contas de Queiroz. A informação, revelada dias antes de o presidente Jair Bolsonaro tomar posse como presidente da República, causou uma das primeiras crises do grupo político que assumiu o poder.

Em julho, Flávio pegou carona em um recurso extraordinário que tramitava no STF desde 2017 e que tratava somente do compartilhamento de dados pela Receita. A partir do pedido do senador, Toffoli, relator do processo, expandiu o objeto em discussão para alcançar também a UIF.

A medida gerou críticas de colegas no plenário. Os ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Marco Aurélio e Celso de Mello votaram contra a inclusão da UIF no julgamento, mas acabaram sendo vencidos nesse ponto.

ENTENDA O JULGAMENTO

O que decidiu o Supremo?
Por nove votos, os ministros decidiram que a Receita pode continuar compartilhando com o Ministério Público e a polícia suas representações fiscais para fins penais (RFFPs), incluindo íntegras de declaração de Imposto de Renda e extratos bancários.

Também foi derrubada a liminar de Toffoli que suspendia mais de 900 investigações em todo o país que envolvem compartilhamento de dados bancários detalhados por órgãos de controle (como Receita e UIF) sem autorização da Justiça.

E quanto ao compartilhamento de dados pela UIF? Houve decisão? 
O julgamento foi interrompido antes que se chegasse a uma conclusão final sobre a possibilidade de estender o entendimento à UIF (antigo Coaf). Nova sessão está marcada para a próxima quarta (4), quando será debatida uma tese para nortear a atuação dos órgãos de controle (Receita, UIF e Banco Central) quanto ao compartilhamento de dados sigilosos.

Por que o resultado, ainda que parcial, pode ser considerado uma derrota para Toffoli?
Para além da revogação da liminar (algo que o próprio Toffoli voltou atrás e defendeu em seu voto), o ministro não conseguiu convencer seus pares a estabelecer regras que restringissem o compartilhamento de dados por Receita e UIF. Apenas Gilmar Mendes abraçou a tese da UIF, mas quatro ministros defenderam que o tema nem deveria ser abordado. Isso porque o caso concreto que estava sendo analisado tratava apenas da Receita, sem menções ao antigo Coaf. 

Como a UIF foi parar na discussão?
Toffoli resolveu incluir a UIF ao aceitar pedido da defesa de Flávio Bolsonaro e suspender, em julho, investigações a nível nacional, incluindo a que envolve o senador. O pedido se deu no âmbito de um recurso que já tramitava na corte, mas que tratava apenas da atuação da Receita. O caso de Flávio, contudo, envolve relatórios do antigo Coaf.

 

Compartilhar Conteúdo

444