Lobista diz que contratou ex-secretário de Palocci e Mantega para ter mais credibilidade no governo
Apontado personagem central no esquema compra de medidas provisórias investigado na Operação Zelotes, o lobista Mauro Marcondes disse nesta quarta-feira à Justiça Federal que contratou o economista Bernard Appy, ligado ao PT, em busca de "credibilidade" no governo para convencer o Executivo dos benefícios da MP 627, que concedeu incentivos fiscais ao setor automobilístico.
Atualmente consultor, Appy ocupou cargos de chefia no Ministério da Fazenda nas gestões dos ex-ministros Antonio Palocci e Guido Mantega. Marcondes disse que contratou Appy por ele ser "economista do PT, uma pessoa ligada ao partido para ter mais credibilidade". Segundo ele, Appy o auxiliou em relatórios e estudos de atividade econômica e empregos que seriam gerados a partir dos investimentos da Caoa e da Mitsubishi, caso conseguissem a prorrogação dos incentivos. Os documentos seriam levados à Casa Civil, ao Ministério do Desenvolvimento e à Fazenda, onde tinha contato com Dyogo Henrique Oliveira, atual número dois da pasta. Ele disse ter recebido 8 milhões de reais de cada montadora para trabalhar em prol da MP 627.
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Por orientação de seu defensor, Roberto Podval, Marcondes se recusou a responder aos questionamentos do procurador da República Frederico Paiva. Podval também impugnou uma pergunta do juiz Vallisney de Souza Oliveira, titular da 10ª Vara Federal em Brasília. Ele queria saber dos pagamentos de 2,5 milhões de reais da empresa de Marcondes à LFT Marketing Esportivo, de Luís Cláudio Lula da Silva, filho do ex-presidente Lula. Marcondes e Lula se conhecem há décadas e têm uma relação cordial e respeitosa. Podval argumentou que o pagamento a Luís Cláudio não consta na ação penal, mas em inquérito paralelo aberto posteriormente - e por isso não poderia ser objeto de debate na audiência.
"Guarde isso para o senhor: eu gostaria muito de esclarecer a questão do Luís Cláudio porque há uma completa distorção disso. Mas devo obediência ao meu advogado", disse o réu ao juiz. Roberto Podval afirmou que orientou seu cliente a não responder sobre os repasses ao filho de Lula "para evitar a politização do processo".
O lobista afirmou que prestou serviços técnicos e de mediação de interesses junto ao Executivo e ao Legislativo para empresas como Caoa e a Mitsubishi (MMC), em busca de obter benefícios fiscais e que acabou por encontrar como caminho a edição de medidas provisórias, que eram pleiteadas, por exemplo, pela Ford com articulação de parlamentares da Bahia. A empresa dele, a Marcondes & Mautoni, também fechou outro contrato para interceder em nome da Mitsubishi, instalada em Catalão (GO), junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) contra uma multa de cerca de 600 milhões de reais.
"Estávamos pensando na prorrogação do benefício fiscal. Quando nós começamos a buscar informação, para saber se tinha mais gente trabalhando nisso, descobrimos que a Ford estava trabalhando com a bancada da Bahia e que essa ação deles estava dirigida à prorrogação da medida provisória. Esse foi o caminho. Procuramos o governo dizendo que era uma época de ouro para o Brasil e que seria muito interessante a prorrogação", disse Marcondes. "Fizemos pesquisa, conversei com a Ford, com algumas pessoas da bancada para confirmar se havia interesse do governo da Bahia e do Ceará, e havia interesse. Eu senti que a bancada do Centro Oeste não estava mobilizada... Então falei com a Mitsubishi que precisávamos fazer a bancada se mobilizar para não ficarmos sozinhos."
Marcondes disse que tralhou também na MP 471, em parceria com o lobista José Ricardo da Silva (também réu na Zelotes) e que "orientava as empresas a movimentar as bancadas" dos Estados em que estavam instaladas, a fim de estender os incentivos para as regiões. A Caoa e a Mitsubishi pagariam, cada uma 16 milhões de reais à Marcondes & Mautoni, sendo 4 milhões de reais como pró-labore e 12 milhões de reais em caso de êxito. A SGR, empresa de José Ricardo da Silva, só receberia em caso de êxito, segundo Mauro Marcondes, o que também gerou desentendimentos entre eles por pressão para quitar os pagamentos.
Durante o lobby da MP 471 de 2009, Marcondes disse que se reuniu com o ex-presidente Lula e representares da indústria automobilística nacional e que "o governo reagiu muito positivamente". Ele também disse ter se reunido e levado documentos ao ex-ministro Gilberto Carvalho, então chefe de gabinete de Lula. "Eu senti que era uma vontade do governo, não senti resistência. Era uma vontade política clara do governo", declarou o lobista.
Questionado sobre uma planilha apreendida pela força-tarefa da Zelotes, em que constam ao lado da anotação "colaboradores da MP" os nomes de Gilberto Carvalho e Lytha Spíndola, ex-servidora da Casa Civil denunciada como elo dos lobistas no Executivo, Marcondes afirmou que trata-se de "um erro" cometido por sua secretária.
Preso preventivamente no Complexo da Papuda, Mauro Marcondes, de 79 anos, deve ganhar em breve o benefício do recolhimento domiciliar, ao completar 80 anos. A mulher dele, Cristina Mautoni, também está presa e se desloca em cadeira rodas por causa de uma cirurgia vascular nas pernas. Ele reclamou ao juiz de pressão do Ministério Público Federal e da Polícia Federal para fazer uma delação premiada e disse que prestou dois depoimentos "sob condições muito negativas". "O senhor tem dois caminhos: ou o senhor fala o que o senhor sabe ou sua esposa vai presa", teriam dito o procurador da República José Alfredo de Paula e Silva e o delegado Marlon Cajado, segundo o réu.
Mauro Marcondes negou ter cometido os crimes descritos na denúncia e afirmou ser "avesso à corrupção". "É impossível comprar uma medida provisória. Nunca corrompi ninguém na minha vida, nunca cometi um ato ilícito. Quem faz lobby não precisa corromper. Quem corrompe não precisa fazer lobby. O lobby é o antídoto da corrupção", disse Marcondes, que também chorou na frente do juiz. "Eu me sinto deprimido, não reconhecido. Só se mostra o lado negativo das MPs." VEJA