Justiça proíbe Cedae de cobrar por esgoto onde não há tratamento Read more: http://oglobo.globo.com/rio/justica-proibe-cedae-de-cobrar-por-esgoto-onde-nao-ha-tratamento
RIO - A Cedae só pode cobrar taxa de esgoto nos casos em que coleta, trata e dá uma destinação adequada aos dejetos. De outra forma, a cobrança seria irregular porque, de acordo com o artigo 225 da Constituição, “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida”. Este foi o entendimento unânime dos desembargadores da 11ª Câmara Cível do Rio ao julgarem um processo, no fim do ano passado, no qual um advogado questionava a cobrança da taxa de um imóvel em Magalhães Bastos, Zona Oeste do Rio, cujos resíduos eram descartados na rede de águas pluviais do bairro. A decisão favorece a luta de consumidores que não têm esgoto, mas são obrigados a pagar pelo serviço à empresa. Os desembargadores acolheram uma tese diferente, já que, nos últimos anos, o tema vinha sendo tratado principalmente com base no Código de Defesa do Consumidor. A Cedae informou que está recorrendo da sentença.
“A questão ultrapassa o necessário saneamento básico, alcançando o direito fundamental à saúde dos cidadãos e a garantia do mínimo existencial”, observou, na sentença, o desembargador Claudio de Mello Tavares, que relatou o processo.
Nos últimos anos, a Cedae e outras empresas de saneamento do estado foram alvo de várias ações na Justiça com base no Código de Defesa do Consumidor. Depois de decisões conflitantes sobre o tema, o Tribunal de Justiça do Rio chegou a editar uma súmula aceitando a tese de que não bastava apenas coletar, mas dar um destino adequado para os resíduos, tomando como base o Código de Defesa do Consumidor, por configurar uma quebra de contrato. A súmula 255, de 16 de janeiro de 2012, considerava “incabível a cobrança de tarifa pela simples captação e transporte do esgoto sanitário". No entanto, acabou sendo revogada por decisão do Órgão Especial do Tribunal de Justiça em 16 de abril do mesmo ano.
AUTOR DIZ QUE SE SURPREENDEU
No acórdão do fim do ano passado, os desembargadores da 11ª Câmara Cível entenderam que o proprietário do imóvel tem direito a ser ressarcido pelo pagamento da taxa retroagindo por dez anos em relação à data em que propôs a ação. Nesse caso, os cálculos devem ser feitos desde 2001 (a ação começou a tramitar em 2011). Além disso, a Justiça determina que a Cedae suspenda as cobranças.
— Com a mudança da interpretação, muitos clientes meus acabaram perdendo ações. No meu caso, eu mesmo me surpreendi com a interpretação dos desembargadores de que a cobrança é indevida pela questão ambiental — disse o advogado Wander Moreira, autor da ação.
Wander também é o dono do imóvel beneficiado pela decisão. Trata-se do escritório de advocacia que mantém na Rua Libéria, em Magalhães Bastos. O advogado estima que tenha a receber cerca de R$ 40 mil pelo que pagou em suas contas de consumo desde 2001. No entanto, ainda não há prazo para o reembolso ou suspensão da cobrança porque ainda cabe recurso.
— Cobrar por um serviço não prestado é um absurdo. A taxa é para que o esgoto tenha uma destinação correta. Não é o que acontece na maioria das ruas de Magalhães Bastos. O esgoto acaba caindo na rede de águas pluviais e contamina rios da região. Quando há uma enchente, as ruas são tomadas pelos resíduos. Isso aconteceu, por exemplo, num temporal que caiu no bairro na quarta-feira da semana passada — disse o advogado.
Morador do Recreio, bairro que até hoje conta com ruas sem sistema de coleta e tratamento de esgoto, o advogado José Alfredo Lion, especializado em direito do consumidor, avaliou que a tese ambiental acende a esperança de milhares de proprietários de imóveis que convivem com uma situação semelhante à enfrentada pelo colega de Magalhães Bastos.
— A tese está certíssima. Se a Cedae liga o esgoto à rede pluvial, ela está cometendo um crime ambiental. E a Cedae ainda admite? Sem dúvida, essa sentença representa uma mudança de mentalidade do Judiciário — disse Lion.
No processo movido por Wander, a Cedae argumentou que o consumidor pagava a taxa pela coleta de esgotos porque o serviço seria prestado de fato, com os dejetos sendo jogados na rede de águas pluviais. A empresa também alegou que, desde 2007, não teria mais responsabilidade pela cobrança em razão de uma parceria com a prefeitura, que se comprometeu a sanear a região através de uma parceria público-privada. Os desembargadores, no entanto, entenderam que a Cedae ainda era responsável por prestar o serviço de coleta. Eles também se basearam em perícia judicial que confirmou não haver tratamento adequado para os resíduos.
Em nota, a Cedae informou que está recorrendo da decisão, ainda na 11ª Câmara Cível. A empresa afirma que a cobrança da taxa segue o determinado pela lei federal 11.445/2007, que estabeleceu o Marco Regulatório do Saneamento. Segundo a empresa, com base nessa lei, o STJ já proferiu decisões que consideravam perfeitamente cabível a cobrança da taxa mesmo que as companhias não dessem um tratamento final adequado aos resíduos. “O acórdão foi objeto de embargos de declaração (usados para esclarecer pontos da sentença), pendentes de julgamento".
ESPERANÇA PARA OUTROS MORADORES
Segundo a companhia de saneamento, a mesma Câmara Cível teria tido uma interpretação diferente ao julgar processos anteriores e negado recurso a ações que reivindicavam a suspensão do pagamento. Por isso, a empresa decidiu recorrer: “Trata-se de decisão ainda pendente de recurso, que contraria entendimento do próprio colegiado que o prolatou, assim como do Superior Tribunal de Justiça”, informou por nota.
A decisão da Justiça, no entanto, foi recebida com otimismo por moradores de regiões da cidade onde a coleta não é adequada. O síndico do condomínio Meta Office Building 2, na Freguesia (Jacarepaguá), Sérgio Bittencourt, acredita que a taxa é abusiva:
— Estamos com uma ação contra a Cedae por causa disso. No condomínio, o esgoto vai para uma fossa e temos que pagar uma empresa para limpá-la a cada seis meses com bomba de sucção. No prédio, com 80 salas comerciais pequenas, pagamos conta de R$ 51 mil, da qual a metade é por um serviço que não é prestado — disse Sérgio. O GLOBO