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Considerações sobre o aspecto punitivo nas condenações por improbidade

A conhecida, importante e festejada “LIA” (Lei 8.429/92), em cumprimento ao artigo 37, parágrafo 4º, da CF, sobreveio com a finalidade de disciplinar adequadas sanções para os que praticarem condutas ímprobas, ou seja, desleais e atentatórias aos princípios e às regras que regem a administração pública — legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF/37) —, cujas iniciais formam o sugestivo “limpe”.

Observado o devido processo legal, a pena que vier a ser imposta ao infrator deverá guardar relação direta e indissociável com a lesividade apurada. Impõe-se a observância da devida proporcionalidade entre o ilícito praticado e a resposta estatal, a fim de que se restaure a supremacia do direito, na medida exata, ad instar, até mesmo, do preconizado pelo CP, em seu artigo 59, que determina, na dosimetria, que a pena seja o “necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime”. Todavia, no cotidiano jurisdicional, verifica-se, não raro, determinada rigidez, verdadeiro excesso nas condenações por improbidade administrativa, o que merece reflexão para uma justa e equânime dosimetria sancionatória.

Dentre as diversas sanções cominadas, em tese, ao agente ímprobo, lato sensu, contidas no artigo 12, da Lei 8.429/92, encontra-se a severa proibição de contratar com o poder público, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo que pode variar de 3 a 10 anos, conforme a hipótese, de acordo com a gravidade e tipicidade da ilicitude apurada. Contudo, em inúmeras condenações Brasil afora, tal óbice legal é estendido a todos os órgãos e entes federativos.

Pertinentemente, João Pedro Accioly Teixeira, em judicioso artigo, assevera: “A primeira conclusão a que se chega é que a proibição de contratar com o Poder Público é sanção de natureza gravíssima e de efeitos muito severos, de tal sorte que a sua aplicação deve se dar apenas em face de fatos excepcionalmente graves”[1].

Com efeito, principalmente para as empresas que mantêm relação direta com o Estado, seja na prestação de serviços ou no fornecimento de produtos, as quais, na verdade, auxiliam o Estado na missão de prestar bons serviços à coletividade, essa sanção revela-se extremamente penosa, devendo ser ponderada, com maior cautela, a gravidade das consequências na prolação da decisão condenatória.

Deve ser sopesado, minudentemente, o contexto do ocorrido, a vida da empresa, seus sócios, em suma, todos os aspectos relevantes, de fato e de direito, para aplicar a sanção, sem se descurar do valor social do trabalho, em suma, das diretrizes maiores que emergem do artigo 170 da CF, fazendo o Judiciário talvez a sua função mais nobre, qual seja, a justa, ponderada e equitativa dosagem da reprimenda, atendendo, na exata medida, ao fim social da lei e ao bem comum, que a mesma busca preservar.

Parece induvidoso que a proibição de contratar com o poder público, com qualquer ente federativo, pode comprometer a continuidade da atividade empresarial e de outras sociedades, terceiros, dependentes de sua cadeia produtiva, aumentando o desemprego, reduzindo a concorrência e atingindo a arrecadação — sabendo-se que o Estado, não obstante a sua relevância e imprescindibilidade social, nada produz, como tal —, além de prejudicar a própria administração pública, pois restará desprovida da possibilidade de manter relação contratual com empresa que, exceto pelo ato condenável, cumpria suas obrigações adequadamente.

Em obra recentemente publicada, o ministro Napoleão Nunes Maia Filho, estudioso, dentre outros, do tema relativo à improbidade administrativa, com a lucidez e o brilhantismo de sempre, leciona:

“As leis não resolvem as questões concretas da vida humana. Essas questões somente serão resolvidas pelas decisões dos julgadores, pois apenas estas (as decisões dos julgadores) poderão captar e processar, em ambiente de justiça, os elementos concretos e tópicos dessas mesmas questões, aos quais as leis escritas dão o tratamento geral e abstrato que é peculiar às suas formulações”[2].

Além de ser levado em conta a extensão do dano causado, assim como o proveito patrimonial obtido pelo agente, tal como preconizado pelo parágrafo único do artigo 12, da Lei 8.429/92, a proibição de contratar com o poder público deve ser restrita, se for o caso, ao ente federativo no qual se apurou a ilicitude. Nesse sentido, já decidiu o STJ: AgInt na TP 1.492/RJ (rel. min. Regina Helena Costa, 1ª Turma, DJe de 6/12/2018); AgInt no REsp 1.589.661/SP (rel. min. Gurgel de Faria, 1ª Turma, DJe de 24/3/2017); e EDcl no REsp 1.021.851/SP (rel. min. Eliana Calmon, 2ª Turma, DJe de 6/8/2009).

Esses julgados, principalmente os mais recentes, apontam para uma louvável orientação da sua jurisprudência, que consagra a própria gradação legal punitiva, os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, ao passo que, sem ensejar comprometimento da sua natureza repressiva, servem como indiscutível alerta para a empresa punida, a fim de que passe a adotar novas condutas, dirigidas com respeito ao ordenamento jurídico. Além disso, desmistificam o equivocado entendimento de que a proibição de contratar, nos termos da lei, alcançaria, obrigatoriamente, todos os órgãos e esferas governamentais.

É certo que não se pode acobertar ilícitos absolutamente reprováveis, especialmente de quem se locupletou, em detrimento da administração pública e, em consequência, da própria sociedade. O que se questiona é o excesso punitivo. Se há previsão legal de perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, pagamento de multa civil, a proibição de contratar com o poder público deve ser prescrita em casos extremos, observando-se escala que não determine, desde logo, a extinção precipitada da sociedade empresarial.

Dentre os relevantes precedentes referidos, veja-se, em atenção à brevidade, por todos, a seguinte ementa:

PROCESSUAL CIVIL – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – OMISSÕES E CONTRADIÇÕES – MODULAÇÃO AUTORIZADA PELO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 12 DA LIA (LEI 8.429/92) – EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA MC 10.517/SP: ANÁLISE PREJUDICADA.
1. O princípio da legalidade estrita enseja o exame do questionamento dos embargantes quanto à modulação das sanções administrativas diante da previsão constante do parágrafo único do art. 12 da LIA, para verificar se as condenações foram proporcionais e razoáveis à extensão do dano causado.
2. Constatada a demasia nas sanções administrativas aplicadas às empresas, merecem acolhida os embargos de declaração, para readequá-las às condutas examinadas.
3. Proibição de contratar com o serviço público que deve restringir-se, para a empresa ODEBRECHT S.A. às avenças com a empresa LIMPURB, diante do fato de só ter participado de três aditamentos, nenhum deles para inserir serviços sem licitação. Pela mesma razão, a vedação ao recebimento de benefícios e incentivos deve ficar restrito ao Município de São Paulo.
4. Aceita-se ainda a moderação para a empresa CBPO LTDA., para limitar a sanção quanto à contratação com o serviço público e ao recebimento de benefícios e incentivos ao Município de São Paulo.
5. Prejudicada a análise dos embargos de declaração na MC 10.517/SP, cujo pleito era para manter o efeito suspensivo do recurso especial até o julgamento dos presentes embargos declaratórios.
6. Embargos de declaração acolhidos para esclarecimentos e ajustamentos quanto à extensão dos dois primeiros declaratórios, sem efeito modificativo quanto ao resultado, no que se refere aos demais recursos. (EDcl no REsp 1.021.851/SP, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe 06/08/2009)

Nesse precedente, que já completa dez anos, sua relatora, com absoluta acuidade, em seu voto, ponderou:

“Examinando a querela no ponto da sanção, pelo princípio da proporcionalidade, não me parece razoável que uma empresa como a CBPO, mesmo tendo cometido grave infração contratual que a torna ímproba, venha a ter decretada sentença de morte. Sim, porque nenhuma empresa de grande porte resistirá a ficar por cinco anos sem contratar com o serviço público em toda e qualquer unidade da Federação. Daí a necessidade de delimitar-se a reprimenda administrativa para situa-la dentro dos limites do Município de São Paulo, estabelecendo-se a sanção de proibição de contatar com o serviço público municipal, dentro da cidade de São Paulo, o que deixa livre a empresa para contratar com outros municípios, inclusive os que formam a chamada Grande São Paulo”.
EDcl no REsp 1021851 (2008/0009389-5 de 06/08/2009).

Não se deve olvidar, também, a esta altura, da Lei 13.655/2018, que incluiu na Lindb “disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do direito público”, cujo artigo 20 prescreve que, “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”, acrescentando o seu parágrafo único, o relevo da motivação. Pertinentes, também, as regras inscritas nos seus artigos 21, parágrafo único, 22 e parágrafos. Em suma, a jurisprudência, em particular a do STJ, órgão de cúpula do Judiciário, ao qual compete velar pela higidez do direito federal e por sua mais adequada interpretação, vem trilhando, como vimos, o caminho que conduz ao verdadeiro, legítimo, propósito da LIA, que é punir atos ímprobos, mas, jamais, liquidar, pura e simplesmente, com empresas produtivas, úteis, socialmente, das quais o Brasil, os brasileiros, muito precisam! Modus in rebus, portanto!


[1] TEIXEIRA, João Pedro Accioly Teixeira. Os Contornos Objetivos da Proibição de Contratar com o Poder Público por Improbidade Administrativa. Revista da AGU, Brasília. v. 16, n. 01. p. 186. Jan./mar. 2017.
[2] MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Direitos e Garantias Fundamentais na Jurisdição Sancionadora. Ceará: Editora Curumim, 2018, p. 152.

 é sócio-fundador do Arnaldo Lima e Barbosa Moreira Advogados e Consultores e ministro aposentado do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 18 de janeiro de 2019, 6h07

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