O que o MP quer saber de Lula - ISTOE
A o exercer o direito de não depor em São Paulo, depois que uma liminar do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) suspendeu a oitiva marcada para a última quarta-feira 17, o ex-presidente Lula deixou de ser confrontado com uma série de questões que intrigam os promotores paulistas. Para eles, há elementos suficientes para suspeitar que o tríplex no Guarujá possa fazer parte de um esquema maior de ocultação de patrimônio que envolveu a OAS, empreiteira implicada no Petrolão, e beneficiou Lula e seus companheiros ilustres, como Freud Godoy, enquanto cooperados da falida Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop) eram lesados. Na portaria de instauração da investigação, obtida por ISTOÉ, o MP aponta que os antigos cooperados tiveram de pagar taxas e novos custos de apartamentos quitados, ao passo que petistas célebres “foram contempladas pela OAS, ou seja, permanecem usufruindo com ocultação de suas verdadeiras propriedades de bens correspondentes a unidades autônomas.” Entre eles, estaria o apartamento da família Lula no Guarujá.
O PAPEL DO PETISTA
Para promotores do MP-SP, Lula pode ter avalizado as negociações
que levaram a OAS a assumir ativos da Bancoop
Segundo apurou ISTOÉ, com pessoas próximas à investigação, os promotores questionariam Lula sobre a possibilidade de ele ter participado, dado aval ou tomado conhecimento das negociações que levaram a OAS a assumir 2.145 unidades inacabadas da falimentar cooperativa entre 2008 e 2009. Um negócio controverso e selado num período em que o Petrolão estava a pleno vapor, com o tesoureiro do partido João Vaccari Neto, um dos responsáveis por quebrar a Bancoop, representando o partido nas negociatas com a Petrobras. Àquela altura, a Bancoop já era um pepino para o PT.
Os desvios já haviam virado alvo de CPIs e de investigações do Ministério Público. Por isso, convencer uma empreiteira do tamanho da OAS a assumir os imóveis em meio ao imbróglio não deve ter sido uma tarefa banal. Os promotores desconfiam que só alguém com a estatura e o peso político de Lula teria força suficiente para envolver a OAS num negócio que parecia fadado ao fracasso.
Os promotores também gostariam de esclarecer, de uma vez por todas, a controversa questão da negociação acerca do tríplex no Guarujá. Questionariam se alguém da OAS ou da Bancoop deu garantias à família Lula de que ela ainda poderia ficar com o imóvel, e se e quando teria de pagar valores a empreiteira. Farta documentação leva os promotores a crerem que a OAS assumiu os ativos da Bancoop a preços abaixo do mercado, o que lesou cooperados. Acredita-se que, em contrapartida, a empreiteira tenha beneficiado dirigentes da cooperativa e pessoas ligadas ao PT com a venda de imóveis por valores fora da realidade ou ocultados, não sendo transferidos oficialmente para seus verdadeiros donos. Há indícios de que o ex-presidente possa ser um dos beneficiados. A defesa de Lula afirma que ele comprou uma cota do empreendimento do Guarujá, mas nunca foi dono do apartamento. Não manifestou interesse de ter o dinheiro de volta nem de continuar a investir no imóvel, em 2009, quando a OAS assumiu o empreendimento. Afirmam, no entanto, que Lula e Marisa esperaram até ano passado para decidir se ficariam ou não com um apartamento do condomínio. Só que, como ISTOÉ mostrou com exclusividade em janeiro, esta opção não estava prevista na assembleia de transferência do empreendimento. Aqueles que não fizessem a sua escolha seriam expulsos da cooperativa e acionados na Justiça.
PRAÇA DE GUERRA
Apesar da suspensão do depoimento de Lula, na quarta-feira 17 militantes
pró e contra o petista entraram em confronto em frente à sede
do Ministério Público de São Paulo
A suspensão dos depoimentos pelo CNMP, na véspera da oitiva, surpreendeu os promotores. O conselheiro Valter Shuenquener concedeu liminar a pedido do deputado federal Paulo Teixeira (PT-SP). O petista alegou que o promotor Cássio Conserino não poderia conduzir as investigações. Para ele, o inquérito deveria ser comandado por alguém que já atuasse em outra investigação sobre a Bancoop. Ou que o processo fosse distribuído a um novo promotor, por sorteio. Segundo Shuenquener, Lula deveria prestar explicações à sociedade, mas a liminar foi necessária para evitar a nulidade da ação mais adiante (leia entrevista abaixo).
Apesar de ter saído em defesa de Conserino publicamente na última semana, a cúpula do MP não gostou do modo como o promotor conduziu o processo de convocação de Lula e Marisa para depor. Acreditam que, ao dar ampla divulgação sobre os depoimentos na imprensa, ele possibilitou a politização da investigação pelo petista. Reforçou a estratégia recorrente de Lula do “nós contra eles”. Avaliam que, com a exacerbação do debate, poderia ter ocorrido um incidente mais violento, na quarta-feira 17, diante do fórum da Barra Funda, na capital paulista. A Polícia Militar enfrentou dificuldade para controlar a disputa entre militantes favoráveis e contrários ao petista que foram até o local da oitiva mesmo após o cancelamento. Os policiais tiveram de recorrer ao uso de bombas de gás lacrimogêneo para separar confrontos entre os dois grupos. O local se transformou numa praça de guerra depois que simpatizantes do PT e integrantes de movimentos sociais tentaram impedir que fosse erguido um boneco do presidente Lula vestido de presidiário, o pixuleco. Ambos os lados, arremessaram pedras e outros objetos. Cinco pessoas ficaram feridas. A politização da investigação e o adiamento do depoimento podem dar um fôlego para Lula na esfera jurídica, mas mantém acesa a polêmica em torno do tríplex, o que desgasta o ex-presidente politicamente. Até agora, ele não conseguiu oferecer uma versão convincente sobre o caso. Evitar prestar esclarecimentos às autoridades só torna o episódio ainda mais suspeito.