MP investiga exoneração em massa na prefeitura do Rio para contratação de pessoas ligadas à Igreja Universal
Além da denúncia apresentada à Justiça do Rio por atos de improbidade administrativa do prefeito Marcelo Crivella (PRB), o Ministério Público do estado apura exoneração em massa de servidores da prefeitura para contratação de pessoas ligadas à Igreja Universal do Reino de Deus. Tal situação é apurada nas secretarias da Casa Civil, Assistência Social, Educação e Cultura, além da Fundação de Parques e Jardins.
“Chegaram representações no sentido de que houve demissão em massa de pessoas ocupantes de cargos comissionados em algumas pastas e a readmissão de pessoas de confiança do prefeito. Essas representações apontavam que esses novos comissionados seriam da igreja evangélica a qual pertence o prefeito”, disse a promotora Gláucia Maria da Costa Santana durante coletiva de imprensa realizada nesta quinta-feira (12).
A promotora lembrou que cargos comissionados são de livre nomeação do prefeito. Todavia, o que o MP pretende é investigar se Crivella tem descumprido o princípio de laicidade do estado, nomeando pessoas ligadas à sua religião para o desempenho de funções públicas.
“Parece que ele [o prefeito] quis fazer uma reordenação. A notícia que vem é que poderia estar havendo também um alinhamento religioso na ocupação, um empoderamento da igreja dentro dos órgãos da prefeitura”, ressaltou Glaucia Santana.
Ofícios já foram enviados para as secretarias da Casa Civil, Educação, Cultura e Assistência Social, além da Fundação de Parques e Jardins, pedindo a relação completa das pessoas que foram exoneradas e, também, a das que foram nomeadas na sequência. “Tem pastas onde essa exoneração foi feita em massa, em pacote fechado com um só decreto, destacou a promotora.
Essa denúncia não faz parte da ação civil pública apresentada pelo MP à Justiça por atos de improbidade administrativa do prefeito. Isso porque, segundo a promotora, ainda não se sabe se é verdadeira a informação sobre as exonerações em massa para nomeação de membros da igreja.
“Vamos fazer essa conferência se há ou não essa influência de pessoas de perfil evangélico na prefeitura e vamos apurar como essas pessoas estão atuando”, disse a promotora Gláucia Santana.
‘Extensão dos templos da Igreja'
Para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), Marcelo Crivella fez de escolas e outros espaços públicos da cidade uma "extensão dos templos da Igreja Universal do Reino de Deus". A promotoria afirma considerou que a reunião secreta com pastores e líderes da igreja no Palácio da Cidade "é prova cabal" de que o prefeito descumpre as normas do estado laico.
Tais afirmações constam na ação civil pública apresentada pelo MP à Justiça na qual Crivella é denunciado por ato de improbidade administrativa. No documento de 45 páginas, os promotores relembram, além da reunião secreta promovida no Palácio da Cidade, outros oito casos em que a máquina pública foi usada pela Igreja Universal, dentre eles eventos em escolas da rede municipal com "atendimento espiritual".
Os eventos foram realizados no ano passado no CIEP Gustavo Capanema, na Maré, Zona Norte, e na Escola Municipal Joaquim Abílio Borges, no Humaitá, na Zona Sul. O MP apresentou à Justiça foto de um banner instalado no colégio do Humaitá que, sob a logomarca da Igreja Universal, estavam listados os serviços oferecidos durante a ação social.
As diretoras das duas escolas foram intimadas pelo MP a prestar esclarecimentos sobre o caso. Ambas afirmaram que a cessão do espaço foi determinada pelas respectivas coordenarias regionais de educação.
“Elas narram que foram procuradas sempre por pastores da igreja evangélica, que não houve nenhuma formalização de ato, que toda a autorização veio da Coordenadoria Regional de Educação, da 2ª e da 4ª, correspondentes aos Bairros Humaitá e Maré. Isso para a gente ficou comprovado que houve o desvio de finalidade no uso do espaço das escolas” , afirmou a promotora Gláucia Maria da Costa Santana.
Sambódromo para a igreja
O MP diz que o prefeito cedeu também, em novembro, o espaço do Sambódromo para um evento da Igreja Universal, batizado de "A Vigília do Resgate". A tradicional passarela do samba foi usada gratuitamente para o evento religioso, e a prefeitura garantiu ainda toda a estrutura, como a Cet-Rio, a Guarda Municipal e outros órgãos públicos.
Os promotores destacaram que o evento na Marquês de Sapucaí incomodou os sambistas, já que os desfiles de carnaval deixaram de receber o apoio histórico que recebiam da prefeitura.
Censo religioso
Um dos primeiros atos de Crivella apurados pelo MP foi alvo de inquérito civil instaurado em agosto do ano passado que apurava uma possível violação à liberdade religiosa na Guarda Municipal do Rio. Na ocasião, os agentes foram obrigados a responder a um censo religioso, informando o credo e se eram praticantes.
Posteriormente, apontaram os promotores, a prefeitura realizou outro censo religioso, dessa vez feito com os frequentadores das academias rio ao ar livre. A promotoria viu com estranheza o cidadão ter que informar sua opção religiosa para usar um serviço destinado a todos.
Prefeito 'extrapolou os limites'
Outra fato apontado na ação civil pública é o corte de verbas da prefeitura para eventos de outras religiões, como o Barco de Iemanjá, declarado Patrimônio Cultural do Rio. O MP destacou que a festa tradicional faz parte do calendário oficial da cidade e não recebeu dinheiro do município pela primeira vez em 13 anos.
Os promotores afirmaram à Justiça que "ao agir assim, além de escolher o seu seguimento religioso para beneficar, o prefeito se utilizou de espaço e cargos públicos para a prática de atos, fazendo crer estar na construção de um projeto de poder político que merece toda a atenção das instituições".
Em outro trecho, o MP disse ainda que Crivella "extrapolou os limites do razoável, usando sua estrutura para propagar seu credo, e com isso, aumentar seu capital eleitoral como ficou evidente na presença de pré-candidatos na reunião realizada no dia quatro de julho, no Palácio da Cidade".
O MP se refere aos pré-candidatos Rubens Teixeira e Raphael Leandro, ambos do PRB, o mesmo partido de Crivella. Os dois estiveram no encontro secreto promovido pela prefeitura com cerca de 250 pastores e líderes evangélicos. Nessa reunião, que veio à tona a partir de uma reportagem do Jornal O Globo, o prefeito ofereceu diversas facilidades para a igreja e seus fieis.
“Esse último gesto, dessa reunião que foi realizada no Palácio, selou essa perspectiva que a gente vinha acompanhando do prefeito não respeitar o Estado Laico”, disse a promotora Gláucia Maria da Costa Santana.
Na ação, o MP pede que Crivella cumpra 12 determinações. Entre elas, "deixar de usar a máquina pública do município para a defesa de interesses pessoais ou de seu grupo religioso" e não conceder privilégios à determinada categoria para acesso ao serviço público de qualquer natureza. Pede ainda que o prefeito pare de atuar em favor de determinada entidade religiosa, notadamente da Igreja Universal, e "que não use espaços públicos pra realizar atividades religiosas".
A ação está na Vara da Fazenda Pública do Rio. Em caso de condenação, Crivella poderá ter de pagar multa no valor de R$ 500 mil, perder o mandato e ter os direitos políticos suspensos.
A prefeitura disse que Marcelo Crivella ainda não foi notificado da ação civil pública. A Igreja Universal pediu à TV Globo mais detalhes sobre a denúncia.
portal g1