Barbalha, Crateús, Icó, Juazeiro do Norte e Sobral. Cinco importantes cidades do Ceará estão no mais recente relatório do Ministério da Transparência e Controladoria Geral da União (CGU). O órgão investigou o que se fez de mais errado com a verba repassada pela União, aplicada em programas federais no Interior do Estado entre janeiro de 2014 e março de 2016, nas áreas de saúde, educação, prevenção a enchentes e inclusão digital. O montante analisado pelo órgão beira a casa dos R$ 450 milhões. As inspeções foram realizadas ao longo de 2017.

O que dizem as prefeituras sobre as falhas apontadas pela CGU

O documento traz descrições “graves, médias ou formais” das falhas ou irregularidades apontadas às administrações municipais. Do “uso indevido” de verba da Educação “para pagamento de funcionários de outras áreas” a “pagamento indevido de gratificações”. Num outro caso, “o direcionamento nas aquisições de bens e serviços e conluio entre os participantes das compras” também de verbas para as escolas municipais.

Na saúde, “superfaturamento por serviços pagos em duplicidade ou executados com materiais fora do padrão especificado no projeto” e ausência de comprovação de despesas de recursos acima de R$ 929 mil. Do risco de uma obra de contenção de enchentes realizada fora do que foi descrito no projeto até a elementar falha de sinal de internet num projeto de inclusão digital.

Ao todo, 94 cidades no País foram vistoriadas dentro do 4º Ciclo de Fiscalização de Entes Federativos (FEF). Juntas, no Brasil, somaram R$ 4,6 bilhões em recursos recebidos. O superintendente da CGU no Ceará, Roberto Vieira Medeiros, reconhece que as situações apontadas no relatório atual “são falhas comuns, decorrentes principalmente da falta de conhecimento e de capacitação de alguns gestores municipais”.

Essas irregularidades discriminadas como atecnias corresponderiam a cerca de 80% dos problemas constatados pelos auditores, segundo informações compartilhadas entre CGU e Associação dos Prefeitos do Ceará (Aprece). “A imensa maioria das constatações verificadas em nossos relatórios advém de falta de conhecimento quanto à correta maneira de licitar, contratar, acompanhar a execução do contrato, receber uma obra pública e, ao final, prestar contas do recurso federal aplicado”, afirma o chefe da CGU.

Apesar de a Controladoria considerar a baixa qualificação de alguns servidores em administrações municipais, o relatório narra trechos contundentes, que sugerem mais que deslizes. Em Icó e Juazeiro do Norte, as ações de transparência e controle social para recursos do programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE) foram avaliadas como “insuficientes”. Os auditores apontaram “fatos e situações que indicam simulação de compras e direcionamento na aquisição de bens e serviços num conluio entre os participantes das compras”.

Em Barbalha e Sobral, a verba do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) foi identificada cobrindo despesas que não estariam entre as autorizadas para esta fonte de recursos. Em Sobral, cerca de R$ 825 mil de dinheiro do Fundeb pagaram profissionais – de instituições públicas e privadas – por serviços não condizentes com manutenção e desenvolvimento da educação básica.

Ainda em Icó, recursos destinados à Atenção Básica à Saúde e Assistência Farmacêutica tiveram “desvio de finalidade no montante de R$ 124.754,18”. A administração local, segundo os auditores, não apresentaram à época da fiscalização os comprovantes de gastos com recursos da mesma rubrica (Atenção Básica à Saúde) no valor total de R$ 929.183,75.

Em Juazeiro do Norte, na construção de uma unidade básica de saúde da família, foi detectado “superfaturamento por serviços pagos em duplicidade ou executados com materiais em especificações diferentes do que foi indicado no edital de licitação”. A situação permitiu que R$ 191.530,20 fossem pagos indevidamente. A obra foi finalizada.

A irregularidade mais grave de Crateús foi a falta de sinal de internet em quatro dos 12 pontos de um serviço de atendimento ao cidadão – destinado a oferecer gratuitamente conexão à rede de computadores para comunidades de áreas remotas. Os auditores confirmaram que o serviço não funcionava nos pontos havia mais de um ano.

INSPEÇÃO

COMO FUNCIONA

ATÉ 2015, a CGU escolhia por sorteio as cidades a serem inspecionadas. No ano seguinte, passaram a ser considerados critérios como total de repasses federais, população, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ou volume de denúncias existentes.

ANTES E APÓS as inspeções, a CGU manteve contato com a Procuradoria da República e o Ministério Público Estadual para avisar da fiscalização e confirmar eventuais inquéritos e processos anteriores.

HÁ PROVAS documentais, depoimentos e fotos no relatório de cada município. Se o relatório apontar apenas falhas formais na execução de programas de governo, a CGU de Brasília compila com os outros Estados e apresenta para os ministérios.

“SE CONSTATADO DESVIO, a conclusão vai para o gestor/ex-gestor. Se for recomendação de aprimoramento, vai para o município”, explica o superintendente da CGU no Ceará, Roberto Vieira Medeiros. A depender da situação, pode ser enviado para a Polícia Federal.

SE NÃO HOUVER devolução de valores, o Ministério abre uma Tomada de Contas Especial (TCE), além de reforçar junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para reprovar as contas daquele gestor. Ao final, a Advocacia Geral da União (AGU) cobra judicialmente.

O QUE DIZ A INSPEÇÃO DA CGU NO CEARÁ

JUAZEIRO DO NORTE

Montante avaliado: R$ 304.667.776,96

Programas fiscalizados: Educação Básica; Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS); Gestão de Riscos e de Desastres.

Trechos do relatório:

Sobre recursos do Fundeb: “O pagamento indevido em favor de funcionários que não desenvolvem atividades relacionadas com ensino básico no Município, funcionários que não integram o ciclo de educação básica, bem como pagamento de funcionários que não possuem registro e/ou comprovação de que exercem suas atividades na referida secretaria, ou em outra unidade ligada à Educação naquela municipalidade”.

Sobre obra de Unidade Básica de Saúde da Família no Centro da cidade: “Superfaturamento por serviços pagos em duplicidade ou executados com materiais com especificações diferentes das indicadas no Edital de Licitação, gerando um pagamento indevido no valor de R$ 191.530,20”.

Sobre obra de contenção de risco (verba do Ministério da Integração Nacional): “A obra da contenção da encosta da avenida Paulo Maia foi executada em desacordo com o projeto estrutural. Chegou-se à conclusão que a estabilidade da referida obra estava comprometida, inclusive, podendo entrar em colapso ao final da execução do aterro. Também houve, até a data de conclusão do relatório, um superfaturamento de R$ 177.530,13 no contrato”.

SOBRAL

Montante avaliado: R$ 52.540.562,46

Programas fiscalizados: Educação de Qualidade para Todos; Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS); e Comunicações para o Desenvolvimento, a Inclusão e a Democracia.

Trechos do relatório:

Educação: Uso indiscriminado do instrumento de contratação temporária para os profissionais do magistério da educação básica; Existência de profissionais da educação básica em exercício em instituições onde não são desenvolvidas ações de manutenção e desenvolvimento da educação básica; Pagamento indevido de gratificações relacionadas ao exercício da docência a servidores ocupantes do cargo de Coordenador Pedagógico; Procedimento de Adesão a registro de preço de forma não vantajosa para a Administração.

ICÓ

Montante avaliado: R$ 104.745,00

Programas fiscalizados: Educação de Qualidade para Todos; e Fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS).

Trechos do relatório:

Sobre o Programa Dinheiro Direto na Escola (PDDE): “Destacam-se fatos e situações que indicam simulação de compras, direcionamento nas aquisições de bens e serviços e conluio entre os participantes das compras. Verificou-se, também, a aquisição de produtos com preços superiores ao praticado no mercado. Além disso, não foram localizados alguns bens adquiridos com recursos do PDDE.

Saúde: “Desvio de finalidade na aplicação de recursos destinados à atenção básica no montante de R$ 124.754,18”. “Não comprovação documental dos gastos com os recursos da atenção básica no valor total de R$ R$ 929.183,75”.

CRATEÚS

Montante avaliado: R$ 2.405,16.

Programas fiscalizados: Comunicações para o Desenvolvimento, a Inclusão e a Democracia.

Trechos do relatório:

“Durante os trabalhos de fiscalização, constataram-se falhas relativas aos Pontos de Inclusão Digital visitados, uma vez que não estavam operando com o sinal de internet fornecido pelo Programa Gesac (Governo Eletrônico – Serviço de Atendimento ao Cidadão) há mais de um ano, sendo que, nas escolas visitadas, foi contratado pelo município outro fornecedor de sinal de acesso à internet”.

BARBALHA

Montante avaliado: R$ 90.755.443,07

Programas fiscalizados: Educação de Qualidade para Todos; e Assistência Ambulatorial e Hospitalar Especializada.

Trechos do relatório:

Educação: Execução de despesas, com utilização de recursos do Fundeb, que não são consideradas como de manutenção e desenvolvimento da educação básica; Pagamento indevido em favor de funcionários lotados em entidades filantrópicas, de caráter privado, que não desenvolvem atividades relacionadas com ensino básico no Município; Pagamento de vencimentos de profissionais de outras áreas ou que atuam em diferentes áreas de especialidade, utilizando recursos do Fundeb; Pagamento de salários de funcionários que estão atuando em outros programas custeados com recursos federais, e que não integram o ciclo de educação básica daquela municipalidade; Transferência indevida de recursos da conta do Fundeb para uma conta bancária da Prefeitura Municipal de Barbalha/CE, a fim de atender despesa com desconto de faltas de professores e funcionários da Secretaria Municipal de Educação;

Saúde: “Não foram detectadas falhas na execução dos recursos do programa”.

(O POVO – Repórter Cláudio Ribeiro)