Nunca antes na História deste país...
*Roberto Livianu, O Estado de S.Paulo
23 Fevereiro 2018 | 03h11
Na quarta-feira a Transparência Internacional divulgou os índices de percepção da corrupção (IPC) referentes a 2017. Foram avaliados 180 países, o que é feito desde 1996, e nunca antes na História deste país havíamos ficado em posição tão ruim: caímos do 79.º para o 96.º lugar – 17 posições. Só caíram mais a Libéria (32) e o Bahrein (33).
Em relação ao índice de 2014 caímos 27 posições. Estamos empatados com a Colômbia, a Indonésia, o Panamá, o Peru, a Tailândia e a Zâmbia. Depois de cinco anos seguidos no topo superior, a Dinamarca foi desbancada pela Nova Zelândia por um ponto. No inferior continua a Somália.
A média mundial foi de 43 pontos (o Brasil teve 37), inferior à linha mediana entre os topos inferior e superior. Mais de dois terços dos países tiveram piora em seus índices, elaborados pelo mais importante organismo internacional dedicado ao combate à corrupção, com escritórios em mais de cem países. Mas é bom lembrar que se trata de indicador de percepção subjetiva da corrupção, que tem como matéria-prima a opinião de pessoas avaliando o ano de 2017.
Jamais existirão meios de medição objetiva exata da corrupção ou do volume exato de recursos nela envolvidos ou desviados, em especial porque grande parte da corrupção praticada, como se sabe, é objeto de subnotificação (cifra negra criminológica). As pessoas não se sentem suficientemente seguras ainda para denunciar.
Entretanto, mesmo com a imprescindível ressalva, o IPC precisa ser analisado e interpretado para que se procure entender seu significado para o Brasil, um país que, segundo o Latinobarometro 2017, tem como angústia número 1 de seu povo o problema da corrupção (para 31% dos brasileiros). E foi a primeira vez que a Latinobarometro detectou isso num país latino-americano (ouviu 29 mil pessoas em 18 países).
A percepção foi de maior corrupção, em primeiro lugar, porque ela continua sendo uma hemorragia grave – os escândalos desvendados desde 2014 continuaram sendo desvendados em 2017, especialmente em decorrência do prosseguimento dos trabalhos da Operação Lava Jato. Ou seja, um fator gerador de percepção da corrupção decorrente da operosidade das instituições de combate a ela continuou relevante. Seria pior se se soubesse dos escândalos e nada fosse feito em termos de investigação, processo e punição.
Mas, paralelamente a esse fator, tivemos outros, negativos, que avolumaram a percepção difusa da corrupção. Como a reforma política que não vingou, quando se discutiu um novo modelo de regras para as eleições. Foi proposto o voto distrital (existente, por exemplo, desde o século 13 na Inglaterra), para baratear as eleições, diminuir seu custo e a distância entre representantes e representados. Em seu lugar os políticos apresentaram o “distritão” (existente em Vanuatu, nos Emirados Árabes, no Kuwait e no Afeganistão), que desfigurava a proposta.
Também trouxeram o fundão eleitoral, para aumentar o volume de dinheiro que os partidos políticos recebem para as campanhas, sem prestarem contas adequadamente, sem transparência nem padronização – o que dificulta a fiscalização, uma vez que o dinheiro é destinado de acordo com as ordens dos coronéis donos das legendas partidárias, porque não se pratica ali a alternância no poder própria de um sistema republicano.
E queriam aprovar proposta de doações anônimas para campanhas, em que dinheiro das máfias russa, chinesa ou italiana, do PCC ou do Comando Vermelho poderia financiar campanhas, até mesmo a compra de votos. Queriam aprovar também uma proposta que proibia a prisão de políticos oito meses antes das eleições, logo denominada emenda Lula. Estas duas não vingaram porque a sociedade reagiu, mas o fundão foi aprovado e as proposições que visavam a facilitar a renovação política pelo eleitor foram rechaçadas sumariamente.
O episódio Aécio Neves – presidente de um dos três maiores partidos do País, surpreendido em situação, no mínimo, suspeita pedindo dinheiro e investigado por corrupção – enfraqueceu o Supremo Tribunal Federal (STF), quando prevaleceu a palavra final do Senado. E evidenciou a degradação da instituição partidos políticos, porque Aécio não renunciou à presidência de seu partido nem foi instado a fazê-lo pela Executiva. No caso de Antônio Carlos Rodrigues, presidente nacional do PR, preso por corrupção, o script se repetiu.
Paulo Maluf, ícone da corrupção brasileira, foi preso em dezembro, quando também foi decretado o indulto “black friday” pelo governo federal, que liquidava 80% das penas de corruptos, o qual foi barrado pelo STF. A par disso, nem o debate sobre as Dez Medidas Contra a Corrupção nem o fim do foro privilegiado se definiram.
Assim, há motivos para crer que a ampliação da percepção de corrupção guarda relação com o fato de se ter detectado que o poder que deveria ser usado para combater a corrupção e a impunidade, na verdade, foi utilizado em benefício próprio. O que, aliás, foi percebido pelos experts da Latinobarometro 2017, os quais concluíram que, dos brasileiros ouvidos, 97% consideram que os poderosos o usam apenas para si, e não, para o bem comum. Conclusão que converge com a do Fórum Econômico Mundial, que, examinando indicadores de 137 países em 2017, concluiu que o Brasil tem os políticos com menor credibilidade de todos os 137. O último lugar!
O IPC foi o mais alto para o Brasil de todos os tempos porque, ao fazer o balanço de 2017, se concluiu que, apesar do trabalho da Lava Jato, ainda enxugamos gelo, pois não instituímos mudanças de rota reestruturantes, de impacto, para refrear a corrupção. Ao contrário, houve uso intenso, despudorado e abusivo do poder para a construção de atalhos, casulos e blindagens para livrar a cara de corruptos.
*Doutor em direito pela USP, promotor de Justiça, é o idealizador e presidente do Instituto Não Aceito Corrupção