Sem reforma, país corre risco de repetir hiperinflação ou calote
RIO - Ao avaliar as consequências de se deixar de aprovar a reforma da Previdência, o economista José Márcio Camargo, da PUC-Rio, recorre a um atlas particular de Estados que viveram apuros fiscais extremos na história recente: Grécia, Portugal, Venezuela e Rio.
— Não precisamos sequer ir à Grécia. É muito mais simples vir ao Rio. O que está ocorrendo aqui é o que vai acontecer, sem dúvida (com o país, sem a reforma) — disse o especialista da PUC-Rio, no evento “E agora, Brasil?”. — No caso de Portugal, as aposentadorias foram cortadas em 30%, porque não fizeram o que tinha que ser feito.
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Segundo o economista, a relação entre a dívida do país e seu PIB é de 74% no Brasil, maior que a de qualquer outro com características semelhantes de desenvolvimento, e não para de crescer. Há alguns meses, o Instituição Fiscal Independente (IFI), um órgão do Senado, calculou que essa relação pode atingir 100% daqui a apenas dois anos. As repercussões desse descontrole seriam ao mesmo tempo familiares e dolorosas.
— Em algum momento, os investidores vão olhar e dizer: “Não dá para financiar este país, porque ele não vai conseguir pagar”. Já vivemos isso antes. Só há duas saídas. Uma é a hiperinflação, que aconteceu na década de 1980 e destrói a renda dos aposentados. A inflação acelera, e os aposentados dançam. Aí refaz-se o sistema lá na frente, em um nível mais baixo — lembrou. — Outra solução nós também tentamos: o calote.
Segundo Camargo, um exemplo concreto desse cenário foi o Plano Collor, que, no início da década de 1990, confiscou a poupança e mergulhou o país em uma hiperinflação de 1.620% ao ano e uma retração de 4,3% do PIB.
— As pessoas dizem “ah, no calote quem vai perder é o rico”. Não é verdade, 90% da dívida brasileira estão em mãos de brasileiros. Qualquer pessoa que tenha uma caderneta de poupança tem dívida pública na mão. Na hora em que você fizer o calote, todo mundo vai sofrer, 80% da população vão sofrer. O calote é mais doloroso.
Na avaliação do ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, o país tem hoje “maturidade para não chegar nesses extremos”. Ele ressaltou que, a despeito da dificuldade fiscal “gravíssima” e dos números “acachapantes”, o Brasil apresenta condições muito mais favoráveis do que as que existiam nos anos 1980: ausência de uma crise de dívida externa e de problemas de saldo da balança comercial e, sobretudo, inflação sob controle. Ele observou, no entanto, que aproveitar agora essas condições mais benignas é essencial para evitar experiências traumáticas no futuro e escapar da armadilha do crescimento lento.
— Não aprovar a reforma este ano torna mais difícil aprová-la no ano que vem, por todas as questões de conjuntura política. E, aí, vamos perdendo a oportunidade de fazer uma reforma gradual e com a qual seria mais fácil conviver. O tempo é crucial para isso, nós precisamos fazer isso rápido. As alternativas são todas muito ruins: taxa de crescimento baixa, juros e inflação mais altos — sublinhou o ministro.
Oliveira afirmou que o que se busca com a reforma é “permitir que o país cumpra seu potencial”, o que significaria crescimento sustentável em torno de 3% ao ano por um período longo. Hoje, o peso da Previdência é tamanho que, mesmo que a reforma seja aprovada este ano, o país já não conseguirá cumprir a chamada “regra de ouro” no ano que vem. Prevista na Constituição, ela determina que o governo não pode se endividar para arcar com despesas correntes, como pessoal. Este ano, a devolução de R$ 130 bilhões pelo BNDES ao Tesouro servirá de tábua de salvação extraordinária para a regra, mas ela não se repetirá em 2019.
TRAJETÓRIA INSUSTENTÁVEL
Apesar do ter relembrado o retrospecto catastrófico de décadas passadas, Camargo se disse otimista com as perspectivas para o Brasil, elencando as reformas que já foram aprovadas — trabalhista, teto de gastos e fim gradual dos juros subsidiados do BNDES. Mesmo assim, o especialista afirmou que o Brasil não tem mais a sua disposição o luxo da espera:
— A economia vai crescer, e a inflação e os juros serão mais baixos, mas desde que se resolva o problema fiscal. A história está aí, e não dá para achar que conseguiremos empurrar esse processo com a barriga por mais dez anos. A trajetória da dívida é insustentável. Se não tivesse havido mudança de governo em 2016, estaríamos passando por processo muito parecido com o da Venezuela.
Carlos Thadeu de Freitas, diretor da área Financeira e Internacional do BNDES, também destacou as boas condições atuais da economia:
— O país voltou a crescer, a taxa de juros caiu, a inflação está baixa. Só falta agora resolver o problema fiscal. Espero que (a reforma da Previdência) saia já. Se for agora, o país vai “bombar”, e muito.