Analistas questionam demanda para crédito anunciado pelo governo
BRASÍLIA e RIO - Num esforço para reanimar a economia, o governo anunciou , durante a primeira reunião do novo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES, o chamado Conselhão), um conjunto de medidas de estímulo que podem expandir a oferta de crédito no país em R$ 83 bilhões. As ações, que foram recebidas pelos quase cem conselheiros com pouca empolgação, incluem reforços em linhas de financiamento do BNDES, Banco do Brasil e Caixa para capital de giro, compra de insumos agrícolas, habitação e comércio exterior. Mas, para analistas, pode não haver demanda por todos esses recursos, devido à forte retração da economia. O principal instrumento do plano, no entanto, será o FGTS. O plano prevê o uso de quase R$ 50 bilhões do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, ou seja, da poupança do trabalhador.
Este poderá ser usado para a compra de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs) num montante de R$ 10 bilhões — o que deve reforçar a oferta de crédito habitacional — e também para garantir empréstimos consignados (com desconto em folha). Neste caso, a ideia é permitir que os trabalhadores usem a multa de 40% paga pelos empregadores em caso de demissão sem justa causa e 10% do próprio Fundo para dar mais segurança ao consignado, aumentando sua oferta e reduzindo as taxas de juros desses empréstimos. Pelas contas do governo, se 10% dos trabalhadores que têm recursos do FGTS usarem esse dinheiro como garantia, o montante de crédito gerado será de R$ 17 bilhões.
GOVERNO NÃO ESPERA SUPERENDIVIDAMENTO
Haverá novas regras para agilizar aplicações no FI-FGTS e simplificar a emissão de debêntures de infraestrutura. Segundo a área econômica, somente isso teria o potencial de expandir o crédito em R$ 22 bilhões. Além disso, será aberta uma linha de R$ 15 bilhões no BNDES para refinanciar prestações de empréstimos concedidos no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI) e do Finame.
O BNDES também vai reabrir uma linha de capital de giro no valor de R$ 5 bilhões, que será assegurada pelo Fundo Garantidor para Investimentos (FGI) e terá juros reduzidos. No campo das exportações, haverá aumento do prazo máximo e redução de juros para a linha de pré-embarque, no montante de R$ 4 bilhões. O Banco do Brasil, por sua vez, vai retomar uma linha de pré-custeio (para a compra de insumo agrícolas), de R$ 10 bilhões.
O ministro da Fazenda, Nelson Barbosa, defendeu as medidas como um primeiro passo para normalizar a economia. Ele negou que as ações prejudiquem o combate à inflação. Segundo o ministro, elas envolvem recursos que já estão disponíveis na economia. O dinheiro que vai reforçar as linhas de financiamento vem principalmente do pagamento das “pedaladas fiscais”, quitadas no fim do ano passado.
— Temos de recuperar a economia rapidamente, e o desafio imediato é normalizar o estoque de crédito no país. Temos de usar melhor os recursos que já estão disponíveis, para aproveitar melhor a liquidez que já existe no sistema bancário — disse Barbosa.
Ele defendeu o uso do FGTS como garantia no consignado. Segundo o ministro, o uso desse dinheiro cabe ao trabalhador. E ressaltou que serão tomadas precauções para não acarretar superendividamento, lembrando que a legislação brasileira tem regras para evitar que um mesmo salário seja dado em garantia de mais de um financiamento. Barbosa destacou que a medida ainda precisa ser aprovada pelo Congresso e regulamentada pelo Conselho Curador do FGTS.
— O caso do crédito consignado, da garantia do FGTS, é na verdade um aperfeiçoamento das regras existentes, para que os trabalhadores do setor privado possam se beneficiar dos direitos que têm junto ao FGTS. Esses direitos podem funcionar como uma garantia e reduzir taxas de juros. Essa é uma medida nova que aumenta a eficiência do sistema financeiro.
ANALISTAS TÊM DÚVIDAS
Alguns economistas, no entanto, ponderam que as medidas são insuficientes para reativar a economia. Para Fabio Silveira, diretor de pesquisas econômicas da GO Associados, o impacto previsto pelo governo, de R$ 83 bilhões, é pouco diante do estoque de crédito no país, que fechou o ano em R$ 3,2 trilhões.
— Só por essa diferença dá para ter uma ideia de que não é algo que vai impulsionar muito. É preciso pensar em reformas mais profundas, como a tributária e a da Previdência — disse Silveira, que discorda do uso do FGTS no consignado. — O consumidor arrisca seu futuro sem a certeza de que haverá redução de juros.
Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, acredita que a crise de confiança ainda passa pela instabilidade política. Para ele, sem mudança de cenário, o clima continuará desfavorável. Já Aloísio Campelo, economista do Ibre/FGV, acredita ser possível haver impacto positivo na confiança, mas só no segundo semestre:
— Qualquer ação do governo que pareça caminhar no sentido de retirar a economia do marasmo pode ter algum impacto potencial. Mas ainda há muita ociosidade na indústria.