Menor inflação em 20 anos estimula a retomada da economia
Rio e Brasília - A menor inflação em duas décadas pode representar a consolidação de uma era de preços mais comportados no Brasil. Essa é a análise de economistas, após o IBGE divulgar nesta quarta-feira que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerrou 2017 em 2,95%, menor patamar desde 1998 (1,65%), graças a uma queda sem precedentes nos preços dos alimentos. O resultado ficou abaixo do piso da meta do governo, fixada em 4,5%, com tolerância entre 3% e 6%. Assim, o Banco Central (BC) precisou emitir um comunicado inédito, explicando por que a taxa ficou tão baixa.
A expectativa do mercado é que os preços subam um pouco mais em 2018, e o índice oficial feche o ano em cerca de 4%. Mesmo assim, com dois anos de inflação baixa, a economia deve colher consequências positivas, como juros menores, estímulo ao consumo e ao crescimento. Mas o desafio na área fiscal preocupa. Caso o governo não consiga aprovar a reforma da Previdência, a reação de investidores preocupados com as contas públicas pode causar desequilíbrios na taxa de câmbio, com impacto sobre os preços.
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Os alimentos, principalmente os consumidos dentro de casa, foram fundamentais para o resultado do ano passado. Esses produtos, que subiram 9,36% em 2016, recuaram 4,85% em 2017 — queda jamais registrada, segundo o IBGE. O recuo foi explicado pela safra recorde — a produção agrícola cresceu cerca de 30%. Com mais produtos no mercado, os preços recuaram. Esse fenômeno, no entanto, não deve se prolongar. Os alimentos já voltaram a subir em dezembro, após sete meses de deflação. Mesmo assim, o IPCA deve se manter próximo da meta.
— O IPCA não deve ficar para sempre nesses 2,95%, mas esperamos que o índice caminhe num patamar bastante próximo às metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Esse comportamento de anos mais recentes, de inflação sempre no teto da meta ou até mesmo acima, não deve ser mais registrado. Podemos concluir que o BC venceu essa batalha de ancorar as expectativas — avalia Márcio Milan, economista da Tendências, que projeta inflação de 4,1% para 2018.
O economista destaca, no entanto, que este cenário inclui a aprovação da reforma da Previdência. Sem a medida, prevê quadro desfavorável:
— A aprovação ou não (da reforma da Previdência) pode ter impacto de curto prazo sobre a inflação. O efeito mais claro seria jogar o câmbio para um patamar pior, o que também teria efeito sobre as expectativas.
Sem reforma, dificuldade com câmbio
Luiz Roberto Cunha, professor de Economia da PUC-Rio, também destaca a importância de melhorar o quadro fiscal. Mas pondera que o BC tem condições de evitar turbulências fortes demais na taxa de câmbio:
— Se não aprovar a reforma da Previdência, veremos dificuldades nas condições da economia, especialmente em relação ao câmbio. Mas há uma diferença de agora para 2003 (quando a turbulência política fez o dólar e a inflação dispararem), que é o volume de reservas internacionais do BC. Ele está com credibilidade, tem recursos para enfrentar um movimento especulativo do câmbio. Já as projeções de cerca de 4% para a inflação, que trabalham com um câmbio de pouco mais de R$ 3, correm risco.
Nas contas da economista Mirella Hirakawa, do Santander, os alimentos devem avançar 5% em 2018, ainda abaixo da média histórica de 7% do grupo. Os chamados preços administrados, no entanto, como gasolina e energia elétrica — que foram as principais pressões de alta e evitaram uma desaceleração ainda maior da inflação no ano passado — devem subir menos. Em um cálculo que exclui a influência dos alimentos e dos administrados, ela estima que a inflação ficará aproximadamente no mesmo patamar que o no ano passado, em cerca de 3%.
— Ainda há uma ociosidade (na economia). Temos uma expectativa de um patamar de inflação mais comportado, pelas expectativas de inflação já ancoradas, com metas de inflação mais baixas — afirma a economista, destacando que as metas para 2019 e 2020 são mais rígidas, de 4,25% e 4%, respectivamente.
Para justificar que a inflação ficou abaixo do piso da meta no ano passado, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, ponderou que a queda do preço dos alimentos foi responsável por 84% do desvio do IPCA. Na carta encaminhada ao ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, Ilan argumentou que a deflação de 4,85% dos preços de alimentação no domicílio contribuiu para uma queda de 2,33 pontos percentuais na inflação.
“O ano de 2017 foi caracterizado por queda forte da inflação, redução consistente e substancial da taxa de juros básica da economia e recuperação da atividade econômica além do esperado no início do ano. A queda da inflação elevou o poder de compra da população e, juntamente com outros fatores, propiciou a retomada do consumo e da atividade econômica de forma geral”, dizia o texto.
O resultado da inflação também mexe com a expectativa para a taxa Selic nos próximos meses. Hoje, os juros básicos da economia estão em 7% ao ano, e o mercado espera que o Comitê de Política Monetária (Copom) anuncie um corte de 0,25 ponto percentual em fevereiro e pare por aí, fazendo a Selic estacionar em 6,75% ao ano. A próxima alta de juros ficaria para 2019.
— O BC acabou jogando a Selic um pouco abaixo do seu nível natural para reestruturar a economia. A partir de 2019, com a economia estabilizada e o IPCA de volta ao patamar próximo do centro da meta, o BC pode ter margem para subir — explica Milan, da Tendências.
Sobre o argumento de que o BC deveria ter cortado ainda mais os juros, Ilan justificou que não poderia inflacionar os outros preços da economia para compensar a forte queda de itens em que a Taxa Selic não tem efeito direto. Argumentou que a maior parte deles está fora do controle do Banco Central.
“Não cabe inflacionar os preços da economia sobre os quais a política monetária tem mais controle para compensar choques nos preços de alimentos. A política monetária deve combater o impacto dos choques nos outros preços da economia (os chamados efeitos secundários) de modo a buscar a convergência da inflação para a meta”, escreveu o presidente do BC na carta.
Incerteza sobre corte de juros
Perguntado se, após a divulgação dos dados pelo IBGE, o BC ainda pretende baixar, em fevereiro, a Taxa Selic para 6,75% ao ano, Ilan preferiu deixar a porta aberta para a manutenção dos juros onde estão.
— Vamos avaliar. Não estou dizendo nem que sim nem que não. Vamos avaliar — afirmou o presidente do BC.
Ilan disse ainda que a queda tem de ser classificada como uma boa notícia para a população:
— Inflação baixa é bom. Não tem nada de errado. Nosso objetivo é manter a inflação baixa neste e nos próximos anos. Inflação cair é como perder peso. É difícil perder peso. Quando perdemos, ficamos felizes. Nosso objetivo qual é? É manter o peso menor agora, que é uma tarefa difícil. Mas vamos comemorar a queda e trabalhar para manter a inflação mais baixa.
O presidente Michel Temer também comemorou a queda da inflação e, em reunião ontem à tarde com ministros da área econômica e o presidente do BC, pediu juros mais baixos. Em discurso, o presidente disse que o IPCA de 2017 “é coisa que há muitíssimos anos não se vê”:
— Ancorados naquilo que já fizemos no passado, temos que continuar a fazer para manter a inflação baixa, para reduzir juros tal como vêm sendo reduzidos, em consequência para gerar empregos e para fazer com que o brasileiro possa comer melhor, possa viver melhor, possa morar melhor. o globo