As fraudes no auxílio-doença
O Estado de S.Paulo
24 Setembro 2017 | 03h00
A justa proteção que é dada pelo Estado aos trabalhadores temporariamente incapacitados para exercer seus ofícios por mais de 15 dias, seja por doença ou por acidente de trabalho, converteu-se em mais um meio de desvio de recursos públicos. E um dos mais deletérios, se é possível estabelecer uma gradação da desonestidade com que alguns parecem olhar o erário, tomando-o como mera fonte de obtenção de benefícios privados, por vitimar não apenas o conjunto de contribuintes, mas uma parcela significativa de cidadãos que, verdadeiramente, estão mais vulneráveis.
Um balanço parcial do pente-fino iniciado em agosto do ano passado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) na concessão do benefício de auxílio-doença registrou uma economia de cerca de R$ 3 bilhões para os cofres públicos no período de um ano, conforme apurou o Broadcast, serviço de notícias em tempo real da Agência Estado. A economia se deu por meio do cancelamento de 400 mil benefícios irregulares ou fraudulentos. Até o final de 2018, o governo federal espera economizar R$ 17 bilhões.
A concessão do auxílio-doença como meio de subsistência dos trabalhadores temporariamente impossibilitados de manter suas rendas foi consagrada pela Constituição de 1988 e está normatizada pela Lei n.º 8.213/1991, que dispõe sobre os planos de benefícios concedidos pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
De acordo com o artigo 61 da lei, o auxílio-doença, inclusive o decorrente de acidente de trabalho, consiste em uma renda mensal “correspondente a 91% do salário-de-benefício” do trabalhador que tenha cumprido uma carência de, no mínimo, 12 contribuições para o INSS, exceto no caso de ocorrência de algumas doenças discriminadas na lei, como cardiopatia grave ou neoplasia maligna (câncer).
O rol de absurdos apurados pelos peritos do INSS revela, por um lado, a mais despudorada má-fé de centenas de milhares de brasileiros, que usaram o legítimo benefício do auxílio-doença como subterfúgio para escapar do trabalho para o qual já estavam aptos – e, assim, continuar recebendo uma renda fácil à custa dos demais contribuintes – e, por outro, a ineficiência do Estado em fiscalizar não apenas a concessão do benefício, mas também a sua manutenção.
Beneficiada pela concessão do auxílio-doença por conta de uma gravidez de risco, uma mulher recebia o benefício cinco anos após o parto. Em outro caso estarrecedor, uma pessoa afastada do trabalho por uma fratura na perna ainda recebia o auxílio-doença mesmo 12 anos depois do acidente que a afastara do trabalho, contrariando todos os conhecimentos que se têm hoje sobre a fisiologia humana e as modernas práticas da ortopedia.
Do que já foi apurado, cinco doenças aparecem como as mais recorrentes nos requerimentos irregulares de benefícios ao INSS: transtorno de disco da coluna, dor lombar, depressão leve, alterações do nervo ciático e paniculite (inflamação na pele). A ação da perícia no chamado pente-fino já reduziu para 1,4 milhão o número de benefícios concedidos como auxílio-doença. O MDS estima em 1 milhão de benefícios o “ponto de equilíbrio” a ser atingido até o final de 2018.
No momento em que o País passa por uma séria crise econômica, os esforços para tapar os buracos institucionais por onde se esvaem os recursos públicos devem ser multidisciplinares, razão pela qual há o importante envolvimento da equipe econômica do governo na força-tarefa para contenção das fraudes, além dos técnicos do MDS.
Não se pode esperar que a má-fé e a desídia daqueles que procuram fraudar a sociedade para obter uma remuneração do Estado sem apresentar uma causa que a legitime vão simplesmente desaparecer. Cabe ao poder público, cada vez mais, criar os mecanismos de controle e fiscalização, seja para conceder o benefício, seja para aferir a necessidade de sua manutenção. Sem esquecer, é claro, da punição aos funcionários públicos que também se locupletam com as fraudes.