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Revisão do déficit, “O Príncipe”, “O Pequeno Príncipe”, frescura, abstração e matemática

Muita gente me pergunta por que não me candidato a um cargo público. Ofertas a sério já me foram feitas por grandes partidos. Se um dia mudar de ideia, aviso. Mas advirto: não há a menor chance de isso acontecer. Políticos têm de engolir sapos. Não os engulo. Políticos têm de ser flexíveis com a palavra empenhada, a sua e a dos outros — eu nunca sou. Políticos, em nome do pragmatismo, não podem guardar mágoas. Posso não ser um exímio colecionador das ditas-cujas, e não sou mesmo!, mas não condescendo com certos traços de caráter, já disse: em especial, deslealdade e covardia, matérias fartas nesse meio, inclusive e muito especialmente de alguns que se dizem partidários da “nova política”.

E tenho tolerância zero com demagogia, com a crítica barata, com as saídas simples e impossíveis defendidas por algumas reputações superfaturadas. Então, meus caros!, creio que não vá acontecer. “Nem quando chegar a velhice, Reinaldo, quando as pessoas podem se tornar mais tolerantes porque mais informadas?” Pois é. O tempo passa, e minha impaciência com certas vigarices aumenta.

Por que isso tudo?

O governo vai ter de rever a meta fiscal. O déficit não será de R$ 139 bilhões. Hoje, há uma espécie de confronto entre as áreas política e técnica do governo. A primeira quer que se anuncie, de cara, um rombo de R$ 170 bilhões, que é o mesmo número que estava previsto para o ano passado (R$ 170,5 bilhões). A equipe econômica, liderada por Henrique Meirelles, ministro da Fazenda, fala em R$ 159 bilhões. Uma coisa ou outra? Preciso agora recorrer à matemática e à história recente.

O teto do déficit do ano passado foi estabelecido em R$ 170,5 bilhões, sim, mas ficou abaixo desse limite, ainda que tenha sido estratosférico: R$ 154,255 bilhões. Muito bem! Notem: se a gente aplicasse o mecanismo da lei do teto ao rombo, seria preciso corrigir o buraco real em 6,29%, que é o IPCA do ano passado (ou R$ 9,702 bilhões a mais de rombo), o que perfaria R$ 163,957 bilhões. Calma, senhores economistas!  Eu sei que a lei do teto diz respeito a gastos, não ao tamanho do déficit. Mas o raciocínio é importante para que se entenda o tamanho do sacrifício pretendido — ou o tamanho do otimismo — numa economia que mal saiu da recessão.

Em relação àquilo que foi praticado, pretendeu-se uma queda nominal do déficit de R$ 15,255 bilhões — ou 9,89% do que foi efetivamente praticado (154,255 bilhões). Caso se acrescente a inflação à conta, a ambição da redução chega R$ 24,957 bilhões: 16,17%. Com a devida vênia, trata-se um número bem além do razoável, especialmente quando se sabe que há as despesas de custeio e salários que não obedecem às leis do teto. Assim, pôs-se uma expectativa no aumento de receita que não tinha como ser cumprida.

Volto ao começo
Por que afirmei aqui que não serviria para ser político? Porque leio que o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), recorreu mais uma vez às redes sociais para dizer que não concorda com a revisão da meta etc. e tal. É mesmo? Há áreas da gestão que já enfrentam dificuldades efetivas. O governo fez um contingenciamento de R$ 44,9 bilhões. Vai ter de recorrer a esse naco para diminuir as expectativas sobre receitas extraordinárias, que viriam de privatizações. Bem, se vierem, tanto melhor. Ruim é o déficit, mas é preferível ao que viu no ano passado ao contrário: esperava-se um  rombo de R$ 170,5 bilhões, e ele ficou em R$ 154,255 bilhões. O que não dá é para sustentar uma meta irrealista e ver os fatos superá-la com folga.

Maia, sabemos, é contra aumento de impostos. Eu também sou. O governo não fabrica receita como ato de vontade. Então um ajuste de proporções apocalípticas teria de ser feito nas despesas. Essa é hora em que, se sou o presidente, convido o deputado a fazer uma sugestão: “Quer cortar onde?” Ou estaremos apenas diante de uma embaixadinha para a galera.

“Mas e essa história de que é só o mercado que segura Temer? E esse conversa de que, sem cumprir as metas, o governo pode cair?” Pode? Quem mesmo assumiria no lugar? Com que propósito? E com quais instrumentos? Esse governo tem uma tarefa delicada: fazer a reforma da Previdência para tentar nos dar algum futuro. O presente, meus queridos, é assim mesmo: cheio de dificuldades.

Tenho a certeza de que Temer está disposto a avaliar as restrições técnicas de palpiteiros que dão pitacos em todo canto, incluindo a imprensa.  Quem sabe apareça uma boa ideia para fechar de vez os cofres sem que a gestão entre em colapso… A propósito: em casos assim, os ditos “mercados” reagiriam com otimismo ou com pessimismo? Eu não sei se consigo imaginar a personagem de uma certa narrativa a comentar com seu amigo, também um operador: “As pessoas estão se matando nas ruas, mas fique tranquilo. Foi o preço a pagar pela estabilidade. O importante é a meta. Hora de investir no país…”

Como brinco às vezes: já que são reduzidas as chances de a imprensa, em massa, ler “O Príncipe”, de Maquiavel, que se tente ao menos “O Pequeno Príncipe”: um rei não pede aos súditos que se lancem ao mar — ou eles farão revolução.

Vamos botar a bola no chão e parar com frescuras e abstrações. Chegou a hora de botar matemática nessa história. REINALDO AZEVEDO

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