Governador fora dos trilhos
Cuiabá vem se transformando em capital da corrupção e do desperdício do dinheiro público. O Estado gastou R$ 1,090 bilhão na construção de uma linha de VLT (Veículo Leve sobre Trilhos), para ligar o Aeroporto de Várzea Grande ao centro político da cidade, onde fica o Palácio do governo, mas nunca transportou uma única pessoa. As obras, orçadas em R$ 1,4 bilhão, estão paradas desde o final de 2014, em meio a denúncias de superfaturamento e pagamento de propinas na compra dos trens na época do governador Silval Barbosa (PMDB).
Estruturas de aço estão enferrujando e 40 vagões, adquiridos mesmo antes do assentamento dos trilhos, estão se deteriorando ao relento. Os trens deveriam ter sido utilizados durante a Copa do Mundo de 2014, na qual Cuiabá foi uma das sedes, frustrando as 300 mil pessoas que usam diariamente o transporte público.
Depois de três anos no cargo, o governador Pedro Taques (PSDB) resolveu retomar a construção, que vai demandar mais R$ 922 milhões, elevando o custo da bandalheira para R$ 2 bilhões. O R$ 1 bilhão inicial foi financiado pelo BNDES, ao qual o governo paga R$ 168 milhões anuais em juros. Sem dinheiro, Taques quer que o governo federal despeje outros R$ 800 milhões no VLT, por meio de empréstimos da CEF.
O governador já disse que se não conseguir retomar o projeto fraudulento, vai vender os trens mesmo com prejuízo e, ao invés de trilhos, vai implantar no local uma linha de BRT (transporte rápido por ônibus). Taques está saindo dos trilhos, literalmente.
Nos trilhos da corrupção
O mais paradoxal é que quando o governo decidiu implantar o VLT em 2012, Taques era senador e foi contra o projeto que agora quer retomar. “É muito estranho que Pedro Taques esteja tão empenhado em resgatar o VLT, do qual era ferrenho adversário”, diz a deputada estadual Janaína Riva (PMDB), líder da oposição a Taques na Assembléia.
“O secretário de Cidades do governo, Wilson Santos, chegou a dizer que o VLT de Cuiabá era a obra mais superfaturada do Brasil e agora a defende com unhas e dentes”, acrescentou a deputada. Falando em nome do governo do Mato Grosso, o procurador-geral do Estado, Rogério Gallo, diz que Taques deseja concluir o VLT porque a “obra mais cara é a que não é concluída”. Só 30% das obras físicas foram terminadas.
O Consórcio VLT Cuiabá, formado por quatro empreiteiras, entre elas a CR Almeida, investigada na Lava Jato, foi contratado pelo então governador Sinval Barbosa em junho de 2012 para entrega para março de 2014, a tempo de atender os torcedores da Copa.
Não tardaram a surgir denúncias de corrupção. O então assessor especial do governo do Mato Grosso, Rowles Magalhães Pereira da Silva disse que as empreiteiras deram R$ 80 milhões a Sinval para vencerem a licitação. O ex-secretário da Secretaria Extraordinária para a Copa em Mato Grosso, Eder Moraes, disse ao Ministério Público que a CAF, empresa espanhola que fabricou os trens do VLT, pagou 15 milhões de euros a políticos do Mato Grosso.
Foram adquiridos 40 trens, oito a mais do que os 32 necessários. Mas quinze dias antes de deixar o governo, em dezembro de 2014, Sinval parou as obras. O ex-governador, que estava preso até a semana passada, deixou a prisão por conta de uma delação premiada. Deve falar sobre as propinas que recebeu do Consórcio VLT Cuiabá.
Quando Taques assumiu, em janeiro de 2015, os trabalhos já estavam paralisados. O consórcio alegava ter ainda R$ 315 milhões a receber. No entanto, a CPI das Obras da Copa concluiu que as empreiteiras deveriam devolver R$ 115 milhões aos cofres do Estado em função de serviços superfaturados.
O governo e o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPE) ingressaram na Justiça com quatro ações contra o consórcio, denunciando a utilização de materiais de baixa qualidade e medições de obras não realizadas. Agora, segundo o procurador Rogério Gallo, Taques sinalizou que retira as ações da Justiça para permitir que o consórcio, que o próprio governo denunciou por irregularidades, volte ao trabalho. O passado de improbidades seria esquecido.
De 2015 para cá, foram realizadas dezenas de reuniões entre o governador e o consórcio. O MPF e o MPE, co-autores das ações judiciais, não querem que Taques reative o contrato. Querem uma nova licitação ou, de preferência, que os trilhos sejam privatizados. Há uma empresa chinesa interessada em explorar o VLT. Mas o governador insiste que o negócio seja fechado com o Consórcio VLT Cuiabá.
Os dois lados chegaram a um acordo prévio: o governo pagaria R$ 922 milhões ao consórcio, dos quais R$ 327 milhões de restos a pagar e outros R$ 600 milhões para a conclusão dos trabalhos. E, para isso, Taques está passando o chapéu em Brasília, tentando arrancar o dinheiro de Temer.
A tendência é que o MPF e o MPE não permitam que o contrato com o consórcio, cheio de irregularidades, seja reativado. Se não conseguir reabilitar o consórcio fraudulento, Taques deve trocar os trilhos por corredores de ônibus. Nesse caso, se não conseguir vender os trens, eles virarão sucata, com novo prejuízo bilionário aos cofres públicos.
O governador quer repassar dinheiro para empresas investigadas pela Lava Jato, em projeto que ele condenava no passado / ISTOÉ