Dois anos após lei, Fortaleza tem mais de mil pontos de lixo espalhados pela cidade
"A gente nunca vê (quem joga esse lixo), quando passa já está aqui. No outro dia após a coleta, está cheio de novo", diz a doméstica Marina Araújo, 39. Todo dia, ela passa pela calçada de resíduos, entulhos e alimentos estragados na rua Cuiabá, esquina com a avenida Augusto dos Anjos, na Parangaba. O trajeto para levar o filho de quatro anos à escola é um dos cerca de 1.300 pontos de lixo na Capital.
Marina denuncia, além da falta de cuidado dos moradores da região, a tentativa das empresas de burlarem a lei. "É melhor começarem a pegar pesado e mostrar que não pode fazer isso. Você vê que aqui tem coisa grande, coisas velhas de casa e muita coisa estragada de comércio", relata.
Dois anos após sanção da lei sobre manejo de resíduos sólidos - fiscalização iniciada em 18 de maio de 2015 - as empresas localizadas na Capital recolheram por contrato privado 157.170,86 toneladas (até março) do lixo que geraram. Para garantir o cumprimento da lei, por meio da Agência de
Fiscalização de Fortaleza (Agefis), a Prefeitura já realizou 26.892 atividades de fiscalização dos grandes geradores de resíduos sólidos** desde que a lei entrou em vigor, em 18 de maio de 2015. Foram inaugurados 25 ecopontos para coletiva seletiva de materiais que geram crédito. A sensação de sujeira, no entanto, persiste entre os moradores. E caçambeiros denunciam redução de funcionários para a coleta.
Presidente da Associação de Caçambeiros de Fortaleza, José Augusto Eloi estima redução de 250 para 120 veículos do tipo caçamba para a coleta especial urbana. "Temos uma situação de precarização e isso tem prejudicado diretamente a população. A população continua pegando o lixo e levando para esses pontos, essas rampas. Tem quarteirão todinho fechado com lixo no Quintino Cunha", exemplifica o representante dos caçambeiros.
Para o professor do departamento de Química e Meio Ambiente do Instituto Federal do Ceará (IFCE), Gemmelle Santos, há relação entre a redução do serviço complementar prestado por caçambeiros e o aumento de doenças, como a chikungunya. "Visivelmente a gente vê que a cidade está em colapso. Esse lixo exposto é abrigo de vetores. Mosquitos, baratas e ratos que transmitem doenças, como leptospirose", diz.
A Prefeitura não informa a quantidade atual de caçambeiros, mas confirma a substituição gradativa dos serviços da Coleta Especial Urbana pelo atendimento ponto à ponto dos Ecopontos. "Claro que o caçambeiro reclama, mas é um emprego que nem deveria existir mais. Nós terceirizamos o serviço para diminuir mesmo. Até 2012 incentivaram o crescimento da coleta especial, que deveria ser corretiva", diz o coordenador especial de Limpeza Urbana Albert Gradvohl.
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A estratégia é mudar o hábito da população com modelo de gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Além do programa Recicla Fortaleza, que dá descontos na conta de energia e crédito no Bilhete Único pela troca de resíduos recicláveis, Gradvohl cita o sistema Fortaleza coletas “on-line”, que vem monitorando os entulhos de grandes geradores do segmento da construção civil.
Segundo ele, a instalação de Ecopontos tem diminuído a necessidade de caçambas. "Certamente a coleta corretiva estaria duas vezes mais cara do que a regular se a gente tivesse o mesmo pensamento de antes, contrário à regularidade. Na vertente internacional, as cidades que chegaram a uma eficiência passaram dez anos mudando o modelo, e as pessoas se ajustando", estima o coordenador.
O POVO Online procurou a Ecofor, após o coordenador de limpeza urbana explicar que a empresa responsável pela coleta especial poderia indicar a quantidade atual de caçambeiros. A assessoria de imprensa da concessionária respondeu apenas que cumpre o plano de trabalho determinado pela Prefeitura de Fortaleza.
Nenhum alvará cancelado
Apesar de prever até suspensão de atividades e embargo de obras, de maio de 2015 até fevereiro de 2017, as 4.923 autuações não geraram cancelamento de alvará. A Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) não compila a quantidade de empresas fiscalizadas, mas um mesmo gerador de lixo pode ter mais de uma autuação e ser reincidente.
O diretor de operações da Agefis, Júlio Santos, explica que a aplicação de multas segue a lei para que as empresas tenham possibilidade de defesa. O prazo para recurso é de dez dias e, enquanto o processo está em andamento, os geradores de lixo podem buscar regularizar a situação da empresa. "Para acontecer uma medida extrema como essa é preciso que não se tenha nenhum tipo de (sinalização para) regularização. As multas variam de R$ 811 até R$ 20.277, 50 mil, já é uma punição bem grave", afirma.
Do total das multas aplicadas no período descrito, 69% são consideradas graves, por desvios tais como a não apresentação de plano de gerenciamento. O número total de agentes para fiscalizar os grandes geradores de lixo, ainda de acordo com a Agefis, passou de 30 para 60, ao longo do primeiro trimestre de 2016.
"É um número pequeno, mas pretendemos aumentar. Diariamente eles estão nas ruas aferindo denúncias. Temos uma diretoria de planejamento que faz roteiros e verifica. Por mais que haja flagrante, podemos verificar o DNA do lixo e fazer a correspondência com a empresa", explica.
Em fiscalização na Praia do Futuro, por exemplo, Júlio cita que barracas de praia foram identificadas pelo lixo. "Fomos, em três turnos, verificar o lixo deixado em sacos pretos e vistoriamos a partir daí (os infratores). Os fiscais verificam o lixo quando há denúncia, mas a grande maioria (dos resíduos) em rampas é de poda e pequenas reformas, o que deixa a identificação mais difícil", aponta.
Rampas de lixo
Em média, o investimento mensal da Prefeitura na limpeza pública é de R$ 12.368.397,31 - R$ 7.593.397,31 destinados à coleta domiciliar e R$ 4.775.000,00 à coleta especial. Os valores podem mudar de acordo com as demandas de cada mês, conforme a Secretaria de Conservação e Serviços Públicos.
A coleta domiciliar é realizada, no mínimo, três vezes por semana em todos os bairros, ainda de acordo a SCSP. O que parece não ser suficiente para diminuir a quantidade de lixo espalhado nas calçadas, como na rua Padre Miguelino, onde mora Sirlene Ribeiro, 36. Ela diz que já foram colocadas placas e lixeiras plásticas, mas o amontoado não diminui. "A maioria das pessoas aqui está com dengue ou chikungunya. E sempre colocam (lixo) tarde da noite. Meu esposo está doente. Eu já fiz dedetização em casa, mas não adianta. Fico em desespero”, desabafa.
A dona de casa Dulce Pontes, 55, conta que carroceiros trazem entulhos para a calçada da rua Conselheiro Tristão, todos os dias. “Os moradores reclamam, mas continuam fazendo. Eu acho ridículo, mas não tem como vigiar”, lamenta.
O cenário é parecido em ‘rampa de lixo’ na rua Oliveira Filho com Miguel Calmon, no bairro Vicente Pinzón. Werisson Régis, 17, disse que a população reclamou e uma equipe da Prefeitura fez a limpeza do local, retirando de lá um contêiner.
A orientação foi para os moradores deixarem o lixo do lado fora somente nos dias de coleta, o que não surtiu efeito, segundo Werisson. "As pessoas se acostumaram e continuam jogando, hoje tem é pouco (lixo). Ficava aquela catinga, perdi até cliente por isso. Eu estou trabalhando com febre e dor no corpo, com suspeita de zika", falava enquanto lavava uma moto, próximo ao local.
A coleta em dias e horários específicos é uma forma das pessoas diminuírem a geração de lixo e também acondicionarem resíduos de forma adequada. Um problema quando a quantidade de resíduos produzida nos lares permanece crescente. "Mesmo com PIB (produto interno bruto) reduzido, o consumo e a geração de lixo aumenta. Com o tamanho cada vez menor das casas, falta espaço para deixar esse lixo dentro. Essa sistemática agora dá esse sentimento de que tem mais lixo exposto", acredita o professor Gemmelle Santos.
Ecopontos
Serviços que estavam previstos dentro do Plano de Ações para Gestão de Resíduos Sólidos, implantação de ciclo monitoramento e coleta em domicílio de itens como móveis usados serão integrados no projeto-piloto Ecopolo, conforme Gradvohl. . O primeiro Ecopolo será instalado na leste-oeste, e a previsão é 30 de julho de 2017.
Com investimento de R$ 1,2 milhão, os Ecopolos funcionarão ligados aos Ecopontos e devem atingir todo o quadrilátero das áreas em que serão instalados. "Em até 200 metros do entorno dos Ecopontos, os pontos de lixo sumiram. Fortaleza tem 25 zonas geradoras de lixo, e cada microrregião densa vai ter um gerente, um ou três Ecopontos, dependendo da necessidade, programas de conscientização", indica o gestor.
Também no projeto dos Ecopolos deverá ser iniciado trabalho educativo junto aos carroceiros, conforme Gradvohl. “Vamos criar o programa Comportamento Sustentável, em que os carroceiros serão premiados pelo trabalho deles”, completa.
COLETA PRIVADA (contratada por estabelecimentos)
Janeiro a março de 2015: 51692,15ton
Janeiro a março de 2016: 51583,66ton
Janeiro a março de 2017: 53895,05ton
COLETA PÚBLICA EM RAMPAS DE LIXO* (não inclui coleta domiciliar)
Janeiro a março de 2015: 222557ton
Janeiro a março de 2016: 117186,71ton
Janeiro a março de 2017: 96985,01ton
* Dados de abril ainda não foram consolidados
**São considerados grandes geradores aqueles que diariamente produzem mais de 100 litros de lixo comum, 50 litros de entulho de construção civil ou qualquer quantidade de lixo com risco de contaminação ambiental ou biológica
***Os dados das 'rampas de lixo' dizem respeito apenas aos pontos de lixo orgânico e não incluem entulho.
AUTUAÇÕES DE GRANDES GERADORES DE LIXO (até fevereiro de 2017)
Gravíssimas - 14%
Graves - 69%
Médias - 5%
Leves - 12%
ECOPONTOS
11.283 é o número de pessoas atendidas em Ecopontos (média de 470 por unidades);
2.700 é o número mensal de usuários frequentes;
76% das pessoas cadastradas por Ecoponto são consideradas usuários espontâneos;
24% são usuários induzidos pelo bônus.
Fonte: SCSP / OPOVO