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Obras de R$ 120 bilhões foram feitas para manter esquema de propina

RIO - Aos olhos de Emílio e Marcelo Odebrecht, a empreiteira da família se envolveu em quatro empreendimentos que não teriam ido adiante se não houvesse tráfico de influência ou se o objetivo não fosse o de alimentar o esquema de corrupção no governo petista, revelam as delações. Juntos, esses investimentos — Sete Brasil, Belo Monte, Arena Itaquera e Porto de Mariel, em Cuba — somam quase R$ 120 bilhões.

Os dois últimos já estão de pé e em funcionamento. Belo Monte deve ser inaugurada em 2019, com quatro anos de atraso. Já o futuro da Sete Brasil é incerto. Criada em 2010 para gerenciar a construção de 28 sondas para o pré-sal e entregá-las à Petrobras, a empresa enfrenta graves dificuldades financeiras. Das 28 sondas, estimadas em US$ 27 bilhões ou R$ 85,6 bilhões, apenas cinco estão em construção. A conclusão depende do plano de recuperação judicial, que será votado em assembleia de credores nesta semana.

Fontes do setor avaliam que, no caso da Sete Brasil, são fortes os indícios de que a criação da companhia visava a irrigar o sistema de propina da Petrobras. Em outubro de 2009, a Petrobras chegou a enviar cartas-convite a estaleiros para que participassem da licitação das duas primeiras sondas, segundo documento ao qual o GLOBO teve acesso. Pouco tempo depois, o leilão foi cancelado, e a Sete foi criada para intermediar as encomendas.

 

A Enseada Paraguaçu (BA), que pertence à Enseada Indústria Naval, empresa da qual a Odebrecht é sócia, foi erguida para atender a Sete. Hoje em recuperação extrajudicial, a Enseada também tem como sócios a OAS e a UTC, ambas investigadas pela Lava-Jato, e a japonesa Kawasaki. De acordo com fontes, a Odebrecht não tinha interesse na construção das sondas, tamanha sua complexidade, mas queria operá-las. Por isso, acabou aderindo à sociedade da Enseada.

— Era um jogo de cartas marcadas, para favorecer aqueles que aceitavam entrar no esquema de corrupção — diz um ex-executivo de um estaleiro que foi barrado na licitação.

O núcleo duro da Sete era comandado por João Carlos Ferraz e Pedro Barusco, ex-executivos da Petrobras que estão entre os primeiros delatores da Lava-Jato. Barusco já devolveu mais de R$ 180 milhões aos cofres da estatal. Ele é apontado como uma pessoa-chave no petrolão, com tentáculos que se estendiam à Sete. De acordo com delatores, enquanto as diretorias e a propina da Petrobras eram divididas com PMDB e PP, na Sete os recursos iam direto para o PT, num esquema sob coordenação de João Vaccari, ex-tesoureiro do partido.

O modelo de negócios da empresa, que pretendia encomendar sondas com 55% a 65% de conteúdo nacional, foi questionado por Marcelo Odebrecht em sua delação. A política de conteúdo local havia sido uma promessa de campanha do ex-presidente Lula para reativar a indústria naval. Executivos e especialistas do setor dizem que a política em si não era um problema. Mas questionam o fato de o Brasil não ter experiência na construção de sondas, usadas na fase exploratória, quando é preciso perfurar poços e dimensionar reservas.

 

— A Coreia do Sul, país que lidera a construção desses equipamentos, trabalha com índices de conteúdo local de 35% a 40%. Faria sentido termos um índice de conteúdo local de 20% talvez, jamais de 60% ou 65% — disse Maurício Almeida, presidente da Associação Brasileira de Engenharia de Construção Onshore, Offshore e Naval (Abecoon) e sócio da Sigma Consultoria.

Segundo a Sete Brasil, sua atual direção, que assumiu em maio de 2014, “tem todo o interesse que os fatos em apuração pela Lava-Jato sejam esclarecidos”. A empresa informou que as cinco sondas em construção têm conteúdo local médio de 58%. A Petrobras não comentou.

Com dívida superior a R$ 19 bilhões, a Sete Brasil pediu recuperação judicial há um ano. Seus sócios, que incluem grandes bancos como Santander, BTG e Bradesco, além de fundos de pensão de funcionários da Caixa Econômica Federal (Funcef) e Petrobras (Petros), acumulam perdas bilionárias. Em depoimento, Marcelo estimou prejuízo de até R$ 2 bilhões com o projeto. A Enseada Indústria Naval ressaltou, no entanto, que a unidade de Paraguaçu continua operando.

Marcelo Odebrecht também cita a Arena Itaquera e o Porto de Mariel, em Cuba, como projetos nos quais a empresa não tinha interesse e em que teria se envolvido após conversas entre Lula e seu pai. As obras no porto foram feitas pelo grupo Odebrecht para ampliar e modernizar o terminal. O investimento teve financiamento do BNDES de US$ 682 milhões (R$ 2,1 bilhões), com juros entre 4,44% e 6,91% ao ano e 25 anos de prazo de amortização, o mais longo já concedido na linha que financia projetos de engenharia no exterior, segundo dados do site do banco que remontam a 1998. O crédito foi concedido em cinco parcelas, contratadas entre fevereiro de 2009 e maio de 2013.

Em depoimento na Lava-Jato, Emílio Odebrecht conta que teve uma primeira conversa sobre o projeto com o então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, que tinha interesse no porto pelo fato de Cuba ser um governo aliado. Ao responder se Lula teve ingerência sobre o BNDES para liberar o financiamento, Emílio disse que “não tem dúvida” de que isso ocorreu. A suspeita de tráfico de influência de Lula em favor da Odebrecht é alvo de inquérito do Ministério Público Federal em Brasília.

Segundo o BNDES, o prazo de 25 anos para o crédito do porto foi aprovado no âmbito da Câmara de Comércio Exterior (Camex). O banco diz ainda que “a operação contou com cobertura de Seguro de Crédito à Exportação (SCE) para 100% dos riscos políticos e extraordinários” e que a concessão do SCE teve lastro no Fundo de Garantia às Exportações (FGE), tendo sido aprovada pelo Comitê de Financiamento e Garantia das Exportações (Cofig) e pela Camex. O Cofig é o órgão interministerial que avalia financiamento a exportações brasileiras. Recentemente o BNDES criou uma comissão interna para apurar denúncias feitas no âmbito da Lava-Jato e que constam em duas petições do Supremo Tribunal Federal (STF), mas nenhuma delas está relacionada ao Porto de Mariel.

O investimento na Arena Itaquera, do Corinthias, seria inicialmente de R$ 400 milhões, segundo depoimento de Marcelo Odebrecht. Mas as obras acabaram tomando proporções maiores quando o estádio entrou na lista da Copa de 2014 e teve orçamento mais que triplicado. Na versão do executivo, o envolvimento da empreiteira no empreendimento teria sido um pedido pessoal de Lula a seu pai:

— Basicamente um pedido de Lula para meu pai: ‘Ó, ajude o Corinthians a construir, que é o time do meu coração’ — relatou Marcelo.

Presidente do Corinthians entre 2007 e 2011, Andres Sanchez, hoje deputado federal (PT-SP), e o ex-diretor de marketing do clube Luís Paulo Rosenberg rejeitam a declaração do executivo. Segundo eles, a empreiteira sempre teve interesse em construir ou se associar ao clube por um estádio próprio. Os dois argumentam que construir uma arena para a Copa, porém, não era interesse do clube e que o fracasso das negociações com o São Paulo, dono do estádio do Morumbi, primeira opção analisada pela Fifa, elevou a pressão dos políticos pela construção de um novo estádio.

 

— Aí, quando descartaram o Morumbi, veio todo mundo para cima. A Fifa, o governo do estado, o governo municipal e, indiretamente, o governo federal. Eu disse que aceitava, desde que não pagasse mais de R$ 400 milhões — disse Sanchez ao GLOBO, recordando conversas de 2011.

ARENA CORINTHIANS: DÍVIDA DE R$ 985 MILHÕES

O casamento entre empreiteira e clube foi consumado numa reunião no apartamento de Marcelo Odebrecht, em São Paulo, quando ficou definido que o Corinthians assumiria o financiamento de R$ 400 milhões junto ao BNDES. A Odebrecht daria as garantias bancárias. E a prefeitura viabilizaria a isenção tributária de R$ 450 milhões e pagaria o overlay, infraestrutura necessária para a abertura da Copa.

Um atraso na apresentação das garantias bancárias para a liberação do empréstimo do BNDES (via Caixa Econômica Federal) obrigou o clube a buscar recursos no sistema bancário privado, o que elevou em R$ 110 milhões o custo da nova arena. O Corinthians ainda arcou com mais R$ 90 milhões com infraestrutura necessária para abrigar o jogo de abertura do Mundial. O resultado é que o estádio idealizado pelos corintianos, com custo máximo de R$ 400 milhões, gerou uma dívida de cerca de R$ 985 milhões. Porém, ao final do financiamento, a conta será bem mais salgada. O Corinthians paga cerca de R$ 5,2 milhões por mês à Caixa. O custo total da arena deve ser de R$ 1,7 bilhão, na estimativa de Sanchez.




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