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Novo currículo escolar tem problemas em Português, Matemática e História

CURRICULUM ESCOLAR

BRASÍLIA — As críticas ao conteúdo dos novos currículos para escolas brasileiras, a chamada Base Nacional Comum Curricular, vão muito além da parte dedicada ao ensino de História. Em Português, o Ministério da Educação já decidiu que o texto final do currículo deverá ter mais conteúdos de gramática. Isso porque, no documento atual, que foi submetido à consulta pública e já recebeu mais de 9,8 milhões de sugestões, as regras gramaticais só são ensinadas de forma clara até o 3º ano do ensino fundamental. Também no currículo de Matemática problemas têm sido apontados por especialistas. O conceito de fração, por exemplo, é ensinado só no 4º ano no texto em debate, mas estudos mostram que o tema deve ser abordado ainda na pré-escola.

— Já se sabe que, no ensino da Matemática, o estudo da ideia da parte pelo todo (fração) é fundamental e deve ser introduzido cedo. Entrar neste conteúdo tardiamente cria uma dificuldade imensa para o aluno — explicou Paula Louzano, pós-doutoranda da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), que estuda currículos nacionais do mundo.

No campo da linguagem, segundo a especialista, os problemas são ainda maiores. Além de preterir as habilidades ligadas à gramática a partir do 3º ano, falta especificar no currículo a complexidade de texto a ser trabalhada com os alunos de cada etapa. Nos Estados Unidos, que têm um currículo nacional, há uma classificação do nível de dificuldade que os alunos devem superar, levando em consideração variáveis como número de páginas do livro, tipo de construção das frases e temáticas. Em outros países, como Portugal, há lista de obras obrigatórias. No documento brasileiro, assinala Paula Louzano, não há orientações tão claras.

O baixo nível de proficiência a ser cobrado dos alunos é outro tema que preocupa a especialista. Segundo ela, o que se espera do texto narrativo do aluno brasileiro do 9º ano, segundo o documento atual da Base Curricular, é muito parecido ao que o currículo dos Estados Unidos exige de estudantes do 5º ano.

Para Ilona Becskeházy, mestre em Educação pela Universidade de São Paulo, o Brasil deveria ter seguido o exemplo de outros países, que implementaram currículos nacionais por disciplina partindo do que era considerado mais essencial, geralmente o ensino de língua e Matemática. Portugal e Austrália, países que têm bases curriculares consideradas exemplares pelo Brasil, fizeram as mudanças aos poucos, disciplina por disciplina.

— Quando você quer mostrar que está agindo, faz tudo de uma vez, o que se mostra difícil e problemático. Porque a implementação por partes, começando pelo que é essencial, ajuda, inclusive, na formulação do currículo das demais disciplinas — defendeu Ilona.

Outra questão verificada pela acadêmica, em Português e Matemática, é a falta do conceito de progressão de conteúdos, de agregar conhecimento a cada série. O que se vê, para Ilona, são aprendizados desconectados. Faltam também definições claras das habilidades.

— Aqui, por uma cortina de fumaça também ideológica, não há conceitos objetivos, tais como o do currículo francês, que determina o modelo de parágrafo que o aluno deve ler em um minuto para verificar a fluência dele. Falar nisso aqui é pedir para ser chamado de fascista — afirma Ilona.

Apesar das críticas, os especialistas reconhecem a importância de um currículo nacional, com o conteúdo básico a ser ensinado nas escolas, independentemente da região geográfica ou do nível de renda dos alunos. Priscila Cruz, presidente do movimento Todos pela Educação, defende a Base Curricular como instrumento para melhorar a qualidade do ensino, mas ressalta problemas no documento preliminar que precisam ser superados na versão final do texto.

— A Base cristaliza um modelo antigo de escola, quando não propõe nenhum diálogo entre as disciplinas, não trabalha verdadeiramente a autonomia do aluno em aprender — afirma Priscila.

Em História, além da ausência de temas ligados à Europa, há uma falta de consenso sobre a temporalidade descrita no documento, que foge ao modelo cronológico do ensino. Pesquisadores têm apontado que o método pode causar dificuldade de relacionar os acontecimentos históricos. Outro ponto questionado é a inadequação de determinados conteúdos para cada faixa etária, tais como “identificar as várias formas de organização familiar” ou “construir a noção de pertencimento a diferentes grupos sociais”, ambos previstos para o 1º ano do ensino fundamental.

— É óbvio que uma criança de 6 anos não pode entender de relações sociais — opina João Batista Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.

Luiz Cláudio Costa, ministro interino da Educação, voltou a defender o processo de construção da Base Nacional, lembrando que ainda há um debate em curso. Será a primeira vez que o país terá um currículo mínimo detalhado para cada etapa escolar. Hoje, a maioria dos estados possui currículos próprios, usando como base os parâmetros e diretrizes curriculares, que trazem conceitos mais gerais, sem separação por série.

 

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