Municípios acumulam dívidas com aterros sanitários, e número de lixões sobe de 17 para 29
RIO - O Rio de Janeiro, estado que, há alguns anos, prometia ser o primeiro do Brasil a acabar com os lixões, anda na contramão desta expectativa, empurrado pela crise econômica. Hoje, o número de vazadouros a céu aberto em território fluminense chega a pelo menos 29, contra os 17 identificados em 2015, segundo um levantamento da Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe). O despejo em locais inapropriados cresce a passos largos.
Mesmo municípios que já tinham dado destino adequado a seus detritos voltaram a descumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos, que previa a erradicação dos lixões até 2014. Se não surgir uma mudança rápida de rumo, diz Carlos Roberto Silva Filho, presidente da Abrelpe, o risco é de ocorrer, em breve, um colapso no sistema de limpeza urbana.
Quase sempre a justificativa tem sido o atoleiro financeiro no qual os municípios afundaram. Muitos pararam de avançar nos planos de encerrar seus lixões. Outros, apesar de terem aterros sanitários licenciados em suas regiões, vêm optando pelo descarte irregular, em nome de uma suposta economia. Assim, persistem casos como o de Resende, na Região do Médio Paraíba: desde 2014, a cidade poderia usar o aterro sanitário de Barra Mansa, mas despeja diariamente cerca de 15 toneladas de detritos no lixão do Bairro Bulhões, onde o chorume corre livre pelo solo. Para lá também é levado o lixo de Penedo e Visconde de Mauá.
IMPACTO NA SAÚDE PÚBLICA
Vergonhosos símbolos de décadas de descaso com o meio ambiente, os lixões de Gramacho, em Duque de Caxias; de Itaóca, em São Gonçalo; e do Babi, em Belford Roxo, voltaram a funcionar, dentro de suas áreas originais ou em terrenos contíguos. O levantamento da Abrelpe identifica vazadouros que se espalham de Itaperuna, no Noroeste Fluminense, a Saquarema, Araruama e Arraial do Cabo, na Região dos Lagos, operados pelos próprios municípios ou por grupos clandestinos. Alguns, alerta a associação, constam como desativados no Instituto Estadual do Ambiente (Inea), mas aumentam a cada dia.
- A crise impacta o orçamento das prefeituras, mas há um descompromisso das administrações públicas com o tema - afirma Carlos Roberto Silva Filho. - Ao trocarem os aterros pelos lixões, os municípios aumentam os gastos com a despoluição de rios e do mar. Nossos estudos mostram que, em 2015, o Brasil gastou R$ 1,5 bilhão só para tratar pessoas com doenças relacionadas à gestão inadequada de resíduos.
O presidente da Abrelpe lembra que, entre 2007 e 2013, o Estado do Rio seguia um curso diferente. A quantidade de municípios fluminenses que destinavam o lixo corretamente tinha saltado de quatro para 63, o que correspondia ao descarte correto de 93% dos detritos gerados. O programa Lixão Zero, da Secretaria estadual do Ambiente (SEA), incentivava a formação de consórcios intermunicipais para a construção de aterros sanitários. E, dos 70 lixões de 2007, 53 tinham sido fechados.
Hoje, o estado produz 22 mil toneladas diárias de detritos, mas 7 mil vão para vazadouros a céu aberto, afirma o presidente da Abrelpe. Ou seja, só 68% do lixo têm destinação correta, percentual acima da média nacional (58%), mas abaixo dos patamares de São Paulo (77%) e do Sudeste (73%).
O futuro não se revela alentador. Cidades como Búzios - que leva seu lixo para o Aterro Sanitário de Dois Arcos, em São Pedro da Aldeia - já alegaram dificuldades financeiras e ameaçaram reabrir lixões. Ainda há situações como a de Angra dos Reis, que não consta da lista dos 29 municípios nos quais a Abrelpe identificou lixões, mas que vive uma realidade preocupante.
Desde 2015, segundo documentos do Inea, o Centro de Tratamento de Resíduos (CTR) Costa Verde, que recebe o lixo de Angra e Paraty, opera com a licença de operação de sua célula emergencial cancelada. Fica na região de Ariró, em área de amortecimento do Parque Nacional Serra da Bocaina e nas bordas do Parque Estadual Cunhambebe. E, em frente a ele, está localizado o antigo lixão de Angra. Oficialmente, o vazadouro se encontra fechado. Mas o vaivém de caminhões a serviço da prefeitura mostra que continua funcionando.
- Às vezes, sai fogo lá de cima. Parecem explosões. O cheiro é muito ruim. E a gente vê o chorume escorrendo pelo chão - conta Cátia Fernandes, de 58 anos, vizinha do terreno.
O lugar poderia ser um paraíso, cercado pela Mata Atlântica, a poucos quilômetros do manguezal e da praia, com rios cristalinos que descem a montanha. Mas os urubus amontoados nas árvores e o odor fétido logo revelam que há algo de errado.
- O fedor chega a arder o nariz. E o chorume vai para um riacho, que deságua numa praia de condomínios de luxo de Angra - afirma Idalécio Leoni dos Santos, outro vizinho do lixão.
Secretário de Desenvolvimento Urbano e Sustentabilidade de Angra, Alexandre Giovanetti admite o problema, mas argumenta que a prefeitura prepara um plano de gestão de resíduos. Ele reconhece o uso do antigo lixão e o vencimento da licença do CTR Costa Verde, mas frisa que busca informações junto ao Inea para tentar renová-la.
- O CTR, operado por uma empresa particular, tem vida útil de dez anos. Nosso atual contrato acaba em novembro. A manutenção dele vai depender da obtenção da licença ambiental - diz Giovanetti.
O Inea, por sua vez, afirma ter notificado o CTR Costa Verde para a apresentação de um plano de trabalho, cujas ações farão parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). De acordo com o instituto, o documento deve ser assinado até o fim deste mês, estabelecendo condicionantes para a concessão de uma licença ambiental definitiva.
Já em Rio Bonito, na Região Metropolitana, as margens da Estrada Porfírio Ernesto de Mendonça viraram um grande vazadouro. Era o caminho para o antigo lixão da cidade, hoje transformado em um depósito de pneus velhos. Subindo a serra, em direção a Petrópolis, o que a prefeitura chama de Aterro Sanitário de Pedro do Rio está, segundo a Abelpre, com sua capacidade exaurida.
DÍVIDA QUE CHEGA A R$ 500 MILHÕES
No cenário sombrio, os 17 aterros sanitários licenciados no estado registram uma redução no volume de lixo recebido. Enquanto isso, os municípios acumulam dívidas com as empresas que os administram, que já chegam à ordem de R$ 500 milhões. Só São Gonçalo deve R$ 120 milhões ao aterro da cidade. O município do Rio tem débitos de R$ 18 milhões com o CTR Seropédica. A empresa Estre, que opera o aterro de Itaboraí, contabiliza dívidas de R$ 15 milhões. A da prefeitura de Maricá, por exemplo, chegou ao 24º mês. Alguns já ameaçam fechar, como o Dois Arcos, em São Pedro da Aldeia, que chegou a anunciar que só resiste até o mês que vem nas atuais condições.
- Em média, o custo de uma tonelada de resíduos levada pelos municípios aos aterros varia de R$ 50 a R$ 70. Para pagar essas despesas, uma saída é criar fontes de recursos específicas para a destinação do lixo, como a cobrança de água e esgoto ou a taxa de iluminação pública. Outra solução seria implementar os conceitos do Plano Nacional, como a coleta seletiva e a reciclagem, o que reduziria a conta mensal dos municípios - diz Carlos Roberto, da Abrelpe.
Os municípios prometem soluções. A prefeitura do Rio diz que herdou a dívida atual com o CTR Seropédica da administração Eduardo Paes e garante que estuda a melhor forma de quitá-la. Petrópolis afirma que o aterro de Pedro do Rio funciona dentro de sua capacidade, com licença de operação renovada no ano passado pelo Inea até julho.
"A atual gestão da prefeitura de Petrópolis apresentará nos próximos dias o pedido de prorrogação da licença e, paralelamente, vem realizando estudos em busca de uma solução definitiva para o destino do lixo", afirma em nota.
Já Resende diz que "há urgência na adequação do atual sistema de descarte de lixo". Segundo o município, no último dia 3, foi iniciado um processo junto ao Inea para o licenciamento de um novo aterro sanitário, a partir do segundo semestre. As prefeituras de São Gonçalo e Búzios também foram procuradas pelo GLOBO, mas não responderam aos pedidos de entrevista.
O Inea afirma que, no ano passado, três lixões foram fechados (Valença, Rio das Flores e Mendes) com o início da operação de consórcios de gestão de resíduos nas regiões de Vassouras e de Paracambi. O instituto defende que, em 2016, 97,2% do total de resíduos do estado foram destinados a aterros sanitários.