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Paraísos fiscais ameaçados

Numa visita à linha de produção da Ford, em Camaçari (BA), em 2013, o americano Bill Ford, herdeiro da montadora, exortou autoridades a trabalharem pelo fim da guerra fiscal, para permitir ao Brasil aproveitar todo o seu potencial de crescimento. Inaugurada em 2001, a fábrica é, até hoje, símbolo da ofensiva desmesurada de governantes na busca por empresas. E Bill não poderia estar mais certo.

Pela adoção de práticas controversas que resultam em concorrência predatória, Camaçari, na região metropolitana de Salvador, é considerada um dos paraísos fiscais do País, ao lado de cidades como Barueri e Poá.

O status, porém, pode estar perto do fim. A lei complementar 157, sancionada em dezembro, prevê punição severa a quem conceder benefícios e desrespeitar a alíquota mínima do Imposto sobre Serviços (ISS), o principal tributo na maior parte dos munícipios. Técnicos que militam pelo fim da guerra fiscal enxergam a nova regulamentação com esperança, classificando-a até como minirreforma do ISS. Aos prefeitos, caberá criar novas estratégias para atrair empreendimentos. Ao mesmo tempo, empresas que buscaram esses destinos terão de arcar com custos maiores.

Em geral, a concorrência predatória era adotada por cidades próximas de grandes centros. Um levantamento feito pela Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) identificou ao menos nove prefeituras com esse perfil, no entorno de Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Salvador e Rio de Janeiro. Em São Paulo, os casos mais emblemáticos são Barueri e Poá, que já haviam sofrido derrota no Supremo Tribunal Federal (STF) em processos sobre o tema no final do ano passado. Cálculos de técnicos da capital paulista estimam uma perda de R$ 1 bilhão.

Desde 2002, uma previsão constitucional proibia a adoção de alíquotas de ISS abaixo de 2%. A nova lei agora tenta fechar, de vez, o cerco a artifícios. “Quando cai essa maquiagem de menos de 2%, as cidades perdem competitividade”, afirma Rafael Rodrigues Aguirrezábal, vice-presidente da Associação dos Auditores Fiscais Tributários do Município de São Paulo. Gestores que não respeitarem a previsão da alíquota mínima podem ser condenados por improbidade administrativa e ainda ficam sujeitos a multas proporcionais aos benefícios.

Dados de arrecadação revelam as distorções. Com uma população de cerca de 265 mil habitantes e 65 mil km² de área, Barueri tem uma receita de ISS superior a Porto Alegre e semelhante à de Salvador, que tem quase 3 milhões de habitantes, distribuídos em 692 mil km². Um corredor corporativo se consolidou às margens da Rodovia Castelo Branco. O prefeito Rubens Furlan (PSDB) admite que as políticas de incentivos permitiram atrair milhares de empresas. As alíquotas atuais de 2%, que já chegaram a 0,5% no passado, hoje poderiam cair a pouco mais de 1% com os descontos.

Furlan, que já foi apontado como precursor da guerra fiscal por gestões anteriores, afasta o rótulo de paraíso fiscal. Ele alega que os benefícios visavam aliviar a pesada carga tributária às empresas, mas garante que vai cumprir a nova orientação. “Se sentirmos que vamos perder R$ 50 milhões, vamos ter de cortar R$ 50 milhões em despesas”, afirma Furlan. Sua preocupação maior é com a regra da mesma lei que previa a cobrança de ISS no domicílio do tomador de serviços em operações com cartões, leasing e planos de saúde, mas que foi vetada pelo presidente Michel Temer. A perda era estimada em R$ 250 milhões para Barueri, onde ficam a sede de administradoras de cartão como Cielo e Rede.

Na avaliação de técnicos e prefeitos, além da perda de competitividade por novos empreendimentos, pode haver migração principalmente de prestadores de serviços que adotavam pequenas salas ou escritórios virtuais nos paraísos apenas para benefício da alíquota. Em 2014, por exemplo, a Receita Federal descobriu que uma mesma casa em Poá era sede para 750 empresas. Empresas de contabilidade que oferecem a criação de escritórios virtuais já estão alertando os clientes que o benefício só será válido durante o prazo estipulado para a transição, de um ano.

Para os técnicos, porém, o veto de Temer na nova lei deixou uma brecha em aberto para esses casos, ao impedir que o município do tomador de serviços faça a cobrança do ISS. Os vetos ainda serão apreciados pelo Congresso e enfrentarão pressão – para os municípios menores, o mais importante é permitir a cobrança do ISS de cartões e leasing no domicílio do tomador, o que significaria um ganho de R$ 6 bilhões a prefeituras pelo País. Seja como for, uma nova tentativa de combater a guerra fiscal contribui para reduzir a insegurança jurídica e melhorar o ambiente de negócios nacional. ISTOÉ

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