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Incentivos fiscais somam R$ 60 bi em quatro anos, sem resultados esperados

Caminhão na linha de montagem da fábrica da Mercedes no ABC Paulista - Divulgação

BRASÍLIA - A política de incentivos tributários conduzida pelos governos Lula e Dilma Rousseff resultou numa renúncia fiscal de quase R$ 60 bilhões somente entre 2011 e 2014. Nesse bolo, o maior favorecido foi o setor automotivo, que recebeu benefícios de R$ 19,8 bilhões. Em segundo lugar ficou o segmento de bens de capital, com R$ 16,6 bilhões. As empresas instaladas nas áreas da Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) ficaram em terceiro lugar (R$ 8,82 bilhões), seguidas pelos setores moveleiro (R$ 2,76 bilhões) e de bebidas (R$ 1,9 bilhões).

A estratégia, no entanto, não gerou os benefícios esperados para a economia brasileira.

Os números fazem parte de um trabalho dos economistas Marcelo Curado e Thiago Curado para o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), ao qual o GLOBO teve acesso com exclusividade. O trabalho destaca que essas desonerações — que começaram com a crise financeira de 2008 e duraram até 2014, com reflexos no Orçamento ainda hoje — tiveram forte impacto sobre as contas públicas, uma vez que se “empilharam” sobre outros benefícios que vêm sendo concedidos no país há décadas. O principal exemplo está na Zona Franca de Manaus, que já gera um forte custo tributário para os cofres públicos a cada ano.

O trabalho não se debruça sobre os efeitos da política de incentivos, mas destaca que as desonerações provocaram um aprofundamento da dependência do setor industrial brasileiro desses incentivos ao invés de torná-lo mais competitivo. A diretora de Estudos e Política Setoriais de Inovação, Regulação e Infraestrutura do Ipea (Diset), Fernanda de Negri, que encomendou o estudo, afirma que alguns indicadores mostram que esses incentivos não tiveram o efeito desejado.

PRODUTIVIDADE E PIB INDUSTRIAL EM QUEDA

Um deles é a produtividade do trabalho industrial. Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostram que, entre 2002 e 2012, a produtividade do trabalho no Brasil cresceu apenas 0,6%, enquanto em outros lugares, como Coreia do Sul, a alta foi de 6,7%. Num período de tempo mais estreito, de 2007 a 2012, a produtividade brasileira chegou a recuar 0,1%. Outro termômetro está no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) da indústria de transformação, que recuou 9,3% em 2009, se recuperou em 2010 e 2011 e voltou a cair em 2012 (-2,4%).

— Queríamos avaliar os efeitos da política industrial, e o primeiro passo foi ver quanto foi gasto. Ter noção de quanto custou tudo isso. Os indícios são de que não houve ganhos de produtividade — afirma Fernanda.

O emprego na indústria de transformação, por sua vez, acompanhou a trajetória do comportamento do emprego geral, mas num cenário um pouco mais negativo. De acordo com dados do Caged, do Ministério do Trabalho, o total de vagas formais geradas no país foi de 1,117 milhão, alta de 2,82%, em 2013. No mesmo período, o emprego na indústria cresceu 1,54% (com 126,3 mil postos de trabalho). Já em 2014, enquanto a trajetória do emprego geral cresceu pouco (0,96%), a indústria teve queda de 1,99%.

O economista-chefe do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), Rafael Cagnin, no entanto, destaca que há um equívoco em tratar desonerações concedidas em momentos de baixo crescimento (os chamados incentivos anticíclicos) com política industrial, que tem um caráter estrutural.

— Às vezes, a janela para uma política industrial aparece no bojo de uma política anticíclica e isso perturba a avaliação (sobre a qualidade daquela política) — afirma ele.

O economista ressalta que algumas das medidas que foram adotadas pelo governo nos últimos anos, na verdade, tiveram um caráter compensatório para minimizar problemas da estrutura tributária complexa existente no Brasil. Um exemplo seria o Reintegra (programa que facilita o aproveitamento de créditos tributários aos exportadores).

— É uma medida que gera renúncia fiscal, mas que compensa uma deficiência da nossa estrutura tributária — afirma Cagnin.

O economista do Iedi também ressalta que é preciso considerar o que poderia ter acontecido com a atividade industrial caso os incentivos não tivessem sido concedidos:

— Na atual conjuntura, podemos ver que os incentivos tiveram um custo fiscal muito elevado, mas tem o outro lado. Quanto a economia teria perdido sem o que foi feito? Se a economia conseguiu manter algum dinamismo, isso teve efeito na arrecadação.

O diretor de Políticas e Estratégia da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes, também afirma que boa parte das desonerações que foram concedidas tem como objetivo compensar deficiências que existem na estrutura tributária brasileira. Ele explica que as dificuldades dos empresários em resolver esses problemas de forma global levou setores a buscarem saídas específicas para seus problemas. Por isso, o governo acabou atendendo a demandas setoriais.

— É preciso ver que o custo tributário no Brasil é muito elevado e que os incentivos foram maneiras de neutralizar distorções que prejudicam a competitividade da indústria — disse Fernandes.

Para Marcelo Curado, a principal conclusão que se pode tirar do trabalho é que existe um enorme espaço para rever as políticas de incentivo para a indústria, especialmente no atual momento de ajuste fiscal:

— Aparentemente, as políticas não resultaram em eficiência. A indústria aumentou sua participação no recebimento de incentivos, mas, diante da crise fiscal, é preciso saber que retorno essas medidas trazem para a sociedade. É preciso saber o que é feito com os recursos públicos — destaca Curado.



De acordo com o trabalho, os gastos tributários totais do governo (incluindo não apenas os incentivos de política industrial, mas também outras áreas, como Zona Franca) pularam de R$ 24 bilhões, em 2004, para R$ 218,2 bilhões, em 2013. Somente com a política industrial, o montante subiu de R$ 7,81 bilhões para R$ 53,4 bilhões no mesmo período.

Integrantes da equipe econômica concordam com a avaliação de que é preciso fazer uma revisão dos incentivos, especialmente porque alguns deles geraram desequilíbrios setoriais e foram vistos como ações protecionistas junto à Organização Mundial do Comércio (OMC). Segundo um técnico do governo, o Ministério da Fazenda já começou a fazer essa revisão, mas a ideia não é suspender tudo de uma vez. Alguns incentivos têm prazo para acabar e essas datas serão respeitadas. Outros serão suspensos gradualmente:

— A Receita está estudando regimes especiais e vendo quantas empresas se beneficiam de cada um deles. O governo não tem pressa de suspender tudo de uma vez. Isso vai ser feito quando a atividade reagir — disse esse integrante do governo.




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