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As pedaladas verbais de Dilma no Senado

Presidente afastada Dilma Rousseff durante defesa no Plenário do Senado (Foto:  Sérgio Lima/ÉPOCA)

O senador Fernando Collor, do PTB de Alagoas, está sentado na ponta da primeira fila do plenário, estrategicamente à frente da tribuna. Passa pouco das 9h da manhã. Como sempre, Collor está sério, quieto, solitário, de paletó fechado. Espera pela chegada da presidente afastada Dilma Rousseff, cujo depoimento está um pouco atrasado. Há 24 anos, Collor evitou com a renúncia o que Dilma vive desde maio e vai começar a enfrentar em poucos minutos, durante longas horas. Collor contornou o processo, não resistiu no cargo, cumpriu oito anos de desterro fora da política e nesta segunda-feira, 29, é um dos senadores que julga Dilma. Ela, que não tem passado político, nem quer ter futuro na política, estará ali à sua mercê. Dilma vive a Presidência a seu modo.

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Antes de Dilma aparecer, a maior sensação do plenário estava na galeria. Em um ambiente árido da política, todos olham quando o cantor e compositor Chico Buarque de blazer escuro, camisa branca, sem gravata e óculos escuros adentra a galeria e toma seu assento. Convidado pelos apoiadores de Dilma, Chico senta-se entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ex-ministro Jaques Wágner. Seu magnetismo estilo “não estou nem aí” encanta a plateia. A senadora Vanessa Grazziotin sobe à galeria, coisa que senadores pouco fazem, e faz uma selfie com Chico. Sua colega na defesa de Dilma, Gleisi Hoffmann, faz o mesmo pouco depois.
Às 9h39, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Ricardo Lewandowski, pede que o presidente do Senado, Renan Calheiros, “introduza a senhora presidente da República”. Renan vai e demora a voltar. Dilma leva ainda quatro minutos para entrar. Senta-se na última cadeira à esquerda da mesa.  Lewandowski informa que o tempo dos senadores e de Dilma será prolongado “a critério desta presidência”. Os papéis estão estabelecidos. A autoridade maior ali é Lewandowski, não Dilma, como acontece com ela há cinco anos e meio; ela está na posição de ré, submetida ao Judiciário e ao Legislativo. Nenhum presidente da República jamais esteve na desconfortável situação que Dilma enfrenta.

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Entre 9h53 e 10h38, Dilma fez seu discurso de defesa, escrito por ela, pelos ex-ministros José Eduardo Cardozo e Aloizio Mercadante e sua assessora Sandra Brandão. Excedeu seu tempo em 50%, mas contou com a benevolência de Lewandowski, que não a interrompeu. “Não esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes”, disse. “No passado, com as armas, e hoje com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia e contra o Estado do Direito”. Como se esperava, Dilma relaciona sua resistência à tortura durante a prisão no período da ditadura militar com sua resistência ao impeachment. Defende-se, reafirma que não cometeu crimes, pede uma chance aos senadores, com a oferta de um plebiscito para decidir por uma nova eleição. Sua voz falha, ela precisa parar. Na retomada, ataca o governo Temer na economia, retoma a ideia de que a oposição sabotou seu governo até derrubá-lo e afirma que é vítima de um golpe. Dilma é ouvida por um plenário do Senado lotado, mas silencioso como nunca. “Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que pratiquei?”, diz Dilma. Ela passa, então, a defender-se das acusações. Afirma que não cometeu as pedaladas fiscais, que sua gestão na economia não é a causa da crise financeira na qual o país está imerso. Os partidários de Dilma batem palmas e cantam, exatamente o que Lewandowski avisaram que estava vetado. Ele toca a campainha várias vezes.

Chico Buarque cansou. Uma hora após o final do discurso de Dilma e de perguntas dos senadores, o cantor levanta-se e dá uma saída de oito minutos da galeria. Dilma citava pela primeira vez o nome do ex-secretário do Tesouro Arno Augustin, o mentor da contabilidade criativa e um dos autores das pedaladas, de acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU). O ex-presidente Lula, de terno e gravata, também dá sua saidinha e volta rápido. Os senadores ainda estão concentrados no plenário. São 49 inscritos, com cinco minutos para cada um perguntar. A resiliência duraria pouco.  Sem limite de tempo estabelecido, Dilma alonga-se nas respostas. Começa a ser ela mesma, a falar o “dilmês”, aquele idioma paralelo que mistura termos técnicos da burocracia, frases truncadas e um pouco de economia. Os senadores que já perguntaram começam a deixar o plenário, quando Lewandowski faz a pausa para o almoço.

Lewandowski esforça-se para mostrar que o clima é de julgamento. Pede que os deputados que estão no plenário “deem espaço para quem está trabalhando” – no caso, os senadores. Todos correm ao plenário na volta do almoço porque o próximo a perguntar é o senador Aécio Neves, adversário derrotado por Dilma em 2014. Aécio estava nervoso. Mas o embate é um anticlímax. “Em que dimensão vossa excelência e seu governo se sentem sinceramente responsáveis por essa recessão, por 12 milhões de desempregados do Brasil, por 60 milhões de brasileiros que têm contas atrasadas e uma perda média de 5% da renda dos trabalhadores brasileiros?",diz Aécio. Dilma responde com acusações a Aécio e bate no PSDB. “O que eu tenho dito, é que a partir do dia seguinte da minha eleição, uma série de medidas políticas para desestabilizar o meu governo foram tomadas, infelizmente", afirma.

Com mais de cinco horas de depoimento, Dilma construíra sua argumentação: não cometeu crime com as pedaladas, seus três decretos das pedaladas não geraram a crise econômica, a crise econômica só se manifestou após sua reeleição e, por fim, a oposição e o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, sabotaram seu governo. Os senadores começavam a se cansar. “O nosso povo anda olhando para o chão, como diria um grande músico aqui presente”, diz Dilma, em alusão a Chico, que segue firme na galeria. Mas ele não aguenta. Às 16h50, ele vai embora."Eu gostei muito do pronuciamento da Dilma. Achei que ela está muito bem. Respondendo muito bem aos senadores", afirmou. Chico diz que queria ficar mais, mas precisa “pegar um voo”. Está perdoado. Depoimento longo assim é coisa para político.  

Lewandowski avisa a Dilma que se limite a falar de seu governo, sem falar sobre o “governo interino”. Mais uma vez, ela percebe que não é a maior autoridade ali. Dar uma bronca, nem pensar. Não há possibilidade. A maior concessão feita por Dilma no discurso e em suas respostas é a adoção de um plebiscito para decidir se o país deve antecipar a eleição presidencial. Quando um presidente oferece a possibilidade de sua própria saída, sua situação não é das mais sustentáveis. Mas Dilma segue. Às 20h25, quase onze horas após o início do depoimento, ela avisa: “Eu estou perdendo a voz”. Mas, logo depois, empolga-se e tenta explicar por que a exigência de 30% de investimento da Petrobras no pré-sal é plenamente possível de cumprir. Numa explicação confusa de porcentagens, Dilma leva os senadores para um novo passeio pelo dilmês. 

Fernando Collor deixou o plenário há algum tempo. Como senador, tem mandato até 2018. Como não estava entre os inscritos para fazer perguntas a Dilma, não precisa permanecer o tempo todo. Terá de expressar sua opinião sobre o impeachment de Dilma nesta terça, pelo voto - se quiser, poderá até fazer um discurso. Impeachment não é problema para ele. ÉPOCA

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