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A inútil retaliação governista

Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP

 

Com a amargura de quem sofreu nova desonra política em votação de alta relevância no Congresso, os articuladores políticos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva iniciaram a única retaliação que aparentemente lhes restava: exoneraram cerca de 380 indicados de partidos de centro que ocupavam cargos comissionados em ministérios e autarquias. Na lista de demitidos há uma centena de nomes filiados ao União Brasil e ao MDB, e dezenas de indicados por PSD, PP e Republicanos, legendas que, embora oficialmente integrem a base governista, frequentemente votam contra pautas de interesse do Palácio do Planalto – uma contradição levada ao paroxismo na recente votação da Medida Provisória 1.303, a MP dos impostos. É um movimento para “reorganizar a base”, disse a ministra Gleisi Hoffmann. “Quem está sendo leal ao governo tem que ser valorizado e quem não está não tem por que ficar”, justificou.

 

É hora de deixar de lado os eufemismos palacianos. Descontada a explicitação do tradicional “toma lá, dá cá” sobre o qual se assentam as práticas rotineiras em Brasília – cargos e verbas em troca de votos –, o episódio ampliou ainda mais a já extensa lista de reveses do governo na conturbada relação com o Congresso e sua base. As sucessivas goleadas sofridas revelam verdades inconvenientes que Lula e seu entorno tentam esconder. A principal delas é que não existem vítimas nem algozes nesse enredo: tem-se uma base de apoio ao governo no Congresso que já há algum tempo se apresenta como peça de ficção, um governo que opera sem instrumentos de navegação política, um presidente incapaz de manejar sua coalizão com eficiência e uma maioria legislativa que, dotada de superpoderes no controle do Orçamento da União, passou a ignorar com cada vez mais atrevimento as diretrizes do Executivo.

 

A retaliação, no fundo, só espelha o próprio fracasso do governo. Atônito por não saber lidar com a nova realidade, tende a explicar a própria inépcia com a infidelidade da base e os interesses do Centrão. Como se sabe, partidos como União Brasil e PP, divididos entre o desejo de manter nacos de poder e a perspectiva eleitoral do ano que vem, quando devem sair abraçados a candidatos de oposição, tentaram instituir algo impensável até mesmo para os padrões elásticos de coerência ideológica e partidária do País: o governismo de oposição. E assim, enquanto ocupam oficialmente a base governista e usufruem dos cargos e verbas de ministérios e estatais, difundem críticas públicas ferozes ao governo que supostamente representam e trabalham por candidaturas oposicionistas.

 

Mas isso não desfaz o diagnóstico de que o problema é menos de disfuncionalidade entre os dois Poderes e muito mais a má gestão da coalizão. O maior controle orçamentário pelo Legislativo inflacionou o custo político, mas o fato é que não o inviabilizou. O maior prejuízo governista decorre, isso sim, das escolhas do governo. Afinal, o PT, sempre fiel a si mesmo, optou por uma coalizão ampla, com 16 partidos e forte heterogeneidade ideológica, mas não aprendeu a dividir o poder. Controla 15 entre 38 ministérios, enquanto seus principais parceiros – PSD, MDB e União Brasil, cuja cúpula acaba de desistir oficialmente de ser governo – dominam apenas três pastas cada. Completa o ciclo a promessa de uma “frente ampla” jamais cumprida, um mandato mais petista do que nunca e a vocação para a esperteza em matéria fiscal e tributária, o que deu a deixa para que parte do Congresso, formado em grande medida por cupins do Orçamento público, apresente-se como vestal do gasto público.

 

O resultado foi mapeado por recente reportagem do Estadão: o terceiro mandato de Lula exibe o pior aproveitamento no Congresso desde 1988, tendo transformado em lei apenas 62 das 239 propostas enviadas ao Legislativo. É uma taxa de sucesso de 25%, modesta ante os antecessores, incluindo até mesmo Dilma Rousseff, reconhecida pela incompetência no trato com parlamentares. Enquanto isso, Lula – aquele até pouco tempo visto como encantador de serpentes – assiste inerte. E assim só lhe resta a retaliação, gesto inevitável porém tardio e de pouco efeito prático para o que mais importa ao governo.

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