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Desvio de recursos é mais um estrago trazido pelas emendas parlamentares

Por  Editorial / O GLOBO

 

É lamentável que recursos de emendas parlamentares — especialmente as transferências diretas ao caixa de prefeituras, conhecidas como emendas “Pix” — não consigam sequer cumprir o objetivo básico de chegar ao destino. Reportagem do GLOBO refez o trajeto de algumas e mostrou como se perdem pelo caminho.

 

Por vezes, o dinheiro é depositado pelas prefeituras numa conta de passagem, depois transferido a outras, misturando-se a verbas usadas para pagar despesas correntes como água, luz ou folha de servidores. Quando se procura o recurso, sumiu. A sucessão de transferências dificulta o rastreamento.

 

Um exemplo é o que aconteceu no município maranhense de Arari. A estrada de terra de 30 quilômetros que liga a localidade de Canarana ao centro da cidade costuma ficar intransitável no período de chuvas, deixando moradores isolados. Em 2023, uma emenda destinou R$ 1,25 milhão para recuperar estradas vicinais de Arari. O dinheiro saiu, mas não chegou ao destino. “Esse valor simplesmente desapareceu, não foi para obra nenhuma”, afirma a prefeita Maria Alves Muniz (MDB). O prefeito anterior, Rui Filho (União), argumenta que o recurso foi usado no custeio da prefeitura e em ações emergenciais.

 

Arari não é caso isolado. Na paraibana Zabelê, a construção de um parque com ciclovia, pista de corrida, praça de alimentação e espaço para eventos ficou na promessa. Uma emenda de R$ 3 milhões destinada ao município em julho de 2023 deveria garantir a obra. Mas, em fevereiro, a conta em que o valor havia sido depositado tinha apenas R$ 240. Em São Luiz do Anauá (RR), a obra de um pórtico orçado em R$ 2 milhões foi abandonada depois que recursos de uma emenda foram transferidos a outras contas. No mesmo município, um conjunto habitacional com cem casas permanece inacabado, com apenas uma unidade concluída.

 

Inspeções determinadas pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, mostram que o modus operandi de transferência de recursos a outras contas foi usado em pelo menos 20 municípios nos últimos anos. Em maio, ele proibiu o mecanismo, estabelecendo que o dinheiro seja movimentado só na conta aberta para receber o recurso. No ano passado, determinou um pente-fino nos R$ 20 bilhões enviados desde 2020 em emendas “Pix”.

 

Por mais que o Supremo venha cobrando transparência, não param de surgir escândalos. Operações policiais têm flagrado recursos de emendas escondidos em gavetas, sapatos e até em sacola jogada pela janela. Quanto menor a transparência, maior a chance de a verba se perder. As emendas parlamentares já representam uma distorção no planejamento, por alocar recursos segundo critérios paroquiais, e não técnicos — recebem dinheiro os municípios com melhores padrinhos no Congresso, não necessariamente os mais necessitados. Têm avançado sobre o Orçamento a um patamar sem paralelo no mundo e comprimido os recursos livres à disposição do Executivo. Tudo fica pior quando o dinheiro nem sequer chega ao destino.

 

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