Um ultrajante prêmio à barbárie
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou, por 47 votos a favor e 15 contra, um projeto de lei que restabelece uma bonificação a policiais civis que “neutralizarem” supostos criminosos em alegados confrontos, isto é, que matarem suspeitos durante ações policiais. A própria denominação com a qual o bônus ficou conhecido quando esteve em vigor, nos anos 1990, “gratificação faroeste”, traduz o sentido de terra sem lei que passa a ser tolerado, e até incentivado, no combate à criminalidade no Estado – o que torna mais abominável a decisão dos deputados fluminenses.
Por uma emenda incluída no tal projeto, que se presta à reestruturação da Secretaria de Polícia Civil, cada policial pode receber adicionais que variam de 10% a 150% do salário, a depender da quantidade de suspeitos mortos em supostos confrontos. Trata-se da institucionalização da barbárie, proposta pelos deputados Alan Lopes (PL), Marcelo Dino (União) e Alexandre Knoploch (PL), e aprovada por ampla maioria dos parlamentares.
O prêmio, que também vale para apreensão de armamentos, vigorou no Estado por apenas três anos, de 1995 a 1998, e foi extinto justamente pelo acentuado aumento de execuções durante aquele período. Nos chamados “autos de resistência”, como eram registradas as mortes em confronto, tiros na nuca e no ouvido eram frequentes. Não é necessário perícia técnica para atestar que isso não ocorre quando se está num confronto.
Pesquisa feita na época por técnicos da própria Alerj e pelo Instituto de Estudos da Religião (Iser) confirmou que a taxa de letalidade nas operações policiais dobrou no período de vigência da gratificação. Mas, ainda que não houvesse a amostra nefasta de uma prática adotada em passado não tão distante, é inconcebível que a solução encontrada pelos deputados para reprimir o crime seja estabelecer recompensa pela cabeça dos supostos bandidos.
Além de, na prática, significar uma licença para matar, trata-se da volta ao tempo da condescendência com atrocidades cometidas por esquadrões da morte formados por policiais civis e militares que promoviam execuções sumárias, sequestros, torturas e extorsões nas décadas de 1960 e 1970 no Rio e em São Paulo. Os grupos de milicianos que se espalham pelo Rio de Janeiro, disputando território e poder com o narcotráfico, guardam muita semelhança com esses esquadrões.
A proposta original de reestruturação da Polícia Civil foi enviada à Alerj pelo governo do Estado e não previa a bonificação, inserida como emenda durante a avaliação na Comissão de Constituição e Justiça. Em entrevista ao jornal O Globo, Marcelo Dino, um dos autores da emenda, disse que o próximo passo é estender os bônus aos policiais militares, dizendo que os bandidos “precisam ser abatidos”.
Caberá ao governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro (PL), sancionar ou vetar a medida. Como se trata de um político alinhado ao bolsonarismo, um movimento que louva a barbárie, esperar que ele impeça esse absurdo é provavelmente debalde. De todo modo, é nosso dever rogar que o sr. Castro vete.