Governo corta PAC e reduz recursos para continuidade de obras em andamento em 2026
Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA — O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) reduziu os recursos do Novo PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e o orçamento para a continuidade de obras em andamento em 2026.
Os pisos de saúde e educação, as despesas de funcionamento dos órgãos e outros programas, como o Pé-de-Meia, diminuíram o espaço para os investimentos. Apesar disso, os órgãos do governo dizem que não há risco de paralisação dos projetos.
O Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2026 foi enviado ao Congresso em 29 de agosto. O piso de investimentos, equivalente a 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB), foi calculado em R$ 83 bilhões em investimentos públicos, um aumento de R$ 11,7 bilhões em relação ao ano anterior. No total, o governo colocou R$ 85,6 bilhões no Orçamento de 2026, incluindo os financiamentos habitacionais do programa Minha Casa, Minha Vida, mas, desconsiderando esses financiamentos, há uma tendência de queda nos investimentos em obras públicas.
Os recursos do PAC somaram R$ 52,9 bilhões, uma diminuição em relação aos R$ 60,5 bilhões programados no envio do Orçamento de 2025. Ao apresentar a proposta, o governo havia comparado o número à verba atual do programa (R$ 49,7 bilhões), sem os recursos que estão congelados, indicando aumento. Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, houve crescimento na projeção do PIB em 2026, o que impactou o piso de investimentos (leia mais abaixo).
Além da redução do PAC, o Executivo não cumpriu o piso de investimentos em andamento que havia sido indicado no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (PLDO), enviado em abril e que serve como base para a elaboração da proposta orçamentária.
A Constituição obriga a alocação de recursos para que as obras sejam concluídas e não fiquem paralisadas. Para 2026, o valor indicado no PLDO para essa finalidade é de R$ 25,6 bilhões, mas o orçamento programado é de R$ 19,2 bilhões. Os investimentos em andamento são projetos com começo, meio e fim, que já tenham iniciado e que custem mais de R$ 10 milhões, como é o caso de grandes obras.
O Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou que a queda de investimentos em andamento é resultado de três fatores: aumento da projeção do Produto Interno Bruto (PIB), que puxou o piso de investimentos para cima, ampliação dos pisos constitucionais de saúde e educação, que diminuem o espaço para os investimentos, e redução do PAC. A pasta destacou ainda que o PLDO autoriza a adequação à luz do cenário fiscal atualizado.
Obras paradas
De acordo com o Tribunal de Contas da União (TCU), metade das obras financiadas com recursos federais no País estão paralisadas. Até abril de 2025, das 22.621 obras mapeadas, 11.469 estavam paradas, o que representa 50,7% do total. É o caso, por exemplo, da duplicação da BR-381, em Minas Gerais, da implantação do sistema de macrodrenagem de águas pluviais e de marés, em Santos (SP), e da construção do Hospital Oncológico de Brasília, no Distrito Federal.
Em Brasília, a construção do hospital destinado ao atendimento de pacientes com câncer é orçada em R$ 119,8 milhões, começou em 2016 e deveria ser entrega à população em 2025, mas teve várias idas e vindas com falhas no projeto e na licitação e não andou. Só 2,07% da obra foi executada.
O local da construção tem mato crescendo em volta, escavações e algumas estruturas metálicas separadas em canteiros que lembram mais um cemitério que um hospital.
Segundo o governo do Distrito Federal, a documentação do projeto está em fase de aprovação pela Secretaria de Saúde do DF para que a Caixa, responsável pelo contrato, autorize uma nova licitação. A lei não estabelece punição para o não cumprimento do piso de investimentos em andamento. Para o diretor de Planejamento e Economia da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Roberto Guimarães, no entanto, a situação prejudica a continuidade de obras e a economia como um todo, que depende dos investimentos para crescer.
“Parar uma obra traz dois problemas principais. O primeiro é que você não colocada aquele equipamento público à disposição da sociedade, e o segundo é o custo de manter isso, pois o setor público tem que contratar vigilância e manutenção daquele equipamento”, diz Guimarães. De acordo com a Abdib, os investimentos em infraestrutura totalizaram 2,22% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, o maior valor desde 2010, dos quais 80% corresponderam a investimentos do setor privado, mas o País precisaria de quase o dobro (4,31%) para impulsionar a economia.
“Vimos uma recuperação dos investimentos públicos em 2023, após terem caído muito, mas já é possível observar uma queda novamente. Não houve políticas para redução de despesa corrente e onde que está sendo feito o ajuste? De novo, nos investimentos”, afirma o diretor. O Orçamento de 2026 traz uma tendência de queda dos investimentos da União, quando se excluem os valores destinados a financiamentos habitacionais.
Em 2023, o arcabouço instituiu o piso de investimentos considerando os recursos repassados diretamente às obras e tradicionalmente classificados como investimentos e as inversões financeiras destinadas a financiamentos habitacionais, como é o caso dos financiamentos do Minha Casa, Minha Vida.
Mínimos de saúde e educação diminuíram espaço para investimentos
Segundo o Ministério do Planejamento, houve crescimento na projeção do PIB em 2026, o que impactou o piso de investimentos. “Com isso, a proporção de recursos a ser alocada para a continuidade de investimentos em andamento, que era de R$ 21,6 bilhões no PLOA 2025, passou a ser R$ 25,6 bilhões no PLOA 2026. Um aumento de R$ 4 bilhões no montante a ser alocado.”
Além disso, houve um aumento de R$ 7,6 bilhões para as despesas discricionárias (não obrigatórias), mas a ampliação foi usada para cumprir os pisos constitucionais de saúde e educação, que ocupam o mesmo espaço dos investimentos no Orçamento, e houve redução no PAC, ressaltou a pasta. “Assim, entre o PLOA 2025 e o PLOA 2026 houve um decréscimo no valor das despesas discricionárias disponíveis para alocação em investimentos em andamento”, disse o ministério.
A área técnica do órgão destacou que houve adequação do piso de investimentos em andamento, conforme o PDLO autoriza, à luz do cenário fiscal atualizado. “Ainda assim, o valor destinado à continuidade dos investimentos em andamento do PLOA 2026 (R$ 19,2 bilhões) é próximo do valor destinado no PLOA 2025 (21,6 bilhões).”
O governo é obrigado a aplicar 15% da Receita Corrente Líquida (RCL) em saúde e 18% da Receita Líquida de Impostos (RLI) em educação. Como o arcabouço fiscal limita os gastos da União e as despesas obrigatórias e rígidas crescem, o espaço para investimentos diminui. A equipe econômica estudou mudanças nos pisos, mas as alterações foram rejeitadas pelo presidente Lula.
Obras em andamento incluem rodovias, ferrovias e reconstrução do Museu Nacional
Entre as obras que estão em andamento e dependem dos recursos, estão a construção e a ampliação de rodovias e ferrovias no País. Outra é a reconstrução do Museu Nacional no Rio de Janeiro, atingido por um incêndio em 2018.
A construção do Complexo Industrial de Biotecnologia em Saúde do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), desenhado para ser o maior centro de fabricação de produtos biológicos da América Latina, também pode ser impactada.
Órgãos do governo dizem que investimentos prejudicariam outros programas, mas alegam que não há risco de paralisação das obras
Além dos pisos da saúde e educação, uma nota técnica do Ministério do Planejamento e Orçamento traz explicações dos órgãos do governo para o não cumprimento dos investimentos em andamento previsto no PLDO. Os ministérios disseram na nota técnica que os recursos inviabilizariam o funcionamento da máquina e as atividades da administração.
O Ministério dos Transportes, que lidera o orçamento do PAC, argumentou que “a alocação do porcentual indicado pela SOF (Secretaria de Orçamento Federal) para investimentos em andamento inviabilizaria o funcionamento do órgão”.
Ao Estadão, a pasta disse que a continuidade de obras não está comprometida porque o órgão tem priorizado investimentos estruturantes para compatibilizar as necessidades do setor com os limites fiscais.
“Nenhuma obra será paralisada. O Ministério dos Transportes irá priorizar um volume maior de recursos para as obras que serão finalizadas nos próximo 12 meses.” Sobre a alegação de perigo para o funcionamento do órgão, o ministério afirmou que “a medida está relacionada à necessidade de manter despesas essenciais, como elaboração de projetos, fiscalização de rodovias e custos administrativos.”
O Ministério da Saúde afirmou na nota técnica que os investimentos da pasta são classificados em grande parte como atividades, e não como obras em andamento, e que as obras aumentariam as despesas de custeio para manter esses equipamentos nos anos seguintes.
A pasta disse à reportagem que não há risco de paralisação das obras em andamento. “A execução orçamentária acompanha o ritmo físico de cada projeto, com custos geralmente menores no início do projeto e ajustado ao longo do exercício para priorizar a continuidade de cada ação”, disse o ministério. No caso de Bio-Manguinhos, a construção vai ser feita por meio de parceria público-privada e não depende de despesas imediatas do Ministério da Saúde, segundo a pasta, “estando asseguradas as ações preparatórias previstas para 2026.”
No Ministério da Educação, o Pé-de-Meia, que voltou para o Orçamento com R$ 12 bilhões após o Tribunal de Contas da União (TCU) condenar os gastos paralelos do programa, acabou ocupando o espaço dos investimentos. “Embora o orçamento discricionário do órgão tenha apresentado crescimento global, o total de R$ 12 bilhões foi reservado especificamente para o Programa Pé-de-Meia, cuja natureza é de custeio (GND 3), não sendo, portanto, contabilizável como investimento, conforme os critérios do PLDO/2026″, afirma a pasta na nota.
Ao Estadão, o MEC disse estar em diálogo com a equipe econômica para que as obras não sejam afetadas. “A pasta também acompanha a execução e as entregas da obra do Museu Nacional e, até o momento, não foram identificados riscos de atraso.”