Estudo aponta pagamento indevido de R$ 9 bilhões em seguro-defeso entre 2013 e 2024
Por Bruna Lessa — Brasília / O GLOBO
Entre 2013 e 2024, o seguro-desemprego do pescador artesanal, conhecido como seguro-defeso, pode ter “vazado” até R$ 9 bilhões em recursos públicos, aponta estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O levantamento revela falhas graves na gestão do benefício, incluindo pagamentos indevidos, inconsistências cadastrais e registros em municípios sem relação com a atividade pesqueira, e destaca que o problema se intensificou após a transferência da operação do programa do Ministério do Trabalho para o INSS.
O seguro-defeso garante ao pescador artesanal um salário mínimo mensal durante o período de proibição da pesca, medida destinada à preservação das espécies. De acordo com o Ipea, em 2023, os gastos do governo federal com o programa superaram R$ 4 bilhões, beneficiando cerca de 896 mil pescadores.
— Um benefício dessa escala, com impacto orçamentário tão expressivo, não pode prescindir de um sistema de monitoramento centralizado, como o que existia quando estava sob a gestão do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) — afirma João Paulo Viana, técnico de planejamento e pesquisa do Ipea e autor do estudo.
Principais falhas identificadas
O levantamento aponta problemas graves na operação do programa, que abrem espaço para inconsistências e possíveis fraudes: Pagamentos indevidos: cerca de 20,6% das parcelas pagas entre 2013 e junho de 2024 foram a beneficiários que receberam mais parcelas do que o limite de quatro meses previsto nas normativas de defeso, sugerindo desvios que podem chegar a R$ 9 bilhões.
- Falta de coerência geográfica: registros de pagamentos foram identificados em municípios distantes da atividade pesqueira correspondente. Por exemplo, beneficiários em São Paulo receberam recursos de defesos vinculados a bacias hidrográficas do Maranhão, Paraíba e Rio Grande do Norte.
- Inconsistências cadastrais: a partir de 2019, cerca de 50% dos registros de CPF deixaram de ser informados, e falhas no Registro Geral da Atividade Pesqueira (RGP) indicam utilização de dados fora do formato esperado.
- Crescimento anômalo de beneficiários: em regiões como a Ilha de Marajó e áreas de influência da Usina Hidrelétrica de Tucuruí, o número de pescadores cadastrados cresceu de forma incompatível com a realidade local.
Operação Tarrafa e situação atual
A Operação Tarrafa, deflagrada pela Polícia Federal em 2022, — com o objetivo de desarticular organização criminosa que perpetrava fraudes milionárias no seguro-desemprego do pescador artesanal — reduziu temporariamente os desvios, mas o problema voltou a crescer em 2023, aproximando-se dos níveis de 2021. O estudo do Ipea descreve o fenômeno como uma “grande resiliência” das irregularidades e um efeito “efêmero” da ação policial.