Inadimplência do novo crédito consignado CLT está acima de 15%
Maeli Prado / FOLHA DE SP
Em meio a problemas técnicos e operacionais, a inadimplência do novo crédito consignado para trabalhadores do setor privado já alcança mais de 15% das operações, cenário que vem contribuindo para as taxas de juros mais elevadas do que o esperado na modalidade.
Dados da Dataprev (empresa de tecnologia do governo federal) mostram que, de uma amostra de 2,1 milhões de contratos de consignado CLT fechados entre funcionários e bancos, apenas 84,19% das primeiras parcelas foram efetivamente pagas até agora.
O patamar elevado de calote está relacionado com uma série de contratempos em processos necessários para confirmar a contratação do empréstimo e garantir o desconto em folha.
O empréstimo é liberado aos trabalhadores quando o contrato é fechado, mas há problemas nas etapas posteriores, e nem sempre os bancos recebem o pagamento da parcela vencida.
Na noite de quarta (20), os bancos suspenderam a contratação do crédito para que a Dataprev realize melhorias no sistema e faça a transferência de 4 milhões de contratos antigos para a nova plataforma do governo federal
Problemas nessas duas etapas respondem pela maior parte do atual nível de inadimplência. Quando se considera os contratos que foram escriturados, ou seja, que chegaram até a etapa final do processo burocrático, a inadimplência cai para 3,7%.
"Todo contrato é colocado na Dataprev, que dispara rotinas do valor que deve ser retido para pagar o trabalhador. Mas em alguns momentos há intermitências no sistema, e isso faz com que os bancos não recebam aquela parcela. É um problema técnico", diz Rafael Baldi, diretor adjunto de produtos da Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
Outra dificuldade é o lançamento dos contratos dentro do sistema das folhas de pagamento das empresas. "Algumas ainda têm dificuldade em lidar com esse processo, o que também acaba acarretando em não pagamento de parte dos contratos."
Leandro Vilain, CEO da ABBC (Associação Brasileira de Bancos), afirma que os problemas operacionais foram uma surpresa negativa para o setor financeiro.
"Há um alto índice de escriturações que não foram realizadas. É como se o empréstimo tivesse sido liberado, mas as empresas não lançaram a operação no eSocial", aponta. "É um processo que deveria ser mais automatizado".
O segundo maior problema, na avaliação de Vilain, é na hora da conciliação de pagamentos entre bancos e o eSocial, sistema digital que unifica o envio de informações previdenciárias e trabalhistas e que é gerido pela Caixa Econômica.
"A Caixa transfere o valor para o banco responsável pelo crédito. Mas às vezes chegam lotes de pagamento em valores distintos do que eram esperados pelo banco, e isso precisa ser conciliado. Há uma dificuldade dos bancos em identificarem o pagamento dentro do eSocial", aponta.
A expectativa da Febraban é que essa situação se normalize nos próximos meses, com aprimoramentos técnicos no sistema que conecta a Dataprev às empresas e orientações a empregadores, que estão sendo realizadas pelo Ministério do Trabalho.
Vilain, da ABBC, pondera que essas melhorias levam tempo para serem implementadas. "Existe uma evolução que precisa ser feita que envolve tecnologia e a Dataprev, a Caixa Econômica. São processos que estão em desenvolvimento. É uma questão de ir adaptando o sistema a um novo produto", diz.
JUROS DA MODALIDADE SUBIRAM
Lançado em 21 de março pelo Ministério do Trabalho e Emprego, o programa Crédito do Trabalhador ampliou a todos os trabalhadores o mercado do crédito consignado privado, que na prática era restrito a funcionários de companhias de maior porte, que possuem convênio com grandes bancos.
O novo programa passou a permitir a tomada de crédito pelos trabalhadores diretamente com as instituições financeiras através da plataforma da Carteira de Trabalho digital, elevando a concorrência e estimulando a entrada de bancos de menor porte nesse mercado.
A expectativa era de queda nos juros do consignado privado, mas isso não aconteceu.
Além da disparada da inadimplência, a avaliação das instituições financeiras é que o perfil de risco dos novos candidatos a esse crédito piorou, com maior rotatividade de emprego e salários menores.
Esse cenário fez com que as taxas do novo consignado aumentassem em relação à antiga modalidade. Os dados mais recentes da Dataprev mostram que os juros estavam em 3,58% ao ano em 13 de agosto, acima dos 2,9% registrados pelo Banco Central para o consignado privado em fevereiro, antes da implementação do programa.
As grandes instituições financeiras, mais seletivas na concessão de crédito, praticam taxas de juros menores, mas que subiram nas últimas semanas: de 2,66% ao mês no início de julho a 2,75% em 13 de agosto, último dado disponível.
As demais instituições, muitas delas focadas em crédito consignado, concedem empréstimos a tomadores de perfil mais arriscado e praticam juros de 4,15% ao mês.
São os bancos menores os que possuem maior participação no novo consignado privado, com 52% do total. Dados da Febraban mostram que cinco das maiores instituições financeiras do país (Itaú, Banco do Brasil, Caixa, Bradesco e Santander) respondem, somadas, por 48% do Crédito do Trabalhador.
O percentual está estacionado nesse patamar desde 4 de julho, contrariando as projeções da entidade, que previa expansão do peso dos grandes bancos nessa modalidade.
Além do calote acima de 15%, há alguns outros fatores que ajudam a refrear o apetite dos bancos pelo consignado privado. Um deles é o fato de que o Crédito do Trabalhador prevê o uso de 10% do FGTS (Fundo de Garantia por Tempo de Serviço) e verbas rescisórias como garantia, mas ainda não está regulamentado —esse ponto está em discussão nesta semana pelo comitê gestor do consignado privado.
Além disso, ainda não entrou em vigor a migração do crédito para um novo posto de trabalho caso o trabalhador troque ou saia do emprego, e nem a portabilidade do consignado —neste último caso, isso deve acontecer a partir de 25 de agosto.
Até agora, foram fechados 5,6 milhões de contratos, segundo a Febraban, totalizando R$ 27,8 bilhões concedidos. O prazo médio das operações é de 19 meses, e o valor médio dos empréstimos é de R$ 4.937.
Apesar do cenário complexo do Crédito do Trabalhador, os bancos defendem a importância da nova modalidade de crédito, que veem como uma alternativa interessante em relação a categorias como o rotativo de cartão de crédito, com uma taxa de 15,1% ao mês, segundo os últimos dados do Banco Central.
"É um produto positivo", afirma Baldi, da Febraban. "É uma alternativa saudável para quem precisa de crédito de emergência. É um produto ainda em ajuste, mas é promissor".