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Governo Lula tem baixa eficiência nos programas em que mais gasta dinheiro, aponta TCU

Por Daniel Weterman / O ESTADÃO DE SP

 

 

BRASÍLIA — O governo federal é falho nos programas em que mais gasta dinheiro, de acordo com análise do Tribunal de Contas da União (TCU) nas contas da gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2024.

 

O levantamento revela que o Poder Executivo não alcançou todas as metas estabelecidas em Previdênciasaúde educação superior e amargou desempenho ainda pior em educação básica e infraestrutura de rodovias ferrovias. Apenas o Bolsa Família teve 100% dos objetivos atingidos.

A Corte de Contas analisou as metas definidas pelo Poder Executivo e aprovadas pelo Congresso Nacional no primeiro ano de vigência do Plano Plurianual (PPA) 2024-2027. O PPA é uma lei que define objetivos para a administração pública em um período de quatro anos, por exemplo, número de crianças na escola e quilômetros de estradas a serem construídas, e os recursos necessários para cada ação.

 

Os técnicos analisaram dez programas do governo, que juntos representam 72,5% do Orçamento da União. Os ministérios envolvidos dizem que a restrição orçamentária dificulta a execução das políticas públicas e que um ano é pouco para cumprir as metas do PPA, embora a análise tenha se concentrado nas entregas que o governo planejou fazer no primeiro ano.

 

“Ao lado dessas questões técnicas, afloram restrições institucionais recorrentes: falta de pessoal especializado, escassez orçamentária e falhas de articulação federativa são apontadas pelos gestores em praticamente todos os programas que falharam – explicação que, embora válida, revela padrão estrutural de dificuldades de planejamento e coordenação", diz o parecer do ministro Jhonatan de Jesus, relator das contas presidenciais. “A consequência direta são obras paralisadas, prazos de análise de benefícios acima do legal e metas abandonadas logo no primeiro ano do PPA.”

Ministério do Planejamento e Orçamento afirmou que as conclusões do TCU demonstram a relevância do PPA na identificação dos desafios estruturais para políticas públicas, mas não devem ser o único balizador da efetividade dos programas.

 

“Esses desafios são estruturais justamente por serem resultado de anos de precarização das capacidades estatais. O governo atual está empenhado na reorganização e reconstrução dessas capacidades”, disse a pasta. Na área de infraestrutura, os programas estão nas primeiras fases de implementação e dependem de licenças ambientais, licitações e contratações, o que pode prejudicar o alcance das metas no primeiro ano do PPA, segundo o governo.

 

Entre os motivos da falta de eficiência, “uma das questões apresentadas refere-se à restrição orçamentária, resultado das restrições do cenário fiscal atualmente impostas”, segundo o ministério. Em outras situações, diz o Planejamento, “faz-se necessária a revisão e calibragem de metas e indicadores”.

Governo demora ao conceder benefícios e realizar perícias na previdência

Na previdência social, o TCU identificou demora na concessão de benefícios e espera para perícias médicas acima das metas estabelecidas. O governo gastou R$ 916,3 bilhões com previdência social em 2024. O tempo médio de decisão sobre os benefícios, porém, ficou 126,70% acima das metas. O tempo médio de espera para perícia médica ficou 110% acima do estabelecido.

 

O TCU também identificou falhas nos indicadores do PPA, que impedem uma avaliação sobre o desempenho do programa, pois utiliza termos genéricos como “fomentar” o regime de previdência complementar e “melhoria contínua” da prestação de serviços e benefícios previdenciários. Procurado pelo Estadão, o Ministério da Previdência Social não se manifestou.

 

TCU aponta paralisia de obras em rodovias e ferrovias; ministério nega

Na área de transportes, o TCU descreveu o desempenho como um “quadro crônico” em relação aos atrasos de obras em rodovias e ferrovias. Nas estradas federais, a Corte apontou que, mesmo com um orçamento liberado de R$ 12,8 bilhões, apenas 11% das metas de entrega foram plenamente atingidas.

 

O relatório aponta que o programa teve o terceiro pior desempenho do PPA, com licitações adiadas, falta de projetos de manutenção estruturada e paralisação na implantação do Documento de Transporte Eletrônico (DT-e), elaborado para unificar cadastros, registros e licenças em todos os transportes de cargas do País.

 

Além disso, segundo o TCU, o governo optou por definir metas para obras em quilômetros, sem avaliar se o transporte se tornou mais eficiente.

Ministério dos Transportes questiona as conclusões do TCU e afirma que os técnicos não consideram os números apresentados pelo próprio governo no PPA. Além disso, a pasta alega ter herdado um cenário sem contratações do governo anterior.

 

“Quando a gente entrou na gestão, a gente teve que fazer projeto, licitar e contratar. Faz muito sentido no meu primeiro ano de PPA estar começando a consolidar o que fizemos no início do governo. É bem natural isso”, afirmou ao Estadão o secretário executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro. “Aqui não é igual eu fazer um campinho de futebol e entregar. Aqui eu tenho normas muito rígidas de engenharia sendo cumpridas.”

 

De acordo com o ministério, o governo Lula 3 contabiliza 14 leilões de concessão rodoviária desde o início da gestão. Além disso, foram 54 quilômetros em duplicação de rodovias e, apenas com as duplicações a serem executadas em 2025 no Paraná, serão 200 quilômetros a mais.

 

O ministério diz ainda que o Documento Eletrônico de Transporte realmente ainda não foi implantado, mas não está paralisado, pois o órgão discute nesse momento uma solução tecnológica para integrar todos os sistemas de gestão e fiscalização. “Dizer que está paralisado é um absurdo. Em lugar nenhum do nosso relatório a gente diz isso. Eu não sei de onde ele tirou isso”, disse Santoro.

 

A análise do TCU mostrou ainda paralisação de três corredores de ferrovias estratégicos: Ferrovia de Integração do Centro-Oeste (Fico), Ferrovia de Integração Oeste Leste (Fiol) e Ferrovia Norte-Sul. Mas, de acordo com o governo, as obras não estão paradas. Na Fiol, havia obras paradas em função da falta de licenciamento ambiental em um trecho e do financiamento de um custo para transporte de brita em outro, mas os impasses já foram resolvidos, de acordo com o ministério.

 

Na Norte-Sul, segundo o secretário executivo, a operação de trens já está ocorrendo, mas ainda há acordos e licenciamentos não cumpridos que são questionados praticamente todos os meses e o governo discute atualmente a extensão da malha. Santoro diz ainda que a obra na Fico anda a “passos largos”. “Se você botar Fico no ChatGPT, vai ver a execução da obra.”

 

Educação básica não alcança qualidade, cobertura de saúde bucal recua e perigo em barragens aumenta

A educação infantil atendeu 37,3% das crianças de zero a três anos — a meta era 42% em 2024. A pandemia agravou a perda de aprendizagem no ensino fundamental, especialmente para os mais vulneráveis, segundo o TCU. A conectividade escolar avançou, mas ficou abaixo da meta de 70% de escolas públicas com banda larga, com as Regiões Norte e Nordeste concentrando os piores indicadores. O ensino médio, por sua vez, não alcança a meta do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) desde 2011.

Ministério da Educação afirmou ao Estadão que o governo tem compromisso com a melhoria contínua da gestão pública e educação de qualidade. O órgão disse que, em resposta ao monitoramento do PPA em 2024, realizou uma ampla revisão dos programas para tornar os objetivos e entregas mais realistas. “As recomendações do Tribunal de Contas da União (TCU) são consideradas como subsídios para aprimoramento das políticas e ações do setor”, afirmou a pasta.

 

O governo planejou inicialmente aumentar em 60% a oferta de saúde bucal no serviço público, mas o alcance foi de 45%, o que levou a Corte a classificar o desempenho como um recuo. Segundo o TCU, o indicador mede a oferta sem demonstrar se a população efetivamente recebe atendimento de qualidade.

 

Ministério da Saúde atribui a diferença a uma portaria de 2024 que alterou o cálculo da cobertura. O novo modelo, segundo a pasta, considera equipes mais completas, incluindo cirurgião-dentista, e utiliza a população projetada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para 2024, conferindo maior rigor técnico.

 

“Em resposta às recomendações do TCU sobre a necessidade de aprimoramento dos indicadores e metas do programa, o Ministério da Saúde está em processo de revisão da matriz de monitoramento e avaliação da Atenção Primária”, disse a pasta à reportagem. “O novo modelo de financiamento valoriza o desempenho no atendimento, incentivando melhorias contínuas.”

 

Na área de mineração, o TCU encontrou uma das maiores deficiências. Além de diversas metas não avaliadas por falta de apuração dos resultados, um objetivo não foi cumprido e ainda caminhou na direção contrária. O governo buscava reduzir o nível de emergência nas barragens, que reflete o perigo dessas estruturas, em 10%. O nível de emergência, porém, aumentou 14%. No ritmo atual, destacou o TCU “receia-se que não seja alcançado o objetivo de o setor mineral se tornar sustentável, seguro e atrativo a investimentos até 2027.”

 

Ministério de Minas e Energia afirmou que acolheu “com atenção” os apontamentos do TCU. O baixo desempenho do nível de segurança de barragens tem como parâmetro o aumento no número total de barragens classificadas em nível de emergência 2 e 3, mas, em compensação, houve redução no número de barragens em nível de emergência 3, o mais grave da escala de classificação, segundo a pasta.

 

“É relevante observar que o indicador, por sua natureza, é fortemente influenciado pelas ações dos empreendedores, e não apenas pelas atividades da equipe técnica da Agência Nacional de Mineração (ANM)”, afirmou o ministério. “O MME ressalta que os números apresentados no relatório referem-se ao monitoramento do primeiro ano de vigência do instrumento, etapa inicial em que são comuns ajustes operacionais e institucionais. Com isso, espera-se, um aumento progressivo neste percentual de atingimento das metas nos próximos anos.”

 

Bolsa Família atinge 100% das metas, mas ainda enfrenta entraves operacionais

O único programa do governo federal avaliado pelo TCU que cumpriu 100% das metas foi o Bolsa Família, que totalizou R$ 169 bilhões em 2024. A pobreza e a extrema pobreza no Brasil caíram significativamente desde 2012 entre beneficiários de políticas sociais. Em 2023, a extrema pobreza foi de 4,4% entre beneficiários contra 11,2% entre não beneficiários, comprovando o efeito positivo da transferência de renda, segundo a Corte de Contas.

 

Ainda há entraves operacionais apontados pelo relatório do TCU, como a atualização dos registros de saúde e educação pelos municípios, obrigatórios para as famílias continuarem recebendo o benefício. “Mesmo assim, o programa não apenas recuperou o terreno perdido na pandemia, mas também ultrapassou todas as metas de curto prazo”, diz o relatório.

 

Ministério do Desenvolvimento Social declarou ao Estadão que o Bolsa Família “é mais do que uma política de transferência de renda — é um passo fundamental para que as famílias brasileiras possam desenvolver autonomia, proteção e dignidade”. Sobre os entraves operacionais apontados pelo tribunal, o ministério afirmou que a falha ocorre devido ao “cenário de fragilidade operacional” herdado em 2023 e que o governo vem implementando ações para qualificar a gestão das condicionalidades.

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