Concessões de rodovias têm fiscalização comprometida por falta de equipamentos e normas
André Borges / FOLHA DE SP
A falta de equipamentos e de normas claras sobre sistemas de monitoramento de tráfego em rodovias federais operadas por concessionárias tem gerado distorções e fragilidades na fiscalização realizada pela ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres).
Além da ausência dessas instalações, há confusão sobre os critérios que devem ser seguidos sobre esses sistemas, fazendo com que cada concessionária interprete as suas obrigações de forma diferente. O resultado é um panorama distorcido da realidade das estradas federais, o que compromete decisões sobre a ampliação de capacidade e dificulta o acionamento de gatilhos contratuais, prejudicando usuários e as próprias empresas.
A Folha teve acesso a uma avaliação técnica que a ANTT realizou em 31 concessões de estradas federais, para verificar qual é a situação dos sensores automáticos de tráfego (SATs) instalados nessas rodovias. Esses equipamentos são usados para medir o fluxo de veículos e o comportamento do tráfego em cada trecho, permitindo à ANTT verificar, por exemplo, se o nível de serviço está sendo cumprido ou se há necessidade de obras, como duplicações ou faixas adicionais.
Um exemplo é a concessão da Ecovias, entre Rio de Janeiro e Minas Gerais, trecho de 726 km concedido em 2022. Segundo o relatório, o contrato com a empresa prevê a instalação de 127 equipamentos ao longo da estrada, englobando os dois sentidos da rodovia. O Sistema de Informações Rodoviárias da ANTT, porém, não registra a instalação de nenhum equipamento.
Por meio de nota, a Ecovias Rio Minas declarou que "está em processo de implementação dos sistemas automáticos de trafegabilidade (SATs) em todo seu trecho" e que os 127 equipamentos serão instalados "até o fim de setembro de 2025, conforme definido em contrato".
Em outras seis concessões de rodovias operadas pela Ecovias, as instalações ficaram dentro da média esperada.
No caso da Arteris, que administra diversas rodovias federais, o levantamento da ANTT mostrou que, na Fernão Dias, por exemplo, a empresa tem 16 trechos que precisariam da instalação de um leitor em cada um deles. Hoje, há apenas 6 equipamentos constando como ativos nos sistemas da ANTT.
Na Régis Bittencourt, a ANTT identificou 9 trechos, mas apenas 5 equipamentos constando como ativos. Na Autopista Litoral Sul, foram encontrados 22 trechos, mas somente 7 equipamentos constando como ativos.
Em cada um desses casos, a ANTT pontuou que a concessionária considera como unidade de equipamento cada uma das faixas da estrada, em vez de contabilizar cada trecho como um único sistema. A Arteris negou, porém, que esteja em situação irregular e afirmou que o critério de uma unidade por faixa está previsto no contrato de concessão.
"A Arteris esclarece que cumpre integralmente as obrigações contratuais previstas nos Programas de Exploração da Rodovia (PER) de cada uma de suas concessões no que diz respeito à instalação e operação dos equipamentos de sensoriamento de tráfego (SATs)", afirmou a empresa.
A concessionária declarou que adota como critério técnico e contratual a definição de unidade de detecção por faixa monitorada e "esse entendimento está alinhado com os contratos vigentes e com os aditivos assinados com a agência reguladora, inclusive refletido nos extratos dos próprios programas rodoviários atualizados".
O levantamento feito pela agência não tem caráter punitivo, mas sim o objetivo de apontar falhas de normas e vácuos legais que possam levar a erros de interpretação e a comprometer a fiscalização.
"Apesar da obrigatoriedade prevista em contrato, não há, até o momento, um padrão normativo próprio que estabeleça com precisão os critérios para a seleção dos locais de instalação dos SATs, ou mesmo critérios quanto aos equipamentos", afirma a nota técnica da ANTT.
"Diante disso, propõe-se uma abordagem que integre os parâmetros técnicos consolidados com a metodologia utilizada para definição de segmentos homogêneos nas rodovias federais, de forma a uniformizar critérios e promover maior eficiência regulatória."
Questionada sobre o assunto, a agência reguladora declarou que "está revisando a cobertura" dos equipamentos em todos os contratos de concessão rodoviária.
"Com base nos resultados dessa análise, poderão ser propostas revisões contratuais, quando necessário e viável, para cada concessionária. O objetivo é garantir que os equipamentos forneçam dados que permitam a análise e o acompanhamento do volume de tráfego e dos níveis de serviço ao longo dos trechos homogêneos das rodovias, contribuindo para a gestão eficiente da malha concedida", afirmou a ANTT.
Como revelou a Folha, todas as concessões federais de rodovias do país passarão a oferecer cobertura de acesso à internet em 100% de sua extensão. Também devem fazer parte do pacote informações sobre os serviços que são oferecidos ao longo dos trajetos, além de recursos baseados em inteligência artificial.
As negociações estão em andamento entre representantes da ANTT e das concessões rodoviárias federais em operação no Brasil. A previsão é que os acordos sejam fechados nas próximas semanas. A meta do governo é ter toda a malha coberta pelos sinais 4G até o primeiro trimestre de 2026.
Cenário geral
Empresas fiscalizadas: 31 concessionárias
Falta de estrutura: muitos trechos não possuem sistema de monitoramento, como exige a ANTT
Problemas de contagem: muitas concessões contabilizam um sistema de monitoramento por faixa, e não por trecho
Consequências: dados de tráfego distorcidos ou inexistentes e impossibilidade de fiscalizar níveis de serviço
Medidas: necessidade de se criar um normativo técnico oficial e obrigatório, que padronize a implantação e o uso dos sistemas de monitoramento
Fonte: Relatório ANTT