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Firjan: 750 cidades não cumprem regras de responsabilidade fiscal

RIO - Levantamento da Firjan feito a pedido do GLOBO mostra que 750 municípios brasileiros violam algum princípio do conjunto de regras e leis que regem a responsabilidade fiscal na administração pública. São cidades que fazem vista grossa quando os gastos superam as receitas e se endividam além do limite permitido para custear as despesas das prefeituras. Destas, 740 descumprem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Em 2008, os municípios infratores eram 78.

 

A principal infração é o estouro do limite de 60% da receita corrente líquida (arrecadação mais transferências constitucionais), estabelecido pela LRF, para pagamento de pessoal. São 740 cidades nessa situação — na maior parte, pequenos municípios. A média de população é de 22 mil habitantes. A má gestão dos recursos, a elevada dependência das transferências da União e a rigidez dos gastos são apontadas por especialistas como as razões para esse quadro, que se agravou com a crise econômica.

 

— Há clara incapacidade de gestão por parte dos municípios, especialmente os menores. Soma-se a isso o fato de as prefeituras terem custo fixo alto e receita variável. Não vejo saída. Houve uma extensão de direitos (com a criação de muitos municípios após a Constituição de 1988), mas esse processo não foi acompanhado de instrumentos que permitam a essas cidades gerar riqueza — avalia Marco Aurelio Ruediger, da Diretoria de Análise de Políticas Públicas da FGV.

 

PARAÍBA CONCENTRA PREFEITURAS ‘INFRATORAS’

 

Dezesseis municípios têm dívida superior a 120% da receita corrente líquida, limite da resolução 40/2001 do Senado. Outra norma do Senado que estabelece critérios de boas práticas na gestão fiscal, a resolução 43/2001, diz que as prefeituras não podem comprometer mais de 13% de sua receita líquida real (quando os empréstimos são excluídos da receita). Cinco cidades violam esse princípio. Como algumas descumprem mais de um indicador, a conta final fica em 750. A maior parte delas se concentra no Nordeste (516).

 

Das 740 cidades que gastam mais de 60% da receita com pessoal, 392 são reincidentes: estouraram o teto em 2014. Em algumas, o problema é tão crônico que há dez anos aparecem na lista da Firjan, que desde 2006 elabora o Índice Firjan de Gestão Fiscal. Neste são avaliados cinco indicadores: gastos com pessoal, custo da dívida, liquidez (restos a pagar), investimentos e receita própria (capacidade de arrecadação).

 

Com população estimada de 18 mil habitantes em 2015, Itapororoca (PB) é uma das cidades que desrespeitam a LRF há dez anos. Em 2015, 68,2% de seu orçamento foram usados para pagar o funcionalismo. O prefeito, Celso Moraes (DEM), culpa gestões anteriores. Segundo ele, foram feitos concursos públicos em 2004 e em 2010 sem o devido cuidado. O resultado, diz, foi falta de professores de inglês e matemática, com sobra em outras áreas:

 

— Peguei essa herança. Mas já conseguimos reduzir o número de funcionários de 1.600 para cerca de 800. Cortamos comissionados, e muitos concursados saíram depois que implementei o ponto digital. Eles não apareciam e inchavam a folha.

A Paraíba é o estado que mais concentra prefeituras que infringem a lei: 111 das 223. Para Anderson Pereira Ortiga, secretário executivo da Federação das Associações de Municípios da Paraíba (Famup), isso se explica pelo elevado grau de dependência dos repasses da União e a impossibilidade de essas transferências cobrirem as despesas:

 

— Houve uma municipalização dos serviços de saúde e educação após a constituição de 1988. Os municípios recebem os encargos, mas não conseguem gerar as receitas. O salário mínimo vem sendo reajustado acima da inflação. Mas as transferências não são reajustadas no mesmo ritmo.

 

Segundo Ortiga, 140 dos 223 municípios paraibanos têm até 10.178 habitantes, linha de corte para o menor valor de repasses do Fundo de Participação de Municípios (FPM). Este é custeado por tributos federais (IR e IPI), repartidos de acordo com o número de habitantes das cidades.

 

A pequena Nazaré da Mata, na Zona da Mata pernambucana, tem maior dívida do país em termos proporcionais. Com população estimada em 32 mil habitantes em 2015, sua dívida atingiu 221,5% da receita. O prefeito Egrinaldo Coutinho (PTB) afirma que o endividamento é necessário para manter os serviços. Para enfrentar a crise, ele cortou seu salário e os de seus secretários em 20% e cancelou festividades. Nem a tradicional distribuição de peixe na Semana Santa foi mantida.

 

— Cortamos o que pudemos. Só mantive o carnaval, porque é uma festa internacionalmente reconhecida, que traz muitos turistas — diz Coutinho.

 

O economista-chefe da Firjan, Guilherme Mercês, avalia que o nível de endividamento é pontual para alguns municípios. A dívida de São Paulo, por exemplo, correspondia a 185% de sua receita em 2015. São Paulo e Macapá (AP) são as únicas capitais na lista da Firjan. Segundo a prefeitura da capital paulista, a renegociação da dívida com a União permitiu que o nível de endividamento caísse para 74% da receita no primeiro quadrimestre de 2016. O GLOBO não conseguiu contato com a prefeitura de Macapá.

 

ESPECIALISTA SUGERE FUNDO DE ESTABILIZAÇÃO

 

Para Rodrigo Orair, pesquisador do Ipea e especialista em finanças públicas, a solução para a situação dos municípios, do ponto de vista estrutural, passa por três pontos. O primeiro seria uma revisão no sistema de transferências, a fim de evitar que algumas cidades ganhem demais, e outras, de menos. O segundo seria uma reforma tributária, e o terceiro, a criação de um fundo de estabilização fiscal. Em tempos de bonança, quando a arrecadação cresce, parte das transferências da União iria para esse fundo, que, em épocas de vacas magras, complementaria a receita dos municípios.

 

— Perdemos a oportunidade de criar esse fundo quando a economia bombava — destaca Orair — Quanto aos impostos, temos uma carga tributária pró-cíclica, que cresce quando a economia cresce e cai quando a economia se retrai. Precisamos de tributos anticíclicos, que mantenham a arrecadação mesmo em momentos de crise. Isso é possível se tributarmos mais a propriedade e a renda e menos os bens, serviços e lucros das empresas.

 

Para Orair, a curto prazo, as contas municipais só fecharão se houver apoio adicional do Tesouro Nacional, como em 2009 e 2013 — quando houve repasses de R$ 2,4 bilhões e R$ 3 bilhões, respectivamente. Não é uma ajuda desprezível, se considerado o montante repassado no âmbito do FPM em 2015 (R$ 68,4 bilhões). Procurado sobre um possível novo aporte, o Tesouro não se manifestou. O GLOBO




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