Com Pai Nosso ao lado de padre e menção a 'ladrão de celular', Lula ajusta discurso para conquistar conservadores
Por Jeniffer Gularte — Brasília / O GLOBO
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a modular seus discursos para falar a “mesma língua” de segmentos conservadores. Na quarta-feira, em visita ao Rio Grande do Norte, Lula, pela manhã, pediu a reza de um “Pai Nosso” ao lado de um líder religioso. À tarde, em evento no Ceará, afirmou que não vai permitir que “a república de ladrão de celular” assuste as pessoas nas ruas do país. No dia anterior, na fábrica da Toyota em Sorocaba (SP), o presidente usou o discurso da prosperidade, caro aos evangélicos, ao contar a história de uma jovem da periferia de Brasília que passou em cinco vestibulares de medicina e afirmou que “vencer na vida é maravilhoso”.
Auxiliares de Lula têm levado ao gabinete presidencial pesquisas que apontam que a segurança pública é um dos principais problemas para o brasileiro atualmente. O furto e roubo de celular surgem nesses levantamentos como o ponto que mais preocupa a população quando questionada sobre violência urbana. Os estudos mostram que o temor atinge todas as camadas sociais e envolve um bem indispensável para o dia a dia, seja para trabalho ou lazer e apontam que muitas pessoas já foram vítimas do crime mais de uma vez. Lula foi alertado que assim como a inflação de alimentos, esse é um problema que também arranha a imagem do governo federal, apesar de a segurança pública ser uma atribuição dos estados, de acordo com a Constituição.
Além disso, a reclamação sobre furto e roubo de celular se concentra em um eleitor que “flutua” entre a esquerda e a direita, revelam os levantamentos. Internamente, já estão sendo discutidas políticas específicas que possam ajudar a inibir o crime. Uma ala do governo afirma que não basta apenas Lula aumentar o tom do discurso, mas precisa mostrar uma solução prática. Enquanto os programas estão em fase de gestação, Lula deve seguir repisando o tema para mostrar que está atento ao problema.
Os gestos de Lula também buscam desarmar narrativas frequentes empregadas no ambiente virtual. A oposição e o próprio ex-presidente Jair Bolsonaro já alegaram, em diversas ocasiões, que Lula defende quem pratica o furto de smartphones. Depois que o ciclista Vitor Medrado foi morto em 13 de fevereiro durante um assalto para levar seu celular no Itaim Bibi, bairro nobre de São Paulo, voltou a circular nas redes sociais vídeo em que Lula condena a violência policial contra praticantes desse tipo de roubo.
Para se contrapor à artilharia, Lula usou a cerimônia de inauguração do Hospital Universitário do Ceará (HUC) para empregar um tom diferente do que costuma adotar, ao afirmar que “o Estado é mais forte que bandido”, “lugar de bandido não é na rua assaltando, assustando e matando as pessoas”, além de defender a PEC da Segurança.
Lula fez reuniões nos últimos dias sobre a Proposta de Emenda à Constituição elaborada pelo Ministério da Justiça. Na quarta-feira, afirmou que “vamos ter que enfrentar a violência sabendo que nós vamos ter que enfrentar o crime organizado”. Lula também deverá passar a reforçar o papel da Polícia Federal na apreensão de drogas e no desmantelamento de esquemas financeiros de organizações criminosas.
Secretário Nacional de Comunicação do PT, o deputado Jilmar Tato (SP) reconhece que segurança é um tema que o PT tem se debruçado e o governo também:
—O PT até agora não achou embocadura para esse tema, mas o governo, depois de muitos debates, não está mais tendo essa confusão. Bandido tem que ser julgado e ir pra cadeia, cara que rouba tem que ser julgado e pagar pelo que fez, sendo pobre ou rico. Essa é a mudança conceitual e de comportamento do ponto de vista de como tratar o tema e a linguagem.
Guerra santa
A aparição ao lado de um religioso também acontece em meio a uma batalha política entre bolsonaristas, setores da esquerda e católicos nas plataformas, que tem como pivô o líder católico Frei Gilson. Conhecido por fiéis pelas pregações e transmissões ao vivo, o frade virou alvo de críticas da esquerda por falas sobre submissão feminina e anticomunismo. Apesar de nunca ter declarado apoio a Bolsonaro, ele passou a ser abraçado por apoiadores do ex-presidente.
Ao viajar para o Rio Grande do Norte para inauguração da Barragem de Oiticica, Lula fez um discurso repleto de referências religiosas, mencionou Deus diversas vezes e até pediu para um padre rezar o “Pai Nosso”. Auxiliares negam que o gesto de Lula foi premeditado com a polêmica em torno de Frei Gilson e afirmam que já estava prevista a presença do arcebispo emérito de Natal Dom Jaime Vieira Rocha no palanque do evento.
— Eu vim hoje aqui em agradecimento a tudo que Deus nos deu. Então queria que o Dom Jaime pudesse puxar um Pai Nosso, que é uma reza de todas as religiões, para a gente agradecer a Deus esse dia de São José que nós estamos inaugurando a Barragem de Oiticica — afirmou Lula.