Patrimonialismo escancarado
Por Notas & Informações / O ESTADÃO DE SP
O presidente Lula da Silva indicou a advogada Verônica Abdalla Sterman para a vaga no Superior Tribunal Militar (STM) a ser aberta pela aposentadoria do ministro José Coêlho Ferreira, em abril. A data escolhida para o anúncio da indicação, o Dia Internacional da Mulher, celebrado no sábado passado, não poderia ser mais ilustrativa das reais intenções do petista: fazer política por meio da ocupação de tribunais superiores e, de quebra, agraciar amigos ou aliados políticos com sinecuras, ao custo do abastardamento do Poder Judiciário e do vilipêndio do melhor interesse público.
Em que pese a prerrogativa do presidente da República de indicar para a mais alta instância da Justiça Militar qualquer advogado maior de 35 anos, de notório saber jurídico e conduta ilibada, não se tem ideia dos conhecimentos da sra. Sterman no campo do Direito Penal Militar, o que poderia ser atestado por sua produção acadêmica e/ou experiência profissional nessa área, ambas desconhecidas. Sabe-se, isso sim, que a advogada ostenta credenciais que Lula da Silva valoriza mais do que qualquer outra coisa quando tem de preencher vagas abertas em tribunais superiores: lealdade a companheiros petistas e apoio político graúdo.
Verônica Sterman foi responsável pela defesa jurídica de Gleisi Hoffmann e Paulo Bernardo no auge das agruras do então casal durante a Operação Lava Jato. Ademais, a indicada para o STM contou com o apoio explícito da primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja. A ausência de afinidade da sra. Sterman com a legislação militar, ao que parece, não é nada comparada à força de patrocinadoras de sua causa tão influentes junto ao presidente da República, como sua mulher e sua nova ministra de Relações Institucionais.
A indicação de mais mulheres para altos cargos da administração pública e para compor os tribunais superiores não é apenas desejável, como também mandatória para um país que se pretende mais republicano, justo e civilizado, deixando os rastros de misoginia e preconceito no passado. Mas a questão que obviamente se impõe é: sem prejuízo das qualidades que a sra. Verônica Sterman possa ter para exercer sua profissão, não havia outra mulher no Brasil um tanto mais preparada para tomar assento no STM? É algo sobre o que o Senado há de se debruçar em futura sabatina.
Se a indicação demonstra descaso com a Justiça Militar, em particular, e desprestigia o Poder Judiciário como um todo, a ninguém é dado alegar surpresa com a escolha de Lula da Silva para o STM. Afinal, é esse o padrão do petista em seu terceiro mandato presidencial, qual seja, a ocupação de tribunais superiores com o claro objetivo de fortalecer politicamente o governo nos embates com o Poder Legislativo e, como se isso não bastasse, presentear com altos cargos na magistratura quem se dedicou à defesa pessoal do próprio presidente ou de seu aliados, como é o caso da defensora de Gleisi Hoffmann e de seu ex-marido.
Nesse sentido, a indicação de Verônica Sterman para o STM não é essencialmente diferente das indicações de Cristiano Zanin e Flávio Dino para o Supremo Tribunal Federal (STF). No primeiro caso, Lula da Silva decidiu premiar seu advogado e amigo pela forma aguerrida, digamos assim, com que Zanin atuou na defesa do petista nos processos da Lava Jato. Em relação a Dino, a motivação foi outra, mas igualmente antirrepublicana: preencher o Supremo com um ministro notavelmente político, disposto a exercer, na Corte, o mesmo enfrentamento político que realizava como ministro da Justiça e Segurança Pública. Não custa lembrar que, ao indicar Dino, Lula chegou a verbalizar que “sonhava” com uma “cabeça política” na mais alta Corte de Justiça do País.
Houve um tempo em que as maiores preocupações dos brasileiros em relação às indicações para os tribunais superiores eram o grau de parentesco do ministro Marco Aurélio Mello com o ex-presidente Fernando Collor e o fervor religioso do ministro André Mendonça, indicado por Jair Bolsonaro.
Lula da Silva aí está para provar que a degradação institucional motivada por interesses pessoais ou políticos sempre pode ir mais fundo num governo do PT.