Recuo entre mais pobres e crise do Pix: saiba tudo sobre a pesquisa Genial/Quaest que mostrou queda na aprovação de Lula
Por Caio Sartori, Bernardo Mello, Karolini Bandeira e Jeniffer Gularte — Rio e Brasília / O GLOBO
Pela primeira vez, o percentual de reprovação ao terceiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) junto à população brasileira superou numericamente a aprovação na série histórica da pesquisa Genial/Quaest. O resultado divulgado na segunda-feira mostra que ainda há um empate técnico entre os dois grupos (49% a 47%) no limite da margem de erro, que é de um ponto percentual, mas aponta para uma tendência que desafia a atual gestão federal: houve queda de cinco pontos no apoio a Lula 3 frente a dezembro, enquanto a rejeição ao governo avançou dois pontos.
Os segmentos que puxaram a piora foram aqueles que costumam despontar — e ainda despontam — como base de sustentação de Lula. Eleitores de baixa renda e moradores do Nordeste registraram quedas de sete e oito pontos na aprovação, respectivamente. Para o instituto, o cenário resulta da mistura entre frustração com promessas não cumpridas, alto preço dos alimentos e notícias negativas recentes, sobretudo a crise do Pix. Já o discurso no governo é o de que, por causa desses fatores, a piora era esperada — e a aposta para reverter o momento negativo é na comunicação.
Na pergunta sobre como os entrevistados avaliam o governo, também houve uma virada. A fatia que vê a gestão Lula de forma negativa avançou seis pontos e agora soma 37%, enquanto a avaliação positiva recuou de 33% para 31%. São 28% os que avaliam que o governo é regular. No mês passado, esse grupo representava 34% do total.
A pesquisa, que ouviu 4,5 mil eleitores, foi a campo entre quinta e domingo, o que significa que pegou a crise do Pix ainda quente, pouco depois da revogação da medida formulada pela Receita Federal. Para 66% dos entrevistados, a condução do governo no episódio foi equivocada, e apenas 19% veem a postura como correta.
— Foi um mês muito difícil para o governo. Na questão do Pix, mesmo tendo discussão sobre fake news etc, a população recebeu a discussão de forma muito negativa. Os brasileiros demonstraram muito receio, principalmente os mais pobres — afirma o diretor de Inteligência da Quaest, Guilherme Russo.
Alta dos alimentos
Tema cada vez mais explorado pela oposição, o aumento no preço dos alimentos é outro elemento central para a degradação do desempenho de Lula. São 83% aqueles que avaliam que os preços pioraram em comparação com o mês anterior, maior percentual da série histórica deste mandato. Na semana passada, em reunião ministerial, o presidente cobrou medidas dos ministros para aliviar o problema, que tem entre as causas a seca e os incêndios registrados em 2024.
O grupo alimentos e bebidas teve inflação de 7,69% no acumulado do último ano, percentual acima dos 4,83% do índice geral. Na prática, as pessoas estão sentindo o poder de compra corroído, a despeito de o governo ostentar bons indicadores macroeconômicos — como aumento acima de 3% do PIB e desemprego no menor patamar da série iniciada em 2012.
— Os números têm sido positivos no crescimento da economia e no desemprego. Mas, assim como nos Estados Unidos, a inflação dos alimentos continua alta, e isso tem um impacto. A percepção das pessoas é de que a melhora não está chegando para elas — avalia Russo.
Por causa desses dois fatores, Pix e preço da comida, ministros já vaticinavam uma queda na pesquisa. A principal aposta, dizem, está na mudança na comunicação, assumida por Sidônio Palmeira. O marqueteiro da campanha de Lula em 2022 entrou na Secretaria de Comunicação Social (Secom) no início deste ano e pretendia já impor uma marca, mas lidou logo de cara com a novela do Pix, que deixou o governo nas cordas.
— O preço dos produtos que subiram foi sentido na prateleira, na feira e dentro de casa. É um problema real, mas tem solução. A decisão já foi tomada, e o governo já está cuidando. Também acho que a chegada do Sidônio e a organização da orquestra da comunicação geraram um sentimento de ‘time’ no governo. Vamos melhorar cada vez mais — afirmou o ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento Social.
Impacto na base
A inflação dos alimentos é facilmente associada, como tem feito a oposição, a uma das promessas mais simbólicas de Lula na campanha de 2022: a volta da picanha e da “cervejinha” ao fim de semana dos brasileiros. Outra pergunta da pesquisa Quaest evidencia o sentimento de frustração com o atual governo: passou para 65%, cinco a mais do que em dezembro, o percentual de entrevistados que acham que Lula não está conseguindo fazer aquilo que prometeu em campanha.
— Havia muita expectativa para esse governo. Quando o tempo vai passando, as pessoas vão querendo cobrar mais. “Será que minha vida está melhorando?” A pesquisa mostra que o governo não está conseguindo criar o que se esperava — aponta o diretor da Quaest. — O governo fez o diagnóstico da comunicação, mas está muito claro que vai ter que entregar questões de gestão também, não só comunicação.
Quando são consideradas as regiões do país, a que mais registrou mudanças de dezembro para janeiro foi o Nordeste, principal base eleitoral de Lula. Os nordestinos ainda aprovam mais do que desaprovam o governo, mas o resultado passou de 67% a 32% para 59% a 37%. Em pontos, a diferença entre a parcela dos que veem a gestão com bons olhos e os que não gostam dela deixou de ser de 35 e agora é de 22.
Enquanto Sudeste e Centro-Oeste/Norte tiveram oscilações mais discretas, o Sul também passou a reprovar bem mais o governo. A desaprovação passou de 52% para 59%, e a aprovação recuou de 46% para 39%.
Outro recorte que ilustra a deterioração da base é a faixa salarial dos que ganham até dois salários mínimos, que teve a maior mudança entre os três estratos de renda considerados na pesquisa. De 63% a 34% em dezembro, o placar favorável ao governo diminuiu e passou a ser de 56% a 39%.
Na faixa de renda seguinte, com ganho familiar acima de dois salários mínimos e de até cinco salários, uma das apostas do presidente para melhorar a popularidade, a aprovação caiu cinco pontos percentuais, de 48% para 43%, enquanto a reprovação avançou de 50% para 54%, reforçando a dificuldade do petista em falar com essa fatia da população.
Ao mesmo tempo, Lula teve avanço de um mês para outro entre aqueles que declaram ter votado no petista no segundo turno de 2022: a aprovação foi de 77% para 81%. Mas, em sinal de que tem perdido a confiança de quem não é lulista, o presidente viu o indicador entre eleitores de Jair Bolsonaro (PL) cair de 18% para 10%, enquanto a reprovação no eleitorado que votou no adversário avançou oito pontos para 88%.
Na análise por gênero, as oscilações entre homens e mulheres foram parecidas no último mês, mas o movimento mais crítico para o petista é o que mostra a parcela feminina da sociedade. Em julho do ano passado, elas chegaram a dar um resultado favorável de 57% a 39% para a aprovação ao governo, mas agora registram empate no limite da margem de erro — 49% das mulheres aprovam o trabalho do presidente, contra 47% que desaprovam. Entre os homens, são 52% os desfavoráveis e 45% os favoráveis à atual administração.
— É fundamental buscar esse grupo de eleitores que foram a base da vitória de Lula. Um grande desafio para o governo é trazer essas pessoas de volta para deixar o governo de novo em um patamar mais competitivo, pensando na eleição de 2026 — diz Guilherme Russo, da Quaest.