Governo cede e mantém ‘maquiagem’ em gastos com pessoal nos Estados
BRASÍLIA - Pressionado pelo Judiciário e pelos Ministérios Públicos estaduais, o governo cedeu e flexibilizou a regra que define o que é despesa de pessoal dentro do projeto de lei de socorro aos Estados. Para garantir no Congresso a aprovação da matéria, o governo concordou com o apelo dos líderes na Câmara dos Deputados e retirou do cálculo da folha salarial os gastos com terceirização, indenizações, auxílios e despesas de exercícios anteriores de quatro categorias de funcionários públicos.
A mudança, negociada pelo presidente em exercício Michel Temer e o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, estabelece que esses benefícios recebidos pelos servidores do Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria Pública e dos Tribunais de Contas na esfera estadual não serão considerados na conta de gastos com pessoal para efeito da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que limita essa despesa a 60% da receita corrente líquida. Será uma regra de transição que vai durar 10 anos.
Por outro lado, como contrapartida exigida pelo governo federal, essas despesas ficarão sujeitas a um limite para o gasto com pessoal. Ou seja, não poderão crescer mais que a inflação do ano anterior.
A definição, em lei, do que deve ser considerado despesa com pessoal pelo setor público era uma medida tida como essencial pelo governo para barrar o a chamada “maquiagem” dos dados. Muitos Estados ficam enquadrados nos limites de pessoal definidos pela LRF, embora tenham gastos mais elevados com a folha.
“É preocupante que uma proposta que objetivava reforçar a austeridade fiscal venha eventualmente a oficializar brechas na LRF, como para dizer que parte do que os governos pagam em contracheques não constitui despesas de pessoal”, disse José Roberto Afonso, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Para ele, seria melhor nada mudar. “Fica uma dúvida de leituras diferentes do que determinava a LRF, mas não se formalizaria as benesses e as exceções.”
Avanço. Se aprovada, a medida dá um prazo para esses órgãos voltarem a se enquadrar à Lei de Responsabilidade Fiscal. Apesar das críticas, o Ministério da Fazenda considera que houve um avanço nas negociações, já que haverá o teto para o crescimento da despesa de pessoal, que não existia na proposta original. “É um ajuste específico que não compromete a disciplina fiscal que o projeto endereça para os Estados”, disse ao Estado um integrante da equipe econômica. Segundo a fonte, o saldo final das negociações foi positivo.
A secretária de Fazenda de Goiás, Ana Carla Abrão, questionou o tratamento diferenciado desses quatro órgãos do Judiciário em relação ao Executivo estadual. “Por que o tratamento diferente em relação ao Executivo? São dois pesos e duas medidas”, disse. Segundo ela, o problema de gastos com pessoal elevados é disseminado entre os Poderes.
Para a área técnica da Fazenda, a mudança do projeto mostrou mais uma vez a força do corporativismo, que não quer expor a realidade dos números dos auxílios concedidos, como moradia, alimentação e paletó. Ao longo do tempo, esses órgãos foram criando verbas que fogem dos limites de despesas de pessoal.
Pela proposta inicial, esses gastos seriam considerados despesas de pessoal. As mudanças foram negociadas por Meirelles com o relator do projeto da dívida dos Estados, deputado Esperidião Amin (PP-SC) e com o líder do governo na Câmara, André Moura (PSC-SE). / COLABOROU RACHEL GAMARSKI / O ESTADO DE SP