Governo pretende começar reforma da renda pela pessoa física, diz secretário de Haddad
Adriana Fernandes / folha de sp
O secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Guilherme Mello, antecipa à Folha que a reforma da renda deverá ser dividida em etapas. Mello diz que faz mais sentido apresentar os projetos de lei separadamente do que em conjunto.
Na entrevista, o auxiliar do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirma que o governo amadureceu a proposta e explica o roteiro da estratégia para a reforma da renda, o imposto mínimo global, com cobrança de alíquota efetiva de 15% sobre o lucro das multinacionais, e a taxação das big techs.
As propostas fazem parte da agenda econômica do Ministério da Fazenda que Haddad quer tocar ainda neste segundo semestre após as eleições municipais. A pauta que tem como estratégia a recomposição da base de arrecadação do governo federal para 2025 e os anos seguintes.
"Não precisa enviar tudo junto. É diferente da reforma do consumo, que é uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição], e que tem que fazer tudo junto", afirma.
O primeiro projeto deverá ser o da reforma da renda da pessoa física. Segundo ele, o governo está trabalhando uma proposta que atenda a ideia de justiça tributária e também de alívio da carga sobre a classe média, demanda do presidente Lula, que já prometeu a correção da faixa de isenção para R$ 5.000. O valor atual é dois salários mínimos (R$ 2.824).
Mello diz que é possível seguir essa divisão da reforma da renda em meio à discussão da volta da tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos aos acionistas das empresas —hoje, isenta hoje no Brasil.
Em resposta à cobrança das empresas em atrelar a volta da cobrança dos dividendos a uma alteração no IRPJ (Imposto de Renda da Pessoa Jurídica), o secretário disse que há vários caminhos para conduzir esse processo.
"Temos várias frentes avançando na tributação da renda. Pessoa física, jurídica, investimentos financeiros. Não precisa mandar todas de uma vez", reforça.
Envolvido nas discussões sobre a melhoria da tributação da renda desde a elaboração do programa de governo do presidente Lula, Mello avalia que o primeiro passo a dar, antes de o Brasil implementar a tributação dos super-ricos, é corrigir o modelo do Imposto de Renda do país (veja detalhes abaixo).
O secretário afirmou que o movimento de recomposição da base fiscal do Estado não acabou com as medidas já aprovadas em 2023 e 2024: "O objetivo não é aumentar imposto é recompor o que está sendo perdido."
O governo já encaminhou ao Congresso as medidas tributárias de aumento das alíquotas da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) e do JCP (Juros sobre Capital Próprio) para o ano que vem. O projeto foi enviado junto com a proposta de orçamento de 2025.
No anúncio do projeto da lei orçamentária, o governo incluiu no cardápio das compensações à desoneração da folha de pagamentos a taxação das big techs e o imposto mínimo global.
Veja o roteiro das medidas tributárias
Reforma da Renda
O ministério pretende enviar a proposta em etapas. Para a reforma da renda pelo lado da pessoa física, o governo terá que conciliar a proposta com a promessa do presidente Lula de garantir a isenção até quem ganha R$ 5.000. Hoje, a faixa está em dois salários mínimos (R$ 2.824,00). Pelo lado das empresas, o desafio é equilibrar a volta da cobrança da taxação de lucro e dividendos com a demanda do setor empresarial de redução do IRPJ.
Imposto Mínimo Global
O acordo internacional sobre o imposto mínimo entrou em vigor no dia 1º de janeiro deste ano. Ele garante a cobrança de uma alíquota efetiva de 15% sobre o lucro das multinacionais. O Brasil não adotou ainda.
Hoje, existem países que não cobram Imposto de Renda ou têm alíquotas muito baixas, os chamados paraísos fiscais. A ideia do imposto é evitar que tenha uma movimentação de planejamento tributário das grandes empresas para fugir da tributação.
"Se tem uma grande empresa aqui que o Brasil, por algum motivo, cobrou menos do que aquele imposto mínimo, 15% de alíquota, dadas algumas deduções, o país de origem pode cobrar a diferença", explica o secretário.
Para a sua implementação, os fiscos dos países construíram um sistema para permitir esse trabalho, como o compartilhamento de informação, de quanto foi cobrado em cada lugar.
Big Techs
A proposta de tributação das big techs é outra medida que está sendo elaborada pelos técnicos da Receita e que será encaminhada ao Legislativo ainda no segundo semestre, como antecipou a Folha.
"No mundo inteiro, esse é um problema. E tem muita gente querendo taxar, tributar também por aqui. Vamos dar um exemplo aqui de algo que a gente acabou de fazer com a regulamentação das apostas", diz o secretário. Segundo ele, esse é um mercado novo, que gera muita receita, que não é taxada no Brasil.
Elevação da CSLL e do JCP
O projeto aumenta as alíquotas do CSLL de 1º de janeiro a 31 dezembro de 2025 para as empresas em geral, bancos e seguradoras. As instituições financeiras terão um aumento maior. Pelo projeto, a alíquota dos bancos CSLL subirá dois pontos percentuais, de 20% para 22%.
As demais empresas terão a alíquota majorada em um ponto percentual, de 9% para 10%. A cobrança sobre as empresas de seguros privados e capitalização subirá de 15% para 16%. Nos cálculos da Receita Federal, a alta garante R$ 21 bilhões em 2025 e R$ 32,56 bilhões entre 2025 e 2027. O JCP sobe de 15% para 20%.
Taxação dos super-ricos no G-20
A ideia base do economista prevê um imposto de 2% sobre o patrimônio dos cerca de 3.000 pessoas que detêm mais de US$ 1 bilhão ou R$ 5,15 bilhões (mais de cem deles na América Latina), o que geraria uma receita de US$ 250 bilhões.
"Seria um Pilar 3. É uma tributação sobre a renda, isso é importante dizer. Não é sobre patrimônio", diz Mello. Ele explica que, em vez de você calcular o imposto a pagar em relação à renda declarada, a cobrança seria feita com base no seu patrimônio declarado. "Tem bilionário que você pega a declaração de imposto de renda dele ele não tem renda. E, portanto, ele não paga imposto de renda. Ele aloca a renda que recebe em rendas isentas e não paga nada".
Se no imposto de renda, ele já pagou 2% sobre o patrimônio, não vai precisar pagar nada. Se pagou menos do que isso, terá que complementar até chegar a 2% do seu patrimônio.
Mello diz que fazer a taxação dos super-ricos no Brasil é um desafio, já que a tributação brasileira é maior sobre o consumo e menor sobre a renda. "A pessoa física que ganha R$ 4 milhões ou R$ 4.000 paga a mesma alíquota efetiva", ressalta.