Eleições na Venezuela: Itamaraty impõe sigilo de 5 anos em documentos enviados ao TSE
Por Rafael Moraes Moura— Brasília / O GLOBO
O Itamaraty colocou sob sigilo de cinco anos os seis ofícios que enviou ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições presidenciais na Venezuela. A posição da diplomacia brasileira foi enviada à equipe da coluna após o pedido para obter os documentos via Lei de Acesso à Informação.
A reportagem solicitou os ofícios após revelar que o governo Lula pressionou o TSE a enviar servidores para acompanhar in loco a tumultuada eleição presidencial venezuelana. O tribunal depois recuou e não enviou seus funcionários.
O resultado da eleição não é reconhecido pela maioria da comunidade internacional até hoje por conta da postura do governo Maduro de não divulgar publicamente as atas com os números de cada seção eleitoral, o que permitiria uma verificação por instituições independentes não controladas pelo chavismo.
Os seis ofícios do Itamaraty enviados ao TSE vieram da divisão de Colômbia, Guiana, Suriname e Venezuela do Itamaraty e foram classificados como “reservados” (com sigilo de cinco anos) pelo embaixador João Marcelo Galvão de Queiroz, diretor do Departamento de América do Sul do Itamaraty. Em todos os casos, as razões para a classificação estão escondidas sob uma tarja preta.
Segundo o Itamaraty, os primeiros três documentos tratam de temas como “observação internacional às eleições presidenciais venezuelanas” (tema do primeiro ofício, enviado em 15 de abril deste ano), “registro eleitoral nas eleições venezuelanas” (7 de maio)” e “convite a representantes do TSE para que observem as eleições presidenciais venezuelanas” (17 de maio). Esses três ofícios foram enviados ao TSE ainda na gestão de Alexandre de Moraes, que deixou o comando do tribunal no início de junho.
Em nota divulgada em 30 de maio, no fim da gestão de Moraes, o TSE comunicou que não mandaria ninguém para a Venezuela.
Depois que Cármen tomou posse como presidente do TSE em 3 de junho, mais três ofícios foram enviados pelo Itamaraty à Corte Eleitoral, com os seguintes tópicos: “missões internacionais de observação eleitoral nas eleições locais” (28 de junho), “exercício de simulação das eleições presidenciais venezuelanas” (3 de julho) e “observação internacional às eleições presidenciais venezuelanas” (12 de julho), indicando que, apesar da posição pública da gestão Alexandre de Moraes, o Itamaraty ainda insistia no assunto após a troca no comando do tribunal.
A princípio, deu certo. Em 17 de julho, o TSE de Cármen Lúcia confirmou que enviaria dois servidores da área técnica do tribunal para Caracas, mudando radicalmente a postura adotada na gestão Moraes.
Embora os técnicos escolhidos para a missão fossem experientes e respeitados no TSE, a decisão de Cármen provocou mal-estar na Corte Eleitoral e levantou o temor de que o envio de servidores do Poder Judiciário brasileiro fosse interpretado como um endosso a um pleito marcado por ameaças de Maduro antes mesmo de os venezuelanos irem às urnas, conforme informou o blog.
Mas após as críticas infundadas de Maduro ao sistema brasileiro de votação, Cármen desistiu de enviar os dois servidores, que não chegaram a embarcar para a Venezuela. O recuo ocorreu a quatro dias da realização das eleições presidenciais.
Fundamento legal
Ao impor sigilo sobre os ofícios enviados pelo Itamaraty ao TSE, o embaixador Galvão de Queiroz recorre ao trecho da Lei de Acesso à Informação que prevê que são consideradas “imprescindíveis à segurança da sociedade ou do Estado” e, portanto, “passíveis de classificação” as informações que possam “prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados e organismos internacionais”.
Mas para a diretora executiva da ONG Transparência Brasil, Juliana Sakai, a postura do Itamaraty contraria o interesse público e levanta suspeitas.
“O que se sabe que está acontecendo na Venezuela que a população não pode saber? Qual a avaliação do governo Lula sobre o regime do Maduro que a população brasileira não pode saber?”, questiona.
“No final das contas, a gente começa a especular por que isso precisa ser tirado da informação das pessoas e acaba levantando suspeitas de que há mais problemas do que se sabe. A falta de transparência contraria o interesse público e sempre gera desconfiança.”.
Procurado pela equipe da coluna, o Itamaraty informou que os ofícios enviados ao TSE foram classificados como sigilosos por retransmitirem ao tribunal o “teor de telegramas sigilosos da Embaixada em Caracas ou por encaminharem àquele tribunal documentos e correspondências oficiais de missões diplomáticas”, que são invioláveis, segundo a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas.