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TCU tira caso de grupo dos irmãos Batista da pauta em meio a divergência entre ministério e técnicos da corte

Fábio Pupo / FOLHA DE SP

 

O MME (Ministério de Minas e Energia) busca um aval do TCU (Tribunal de Contas da União) para formalizar um acordo com a Âmbar, da J&F —grupo dos irmãos Joesley e Wesley Batista e dono da JBS—, após a empresa deixar de concluir usinas no prazo previsto. A iniciativa contraria a área especializada da corte, que recomenda a rescisão dos contratos.

O ministério enviou ofício a outros órgãos em abril, de forma sigilosa, apresentando um acordo entre a pasta e a empresa, o que foi revelado pela revista Piauí e confirmado pela Folha. O MME afirma que não houve divulgação porque a iniciativa ainda é um ato preparatório e aguarda análise do TCU –que, nesta terça-feira (9), adiou uma decisão sobre o tema.

O acordo conta com a simpatia expressa de ministros da corte e seria julgado pelo plenário nesta quarta (10). Mas a área do tribunal especializada em energia reiterou há pouco mais de duas semanas sua oposição à conciliação, e o caso acabou sendo retirado de pauta na véspera.

As usinas em questão são termelétricas compradas pela Âmbar em 2021 poucos meses após elas saírem vencedoras de um leilão emergencial feito durante a crise hídrica e batizado de PCS (Procedimento Competitivo Simplificado). Elas não entraram em operação na data prevista pelo edital.

A empresa tenta há anos alterar o contrato original e um dos pleitos foi trocar as quatro térmicas contratadas por outro empreendimento —uma usina de Cuiabá com mais de 20 anos de operação.

A cláusula 4.4 do contrato original, no entanto, veda essa alternativa, ao explicitar que a energia não pode ser entregue por outra usina. Após idas e vindas sobre o tema na Aneel, o MME solicitou no ano passado que o TCU buscasse um consenso por meio do então recém-criado mecanismo de solução de conflitos da corte –por meio do qual têm sido renegociados diferentes contratos de infraestrutura.

Em março de 2023, o TCU abriu uma comissão de solução consensual composta por representantes do tribunal, da Aneel, do MME e da própria Âmbar. No fim das discussões, integrantes do TCU discordaram do acordo principalmente por divergências em relação à comprovação da capacidade de entrega de energia da Âmbar.

O caso foi a plenário e, por unanimidade, os ministros decidiram em abril deste ano pelo arquivamento do caso baseados na premissa de que os acordos precisavam de consenso. Mas, em suas falas, houve a sinalização de que não se oporiam a um eventual acordo entre empresa e MME.

"Sim, eu tenho uma simpatia por essa proposta [de acordo]", afirmou o ministro Benjamin Zymler. "Nada impede que o ministério, poder concedente, possa desenvolver novas tratativas, considerando aquilo que foi levado em conta pelo procedimento de consenso aqui feito", disse o colega Antonio Anastasia.

Poucos dias depois, em um despacho de abril, o ministro Alexandre Silveira (Minas e Energia) apresentou a outros órgãos (como a Advocacia-Geral da União) um acordo com a Âmbar nas mesmas bases discutidas no TCU prevendo o encaminhamento ao tribunal antes da entrada em vigor "por precaução e deferência".

"Não nos parece restar outra alternativa a não ser firmar o acordo, inclusive para não penalizar ainda mais os consumidores de energia, diante de uma praticamente certa demanda judicial, com risco elevado, que virá caso o cenário de indefinições perdure ainda mais", afirmou Silveira no despacho.

A Âmbar terá que pagar multa de R$ 1,1 bilhão pelo atraso, seus contratos serão ampliados de 44 para 88 meses e o valor total de receita (montante pago pelos consumidores pelo fornecimento de energia ao sistema elétrico brasileiro) será reduzido de R$ 18,7 bilhões para R$ 9,4 bilhões.

A AudElétrica (Unidade de Auditoria Especializada em Energia Elétrica e Nuclear) do TCU, ciente do acordo alcançado entre MME e empresa fora do TCU, insistiu na oposição ao entendimento e propôs que o ministério "faça cumprir as cláusulas contratuais e editalícias referentes a essas usinas e promova a rescisão unilateral" dos contratos, com as penalidades pertinentes.

Segundo o parecer, a substituição pela usina de Cuiabá não apenas fere a isonomia no tratamento dado às demais usinas do PCS como também iria de encontro à motivação e conformação do leilão que tinha como objeto a "contratação de energia de reserva de novos empreendimentos".

Além disso, o parecer afirma que a energia das usinas da Âmbar têm preço entre R$ 1.594,84 e R$ 1.601,01/MWh, e hoje o custo da energia no curto prazo é de R$ 61,07/MWh. "Não só o sistema elétrico não precisa da energia dessas usinas, passados mais de dois anos da data acordada em contrato, como o preço por ela seria, em muito, superior a alternativas de geração", afirma o texto.

Procurado pela reportagem, o MME afirma que o acordo foi realizado a partir das manifestações do TCU e que a multa da Âmbar é muito superior aos valores a serem arcados pelos demais participantes do PCS que chegaram a um acordo.

"Esse valor, superior à média, foi em razão da possibilidade da produção da energia por meio da UTE Cuiabá, ao invés das usinas originais que foram devidamente instaladas e comissionadas conforme a avaliação da Aneel", afirma a pasta.

Sobre o sigilo do acordo com a empresa, afirmou que ainda "existem questões que podem ser apontadas pelo TCU" e que, por isso, "os documentos que o compõe ainda são considerados preparatórios e protegidos".

Procurada, a Âmbar afirmou que sempre buscou uma solução que evitasse a judicialização do caso, "ampliando a segurança jurídica do setor elétrico brasileiro, a segurança de suprimento do sistema interligado e benefícios para os consumidores de energia em relação ao contrato original do PCS". "As vantagens de um acordo são tão significativas que o próprio TCU recomendou, em plenário, que as partes buscassem o consenso direto para evitar a judicialização", diz a empresa em nota.

Nesta terça, o TCU anunciou que suspendeu atividades dos comitês de resolução de conflitos –por onde passou o processo da Âmbar– devido a um decreto do Executivo criando um mecanismo próprio voltado ao tema e tendo a AGU como órgão central. "As secretarias do TCU estão examinando eventuais repercussões nos processos em curso na Corte. Até que a análise seja concluída, a presidência [do tribunal] determinou a suspensão de todas as reuniões", afirmou a corte em nota.

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