‘O governo Lula é movido por ideologia, tem alergia ao mercado’, diz Castello Branco
Por José Fucs / O ESTADÃO DE SP
O economista Roberto Castello Branco, ex-presidente da Petrobras e ex-diretor do Banco Central e da Vale, não tem ilusões em relação ao governo Lula. Segundo ele, a deterioração da situação fiscal e dos resultados das empresas estatais não será revertida na atual gestão. Ao contrário. Vai se acentuar.
“O governo acredita firmemente que o importante é aumentar os gastos públicos. Isso provoca problemas no curto prazo, gera incertezas e acaba levando à manutenção de uma taxa real de juros elevada”, afirma. “(A gestão das estatais) está muito ruim. Agora, os números ainda não refletem completamente o que está sendo implementado. É o início de um processo. No futuro, vai ficar pior.”
Um dos integrantes do grupo dos chamados “Chicago oldies”, que reúne os primeiros economistas do País formados na Universidade de Chicago recrutados pelo ex-ministro Paulo Guedes para o governo Bolsonaro, Castello Branco diz também que o governo Lula é “movido ideologicamente” e “não tem qualquer preocupação com custos e com o aumento da produtividade”.
Nesta entrevista ao Estadão, Castello Branco fala ainda que a nova presidente da Petrobras, Magda Chambriard, “segue a cartilha determinada pela ideologia do governo” e que a tentativa de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva de indicar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para a presidência da Vale, que foi privatizada em 1997, “é uma uma determinação intervencionista para justificar qualquer ação do governo na economia”. Confira a seguir os principais trechos da entrevista.
De forma geral, como o sr. está vendo a economia no governo Lula?
O ambiente está meio conturbado. Eles insistem na ideia de elevar a arrecadação. Aumentam a despesa e depois elevam a arrecadação, para tentar cobrir o aumento dos gastos. Isso amplia o peso do Estado na economia. O governo fica cada vez maior, mais gordo. O (ministro da Fazenda Fernando) Haddad, que é o homem do Lula, que foi o candidato à Presidência na ausência do Lula em 2018, fica colocando o tempo todo a culpa por todos os problemas nos outros. A última dele foi querer culpar o Congresso pelos males fiscais do País, porque o Legislativo devolveu uma Medida Provisória do governo que propunha um aumento da tributação no PIS/Cofins (Programa de Integração Social/Contribuição para o financiamento da Seguridade Social) das empresas, sem qualquer discussão prévia com os parlamentares e os empresários. Isso não se faz.
Em relação à gestão das estatais, qual a sua avaliação?
Está muito ruim. Mas já era de se esperar. É um governo populista, que só quer expandir a presença do Estado na economia, empregar mais pessoas, pagar melhores salários para os funcionários das estatais, que já ganham bem mais do que os trabalhadores do setor privado, e realizar maus investimentos, como já vimos no passado. É um governo que não tem nenhuma preocupação com custos. Hoje, a gestão das estatais deixou, em grande parte, de ser profissional. Com exceção da Petrobras, os resultados que as estatais obtiveram até agora são ruins. O resultado dos Correios, por exemplo, piorou muito. Na virada de 2022 para 2023, os Correios tinham R$ 1 bilhão em caixa. Hoje, se tiverem R$ 100 milhões é muito. Em pouco mais de um ano, consumiram todo o caixa da empresa. Agora, os números ainda não refletem, completamente o que está sendo implementado pelo governo. É o início de um processo. No futuro, vai ficar pior.
Qual a sua visão sobre a decisão do governo de paralisar as privatizações e as vendas de ativos estatais. Que efeito isso tem para o País?
A economia brasileira vem crescendo lentamente ao longo dos últimos quarenta anos. Com isso, o Brasil ficou para trás. Nós fomos ultrapassados em renda per capita, em PIB (Produto Interno Bruto) per capita, por várias economias emergentes da América Latina, da Europa Oriental, da Ásia. Uma alavanca importante para o desenvolvimento econômico, que é o crescimento da produtividade, também cresce lentamente, o que explica uma parte dessa má performance. Além de não ter a menor preocupação com custos, o governo também não está preocupado com o crescimento da produtividade. Ele é movido ideologicamente, tem alergia ao mercado. Acredita firmemente que o importante é aumentar os gastos públicos. Isso provoca problemas no curto prazo, gera incertezas e acaba levando à manutenção de uma taxa real de juros elevada.
De que forma exatamente a paralisação das privatizações prejudica o aumento da produtividade?
A ausência de privatizações prejudica o aumento da produtividade porque as empresas estatais são muito ineficientes. Veja, por exemplo, o caso da Petrobras: em 2021, a Petrobras tinha 33 mil empregados a menos do que no início de 2015, mas estava produzindo mais petróleo do que produzia antes. Ou seja, a produtividade média da empresa era muito baixa. No setor privado, todos os incentivos são para que as empresas gerem mais lucros e elas só vão gerar mais lucros sendo mais produtivas, tendo mais produtividade, tendo custos mais baixos. No setor público, não há esse tipo de incentivo. E, no governo atual, o incentivo é no sentido contrário.
Logo depois da posse, o Lula nomeou vários políticos e dirigentes partidários e sindicais para a diretoria e o conselho de empresas e bancos públicos, graças a uma liminar concedida pelo então ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), Ricardo Lewandowski, em uma ação que questionava a constitucionalidade da Lei das Estatais. Recentemente, o STF julgou que o dispositivo é constitucional, mas permitiu que as nomeações feitas pelo governo Lula até o julgamento da ação sejam mantidas. Como o sr. analisa esta questão?
Eu acho curioso que essa distorção, que foi introduzida por uma decisão monocrática do ministro Ricardo Lewandowski, tenha sido revertida, mas as nomeações irregulares feitas pelo governo, não. Então, a decisão do Supremo não teve nenhum efeito prático imediato. Novamente, é uma questão de incentivos. Os políticos têm incentivos diferentes dos executivos do setor privado. O principal objetivo do setor privado, como eu falei, é gerar lucro e, consequentemente, mais empregos, mais pagamento de impostos e mais renda para a economia. Os funcionários públicos, os políticos, os sindicalistas, os dirigentes partidários, não. Eles fazem o jogo redistributivo. Não têm nenhuma experiência na gestão de empresas. Não foram treinados para isso.
Isso também acaba afetando a governança das empresas, não?
Sem dúvida alguma. No fundo, o que está por trás da má performance dessas empresas é a má governança ou mesmo a falta de governança. Como a gente viu no passado recente, isso acaba abrindo espaço para muita coisa ruim.
O governo tentou até indicar o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega para a presidência da Vale, que é uma empresa privada. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou até que o setor privado tinha de seguir a orientação do governo na economia, que era isso que ele queria. Como o sr. analisa a afirmação de Lula?
É uma determinação intervencionista, para justificar qualquer ação do governo na economia. Ele quer intervir até mesmo no processo de escolha do dirigente de uma empresa privada e tentar impor um nome já muito queimado pela sua experiência no governo. No Brasil, ainda não vigora um regime socialista. Só num regime socialista é que todas as empresas têm de obedecer às determinações do governo. Aqui, até agora, não é o caso. Mas é o que o presidente pensa e isso é muito perigoso.
Dentro disso que o sr. está falando, como está vendo a gestão do governo Lula na Petrobras especificamente?
A Petrobras é uma empresa que tem custos bem mais baixos hoje do que tinha no passado e tem se beneficiado de preços de petróleo elevados no mercado internacional e de uma volatilidade mais baixa nas cotações. A volatilidade de preço diminuiu em 2023 e em 2024 em relação a 2022. Isso beneficia a Petrobras na administração dos preços dos combustíveis. Agora, não quer dizer que esteja tudo bem.
Na sua visão, o que está ‘pegando’ hoje para a Petrobras?
Primeiro, tem essa questão da administração dos preços dos combustíveis, que é superimportante e tem um impacto direto de curto prazo nas finanças da empresa. A Petrobras não segue mais a paridade de importação e com isso ela perde dinheiro. Hoje, com custos mais baixos e os preços elevados do petróleo no mercado internacional, dá para esconder um pouco o problema. Mas a Petrobras tem perdido dinheiro. Não tenho a menor dúvida.
O que mais está prejudicando a Petrobras no momento?
Outro ponto importante diz respeito à alocação de capital. A empresa foi forçada a parar seu programa de privatização e isso também tem um impacto negativo. Não por motivos ideológicos, mas porque os ativos que seriam vendidos, como algumas refinarias, não dão o retorno exigido para pagar o custo de capital. Hoje, a gente vê a Petrobras tentando repetir experiências que já deram errado, como a retomada das operações da Araucária Nitrogenados, que foi comprada pela Petrobras em 2013 e nunca conseguiu dar lucro. É um prejuízo contínuo. Eu até brincava que a empresa funcionava como um relógio suíço: estava sempre ali, regularmente, apresentando prejuízos. Nós paramos a operação, demitimos todos os funcionários e tentamos vender as instalações, mas não conseguimos.
Agora, a Petrobras está querendo retomar investimentos em petroquímica, na indústria naval, retomando refinarias que haviam sido vendidas à iniciativa privada e ressuscitando a exigência de conteúdo nacional. A indústria brasileira não tem condições de realizar a construção de navios. É muito ineficiente. Então, no aspecto da alocação de capital, existe claramente uma tendência de deterioração.
Há algum outro ponto que, na sua visão, esteja prejudicando a empresa no governo Lula?
Como nas estatais de forma geral, há também a questão dos custos. A Petrobras não tem mais preocupação com custos. Houve, por exemplo, um aumento significativo de patrocínios da Petrobras a espetáculos musicais e a todo tipo de eventos culturais. Hoje, a Petrobras voltou a patrocinar o Carnaval e uma série de projetos do gênero, que é algo que a gente tinha interrompido. Sem falar na retomada das contratações de funcionários e da ampliação de benefícios. Então, essas são ações que estão se desenvolvendo, que já trouxeram resultados muito negativos no passado e agora estão sendo retomadas.
Como o sr. avalia a mudança de posição do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), que tinha obrigado a Petrobras a vender oito refinarias (das quais três chegaram a ser vendidas no governo Bolsonaro) e agora voltou atrás, permitindo que a empresa mantenha as refinarias que sobraram?
Eles não apresentaram nenhum argumento. Um órgão que tem como objetivo a defesa da concorrência simplesmente optou pelo monopólio. Mas esse movimento é totalmente coerente com política fiscal do governo, de mais gastos, mais arrecadação, ou seja, de aumentar a presença do Estado na economia. E isso deu errado lá fora. Não há nenhum país que tenha feito isso que conseguiu bons resultados. Muito menos o Brasil.
Na questão da distribuição de dividendos extraordinários pela Petrobras, que opôs o ministro Fernando Haddad ao então presidente da empresa, Jean Paul Prates, e acabou levando à sua demissão e à troca de comando na companhia, qual a sua posição?
A questão dos dividendos é simplesmente uma preferência ideológica. E mesmo a ideologia é burra, porque o Estado também é beneficiário dos dividendos. Num regime estatizante, duas figuras importantes no campo empresarial, o cliente e o acionista, são ignorados. O chamado acionista minoritário, que tem a maior parte das ações da Petrobras, hoje é desprezado pela administração da empresa. E a questão dos dividendos é coerente com isso.
Depois, o governo até mudou de ideia em relação à distribuição de dividendos pelas estatais, porque percebeu que precisa dos dividendos para reduzir o déficit fiscal...
É verdade. Mas a aversão à iniciativa privada é tão grande que mesmo sendo prejudicados eles fizeram pressão para distribuir menos aos acionistas.
E como o sr. viu a troca de comando da Petrobras?
O Jean Paul Prates não estava realizando as mudanças de acordo com o que o presidente demandava. Ele colocou a Magda Chambriard lá, porque ela obedece cegamente a ele. É uma petista puro-sangue, que defende a exigência de conteúdo local já e tem uma experiência no governo, na ANP (Agência Nacional de Petróleo), que o Prates não tinha. Na ANP, ela seguia rigorosamente a cartilha determinada pela ideologia do governo.
Na sua gestão na Petrobras, a empresa vendeu a BR Distribuidora, saindo da área de distribuição de combustíveis, para se concentrar na pesquisa e na extração de petróleo, que são suas atividades principais. Agora, a Petrobras estava querendo voltar a distribuir combustíveis e já andaram dizendo por aí que ela não vai renovar a licença da Vibra Energia, que comprou a BR Distribuidora, para usar a marca. Como o sr. analisa isso?
Novamente, é alergia ao mercado. A BR Distribuidora é uma empresa que não acrescentava nenhum valor a Petrobras. Ao contrário, tirava valor. Era um sugador de dinheiro. Não do ponto de vista contábil, mas econômico. Era uma empresa de custo alto e de produtividade baixa. E a Petrobras tinha um capital empregado lá que agora pode ser empregado na prospecção e desenvolvimento de campos de petróleo, que têm um retorno muito maior.