Empréstimo a municípios via banco público e de fomento bate recorde na gestão Lula puxado pela Caixa
Por Bianca Lima / O ESTADÃO DE SP
BRASÍLIA – No primeiro ano do atual mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), os financiamentos de bancos públicos e agências de fomento aos municípios bateram recorde e somaram R$ 16,1 bilhões. A cifra representa uma alta de 42,4% em relação a 2022, quando os desembolsos totalizaram R$ 11,3 bilhões.
Os contratos com as prefeituras foram puxados pela Caixa Econômica Federal, que respondeu por R$ 10,6 bilhões ou 66% do total. Os dados, obtidos com exclusividade pelo Estadão, são da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE), que reúne as instituições financeiras de desenvolvimento.
O grupo inclui bancos públicos federais, regionais e estaduais, agências de fomento e bancos cooperativos, além da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae).
“O que explica esse crescimento é a volta mais forte do fomento por meio dos bancos públicos. Há uma estratégia do governo Lula de voltar a atuar mais claramente estimulando a economia”, afirma Celso Pansera, que acumula as presidências da ABDE e da Finep. Ele é ex-deputado federal pelo PT e comandou o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação no governo Dilma Rousseff.
Os financiamentos são destinados a projetos variados dentro das prefeituras, que vão desde infraestrutura tradicional, como obras de pavimentação e saneamento, até investimentos em energia elétrica, transporte, logística e pesquisa.
Segundo Pansera, propostas ligadas à mitigação de riscos climáticos, redução de desigualdade social e melhoria da infraestrutura habitacional também vêm ganhando espaço na carteira.
O ticket médio das operações foi igualmente recorde e alcançou R$ 13 milhões, avanço de 28,5% em relação a 2022. De acordo com a ABDE, o aumento deve-se ao financiamento de projetos mais complexos e de maior porte, sobretudo em grandes cidades.
Atualmente, as prefeituras têm três formas de bancar seus investimentos: recursos próprios e transferências constitucionais; transferências de capital dos demais níveis de governo; e por meio de operações de crédito. Em 2023, o sistema nacional de fomento foi responsável por quase a totalidade (96,2%) dessa terceira opção – o que mostra a alta dependência dos gestores locais desse tipo de verba.
Questionado sobre os riscos de inadimplência em meio à forte alta dos desembolsos, Pansera diz que “risco sempre existe”, mas que o nível de endividamento não preocupa. “Os municípios, na média, não estão mais endividados do que estavam antes. Estão com capacidade.”
“No cenário global, as prefeituras estão em situação melhor do que estavam há alguns anos. Agora, há gestores e gestores”, pondera o ex-ministro.
Reportagem do Estadão apontou, porém, que as novas gestões municipais, que serão eleitas em outubro, vão receber as contas públicas numa situação pior do que a encontrada em 2021, quando os atuais mandatos tiveram início. O panorama fiscal das cidades brasileiras é bastante diverso e heterogêneo, mas o número consolidado das prefeituras acendeu um sinal de alerta.
Em menos de dois anos, os prefeitos queimaram todo o saldo positivo que havia sido criado na pandemia e agora amargam rombo de quase R$ 15 bilhões, com despesas crescendo em ritmo superior às receitas – o que aumenta a preocupação em relação aos próximos anos.
Indagada, a ABDE não soube precisar o porcentual dos empréstimos que contam com o aval da União, que é a garantia concedida pelo Tesouro Nacional em caso de calote. Ela é oferecida apenas aos municípios que têm capacidade de pagamento A ou B – as duas melhores notas.
Segundo a associação, muitos gestores costumam oferecer outros tipos de garantia, como a transferência obrigatória de ICMS feita pelo respectivo Estado, a chamada contraparte, ou o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é abastecido pela União.
Esse tipo de garantia, atrelada ao FPM, já chegou a ser alvo de representação por parte do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU), que apontou inconstitucionalidade. O questionamento, porém, não prosperou dentro da Corte.
Procurada, a Caixa não se manifestou até a publicação desta reportagem.
Cautela
A ABDE pondera que essa é uma das carteiras mais seguras para os bancos e agências de fomento e que as garantias dificilmente são executadas. Ainda assim, a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, sugere atenção e cautela nos desembolsos com base em experiências recentes.
“Em 2011, 2012, quando o governo começou a dar aval de garantia para operações de crédito de Estados e municípios, houve um aumento brutal nas operações. E uma das justificativas era de que não havia inadimplência por parte dos entes”, lembra Vilma. “Só que, poucos anos depois, os calotes começaram a ocorrer por conta da fragilidade nas contas dos entes subnacionais, agravada pela crise de 2015 e 2016.″
O importante, segundo ela, é que as operações sejam realizadas com base em análise de sustentabilidade e capacidade de pagamento.
Além disso, diz Vilma, é necessário avaliar se parte do investimento não irá se transformar em despesa de custeio no curto ou médio prazo. Escolas e hospitais, por exemplo, não bastam ser construídos, precisam ser mantidos. Ou seja, é preciso ter um planejamento para acomodar esses gastos futuros, que se somarão ao pagamento das parcelas da dívida.
Na visão da ABDE, o avanço do financiamento às prefeituras é positivo, mas ainda insuficiente frente às lacunas de investimento no Brasil, que agora se somam aos riscos climáticos crescentes. A associação projeta que seria necessário mais do que triplicar os valores dos desembolsos para suprir as demandas de adaptação e mitigação das cidades.
Para isso, os bancos e agências de fomento negociam junto ao Banco Central alterações em marcos regulatórios para concessão de crédito. Em um dos pleitos, a ABDE defende que o limite de exposição das instituições financeiras ao setor público seja elevado de 45% do Patrimônio de Referência para 100%.
O argumento é de que a exigência reduz a capacidade de alavancagem e impõe restrições excessivas, sem proporcionar vantagens significativas ou mitigação de riscos.
Essa ampliação do limite, afirma a associação, permitiria que instituições de desenvolvimento menores operassem “mais eficazmente, especialmente em projetos de infraestrutura sustentável nos estados e municípios, sem a necessidade de destacamento de capital, que prejudica suas outras operações”.