Greve na educação chega a dois meses e trava conclusão de curso, bolsas de pesquisa e até bandejão
Por Bruno Alfano, Pâmela Dias e Vinicius Macêdo— Rio de Janeiro/ O GLOBO
Maria (nome fictício) chorou de fome na universidade federal em que estuda. Aluna de mestrado de uma das 66 instituições em greve, ela usava o bandejão para almoçar e jantar porque o que ganha como professora da educação básica — menos de um salário mínimo — não paga todas as despesas de quem mora de aluguel. Assim, o custo de menos de R$ 1 por refeição é essencial para sua segurança alimentar.
— Já chorei de fome. Quando fica muito insuportável, ligo para a minha mãe pedindo ajuda — conta a jovem, que pediu para não ser identificada por temer represálias no departamento. — Eu apoio a greve, mas ela não considerou a necessidade dos mais pobres. O sindicato polariza o debate como se quem reivindica o bandejão e demais serviços essenciais fosse contra o trabalhador, como se ser estudante e ser trabalhador fossem antônimos. Estudante também trabalha, a maioria informalmente ou ganhando um salário de fome — desabafa a mestranda.
A demora pelo fim da greve de professores e técnicos administrativos de universidades e institutos federais tem causado impactos importantes na vida dos alunos — mesmo entre aqueles que entendem os objetivos do movimento. A paralisação de 57 dias dos docentes e de 92 dos demais profissionais tem repercutido em questões que vão desde o atraso da conclusão dos cursos como a riscos de perdas de prazo para a obtenção de bolsas de pesquisa.
Atrasos em série
Estudantes que haviam sido afetados pela pandemia, por exemplo, agora precisarão esperar mais seis meses pelo diploma — o término do curso já fora adiado em dois anos devido à crise sanitária. Victor de Andrade, de 23 anos, se formaria em quatro em odontologia na UFRJ se não tivesse enfrentado interrupções nos períodos letivos. As aulas práticas do curso ficaram suspensas durante o período da Covid-19 e agora, sem os técnicos responsáveis por esterilizar os equipamentos, a conclusão da faculdade vai ficar para 2025.
— A universidade mexe com os sonhos das famílias. Esse atraso vai adiando esses sonhos, e isso afeta também o lado financeiro. Continuamos presos na graduação, sem avançar — conta.
Outra preocupação do jovem é com os seus pacientes, já que a clínica da UFRJ oferece atendimentos a R$ 50 e atende, majoritariamente, moradores do Complexo da Maré. Além disso, Victor ressalta que materiais caros, comprados pelos alunos, estão estragando durante a greve.
— Temos pacientes relatando dores em casa, outros que não conseguiram finalizar tratamentos protéticos, pacientes sem dentes, sem poder mastigar. Estamos em casa, e só vemos a situação deles piorar — lamenta o universitário.
Com a extensão do período de greve aumenta também a dificuldade de garantir reposição de conteúdos. Pelo menos oito instituições decidiram suspender o calendário. A Universidade Federal de Uberlândia (MG) levará esse debate hoje ao Conselho Universitário, já que parte dos departamentos e dos professores está dando aulas e outra não está. Os prazos para a conclusão das disciplinas, contudo, são os mesmos.
Em outros casos, como na UFRJ, professores não aderiram à paralisação, mas os técnicos administrativos, sim. As aulas, portanto, continuam, mas atividades que dependem do auxílio dos profissionais em greve foram suspensas. A instituição chegou a afirmar, inclusive, que corria o risco perder um prazo do CNPq para conseguir bolsas por três anos, porque o processo interno dependia dos técnicos. O caso foi resolvido, no entanto, após negociação com o comando de greve.
A UFMG decidiu pelo fim da paralisação após 51 dias e refez o calendário. Mesmo sendo a primeira instituição a retomar as aulas, a universidade só conseguirá concluir o segundo semestre de 2024 em fevereiro de 2025, prejudicando estudantes formandos que já estavam se planejando para o mestrado ou iniciar a vida profissional.
— Vou fazer concursos de duas prefeituras e, mesmo que eu passe, não vou poder assumir porque as aulas só terminam em fevereiro — afirma Ana Beatriz Medeiros, de 22 anos, aluna de Letras. — Além disso, nós, da Pedagogia, geralmente planejamos começar a lecionar em janeiro, mas ainda estaremos em aula no mês seguinte. A maioria das escolas não contrata professor no meio do semestre. Provavelmente, só vou poder assumir uma turma em agosto do ano que vem.
Uma situação ainda indefinida é a do Colégio Pedro II. Lá, as aulas começariam em abril, ainda sob impacto da pandemia. Mas com o início da greve dos professores, que decidiram apoiar os técnicos, que iniciaram a paralisação, os estudantes sequer começaram o ano letivo de 2024.
— O orçamento e o salário dos servidores precisam ser recompostos. Mas os alunos do Pedro II são crianças e jovens que não ficam em casa sozinhos como os universitários. Os impactos são muito grandes para quem já ficou dois anos em casa na pandemia. Desde 2019, eles só tiveram na escola por dois anos — diz Teca Galvão, diretora de uma associação de responsáveis do colégio que protestou na terça num evento com a participação do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do ministro da Educação, Camilo Santana.
Oferta aos técnicos
Também na terça-feira, o Ministério da Gestão e Inovação no Serviço Público fez nova proposta para chegar a um acordo com os técnicos. A categoria foi atendida em alguns pedidos — como aumento salarial com progressão na carreira — e vai avaliar o acordo e, consequentemente, a manutenção da greve. O reajuste proposto é de 31% até o final de 2026. Na sexta-feira, o encontro será com os professores.
Em nota, o Ministério da Educação afirma que estará sempre aberto ao diálogo, franco e respeitoso, pela valorização dos servidores. Na segunda-feira, Camilo e Lula anunciaram investimentos de R$ 5,5 bilhões nas universidades e recomposição de R$ 279 milhões no custeio para este ano em aceno aos grevistas.
Gustavo Seferian, presidente do sindicato de docentes, afirmou que os avanços no custeio “não foram significativos” e que essa verba é indispensável às “condições elementares aos estudantes para o bom empenho de suas atividades”.
Veja quem parou
Acre
- Universidade Federal do Acre (UFAC) - Professores e técnicos
- Instituto Federal do Acre (Ifac) - Técnicos
Alagoas
- Universidade Federal de Alagoas (UFAL) - Professores e técnicos
- Instituto Federal de Alagoas - Técnicos
Amapá
- Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) - Professores e técnicos
- Instituto Federal do Amapá (IFAP) - Técnicos
Amazonas
- Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) - Professores
- Universidade Federal do Amazonas - Técnicos
Bahia
- Universidade Federal da Bahia (UFBA) - Professores e técnicos
- Universidade Federal do Sul da Bahia (UFSB) - Professores e técnicos
- Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB) - Professores e técnicos
- Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) - Professores e técnicos
- Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (UNILAB) – campus dos
- Malês - Professores e técnicos
- Instituto Federal da Bahia - Técnicos
Ceará
- Universidade Federal do Ceará (UFC) - Professores e técnicos
- Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab) - Professores e técnicos
- Universidade Federal do Cariri (UFCA) - Professores e técnicos
- Instituto Federal da Ceará - Técnicos
Distrito Federal
- Universidade de Brasília (UnB) - Professores e técnicos
Espírito Santo
- Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) - Professores e técnicos
- Instituto Federal do Espírito Santo (IFES) - Técnicos
Goiás
- Universidade Federal de Goiás (UFG) - Professores e técnicos
- Universidade Federal de Catalão (UFCAT) - Professores e técnicos
- Universidade Federal de Jataí - Técnicos
- Instituto Federal de Goiás - Técnicos
Maranhão
- Universidade Federal do Maranhão (UFMA) - Professores e técnicos
Mato Grosso
- Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT) - Professores e técnicos e técnicos
- Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) - Professores e técnicos
- Instituto Federal do Mato Grosso - Técnicos
Mato Grosso do Sul
- Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) - Professores e técnicos
- Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) - Técnicos
Minas Gerais
- Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) - Técnicos
- Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) - Professores e técnicos
- Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) - Professores e técnicos
- Universidade Federal de Viçosa (UFV) - Professores e técnicos
- Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) - Professores e técnicos
- Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) - Professores
- Universidade Federal de Lavras (UFLA) - Professores e técnicos
- Universidade Federal de Uberlândia (UFU) - Professores e técnicos
- Universidade Federal de Itajubá (Unifei) - Técnicos
- Universidade Federal de Alfenas (Unifal) - Técnicos
- Universidade Federal dos Vales Jequitinhonha e Mucuri (UFVJM) - Professores e técnicos
- Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) - Técnicos
- Instituto Federal do Triângulo Mineiro - Técnicos
- Instituto Federal do Sul de Minas Gerais (IFSULDEMINAS) – Campus Pouso Alegre,
- Campus Poços de Caldas e Campus Passos - Professores
- Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Sudeste-MG (IF Sudeste-MG) – Campus Juiz de Fora, Campus Santos Dumont e Campus Muriaé - Professores e técnicos
- Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) - Professores e técnicos
Pará
- Universidade Federal do Pará (UFPA) - Professores e técnicos
- Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará (Unifesspa) - Professores e técnicos
- Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA) - Professores e técnicos
- Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) - Técnicos
- Instituto Federal do Pará (IFPA) - Técnicos
Rondônia
- Universidade Federal de Rondônia (UNIR) - Professores e técnicos
- Instituto Federal de Rondônia - Técnicos
Roraima
- Universidade Federal de Roraima (UFRR) - Professores
Santa Catarina
- Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) - Professores e técnicos
- Instituto Federal Catarinense (IFC) - Técnicos
- Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) - Técnicos
São Paulo
- Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) - Professores e técnicos
- Universidade Federal do ABC (UFABC) - Professores e técnicos
- Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR) - Professores e técnicos
- Instituto Federal de São Paulo - Técnicos
Sergipe
- Universidade Federal do Sergipe (UFS) - Professores e técnicos
- Instituto Federal do Sergipe - Técnicos
Tocantins