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Governo erra ao vender arroz importado tabelado

Por Editorial / O GLOBO

 

Não se pode dizer que o governo federal não tenha agido em resposta às chuvas que arrasaram o Rio Grande do Sul. Entre outras iniciativas, anunciou a concessão de um vale-reconstrução para cerca de 200 mil famílias, um programa para compra de imóveis por meio do Minha Casa, Minha Vida e créditos para empresas atingidas. Mas o Planalto erra feio ao intervir no mercado com a desnecessária importação de arroz, sob pretexto de equilibrar os preços.

 

Depois de um vaivém de liminares, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) realizou nesta quinta-feira um leilão para comprar 263 mil toneladas de arroz importado, movimentando R$ 1,3 bilhão. Poderá haver outros. A Medida Provisória 1.217/2024 autoriza a compra de até 1 milhão de toneladas em 2024. O argumento do governo é que o Rio Grande do Sul produz quase 70% do arroz do Brasil, e os estragos causados pelas chuvas poderiam desestabilizar o mercado, favorecendo a especulação e encarecendo o produto.

 

Não é apenas a insistência na importação que causa estranheza, mas também a maneira estapafúrdia como o governo pretende distribuir o arroz estatal. Pelo que foi anunciado, o produto será vendido em embalagens de 5 quilos com os logotipos da Conab e da União, além da frase: “Produto adquirido pelo governo federal”. Não bastasse a bizarrice, o governo ainda tabelou o quilo em R$ 4. Depois de ressuscitar o tabelamento, só falta trazer de volta os “fiscais do Sarney”, que ficaram populares durante o Plano Cruzado tentando combater o desabastecimento, consequência inevitável de todo controle de preços. Mesmo no PT não faltam economistas competentes para explicar por que o tabelamento não tem como dar certo. Os brasileiros já viveram essa experiência e não têm saudades.

 

O pior é que nem havia necessidade de importar arroz. Quem diz isso é a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), que entrou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF contra a decisão do governo. A CNA argumenta que 84% da área plantada no Rio Grande do Sul já havia sido colhida antes do início das chuvas, por isso não há risco de faltar a mercadoria. Se houver desabastecimento, a única causa agora será o tabelamento. Nenhum produtor aceitará vender por um preço abaixo do que custa produzir e distribuir.

 

Além de considerar, com razão, a decisão do governo “uma medida abusiva” de intervenção na atividade econômica, restringindo a livre concorrência, a CNA diz que ela tem potencial para desestruturar a cadeia produtiva, criando instabilidade de preços e prejudicando os produtores locais. “O arroz produzido e colhido pelos produtores rurais gaúchos certamente sofrerá com a predatória concorrência de um arroz estrangeiro, subsidiado pelo governo federal e vendido no Brasil fora dos parâmetros econômicos de fixação natural de preços”, afirma.

 

Como já fez ao escolher o ex-ministro Paulo Pimenta — pré-candidato ao governo do Rio Grande do Sul — para coordenar os trabalhos de reconstrução no estado, mais uma vez o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva politiza uma questão técnica. Não tem cabimento levar às gôndolas dos supermercados arroz tabelado com preço inferior ao da concorrência, ainda mais estampado com a logomarca do governo. Sem disfarce, o Planalto aproveita os efeitos deletérios das chuvas para tentar faturar dividendos políticos.

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