Governo digital federal chega a 156 milhões, mas municípios ainda patinam e convivem até com internet discada
Luany Galdeano / FOLHA DE SP
O Brasil avança na digitalização de serviços públicos, com a promessa de desburocratizar o setor e facilitar a garantia de direitos. Mas as evoluções esbarram nas desigualdades e em lacunas de conectividade em vários pontos do país, que exigem a continuidade de serviços analógicos e, a longo prazo, podem afetar os avanços.
Plataformas como o gov.br e o Fala.BR, de acesso à informação, colocaram o Brasil em segundo lugar no último índice de maturidade em governo digital do Banco Mundial, lançado em 2022, à frente de países como Alemanha e Estados Unidos.
Apesar do destaque, a inovação é maior em âmbito federal do que em entes subnacionais, segundo Rogério Mascarenhas, secretário de Governo Digital do Ministério da Gestão.
Agora o desafio é levar ferramentas e letramento digitais a estados e municípios para que possam dar conta da transformação tecnológica. O apoio do governo federal a outros entes é previsto na Lei do Governo Digital, aprovada em 2021.
Esta é a primeira reportagem da série Governo Digital, de Vida Pública, uma parceria entre a Folha e o Instituto República.org, que vai mostrar o presente e o futuro de avanços e entraves tecnológicos na gestão pública do Brasil.
A iniciativa vai abarcar mudanças em curso no documento básico de identificação dos brasileiros, a aplicação de novas ferramentas digitais em saúde, previdência, ambiente e outros setores, além de debater os direitos de privacidade do cidadão.
"Temos números relevantes: são 156 milhões de pessoas na base do gov.br. Mas somos 203 [milhões de habitantes]", afirma o secretário Rogério Mascarenhas.
"Nossa preocupação é sempre ter um canal alternativo. Não podemos matar o analógico, porque se não vamos estar trabalhando para um aumento da exclusão."
Enquanto 76% dos órgãos federais oferecem o serviço mais procurado pelo cidadão inteiramente online, o número cai para 45% nos estaduais. Nas prefeituras, apenas 32% oferecem a possibilidade de agendar consultas e outros serviços por site, 3% ainda usam internet discada e 26% utilizam modem 3G ou 4G.
Segundo a lei do governo digital, a prestação de serviços por meio eletrônico deve ser feita com tecnologias de amplo acesso a toda a população, independentemente da renda, e sem afetar o direito ao atendimento presencial.
O gov.br, que já reúne 4.200 serviços, vai incluir também funções de outros entes subnacionais. A plataforma visa trazer vantagens para o cidadão e para gestões públicas, centralizando o atendimento virtual e permitindo que estados e municípios tenham acesso facilitado a serviços federais, como a prova de vida.
Para que isso ocorra, as gestões devem aderir à rede gov.br, que integra funções dos diferentes entes federativos. Todos os estados e o Distrito Federal já estão conectados à rede. Entre os municípios, 1.000 dos 5.565 fizeram a adesão, de acordo com a Secretaria de Governo Digital.
Essa integração já gerou uma economia de R$ 4 bilhões desde 2020, segundo cálculos do Ministério da Gestão, por reduzir a burocracia, o deslocamento até os órgãos públicos, entre outros.
O Brasil dará mais um passo na digitalização com o lançamento da Estratégia Nacional de Governo Digital, feita em conjunto com os estados e prevista para ser publicada como decreto em junho.
O documento vai trazer orientações para melhorar a oferta de serviços e objetivos a serem cumpridos, de acordo com o secretário Rogério Mascarenhas.
Ele afirma que, nesse processo, o governo federal vai apoiar estados e municípios com as adaptações necessárias para cada realidade. A criação de estruturas "figitais" —que reúnem o físico e o digital— está entre planos para ampliar o acesso aos serviços virtuais.
Com essa estrutura, o cidadão que não tem internet pode ir a um órgão público para conseguir a ajuda de um servidor e preencher um formulário on-line, por exemplo. Projetos-piloto dessa modalidade já estão em andamento em algumas cidades, como Niterói (RJ), Teresina (PI) e Lages (SC).
"Temos uma realidade desafiadora e precisamos melhorar muito a infraestrutura, mas, se olharmos para números de uso do gov.br, vemos que há apelo na população por acessar serviços digitais", diz Mascarenhas.