Técnicos do TCU querem investigar fraude em contrato da Petrobras com Unigel
Por Johanns Eller e Malu Gaspar / O GLOBO
A unidade técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) que fiscaliza a Petrobras identificou possíveis fraudes no acordo entre a companhia e a empresa de fertilizantes Unigel e defendeu uma nova apuração sobre o negócio firmado no apagar das luzes de 2023. Um relatório de fevereiro sobre esse mesmo contrato já apontou que, se ele fosse fechado, daria prejuízo de R$ 487 milhões para a petroleira.
Em um relatório enviado no último dia 18 de março ao relator do processo, Benjamin Zymler, a unidade de auditoria especializada em petróleo, gás natural e mineração destacou a identificação de nove irregularidades graves, entre elas o atropelo da governança da estatal para justificar o contrato com a petroquímica.
A manifestação ocorreu exatamente duas semanas após a Petrobras anunciar que uma apuração interna não encontrou qualquer irregularidade no acerto com a Unigel e concluiu que o sistema de governança da empresa havia sido “integralmente respeitado”.
A unidade técnica do TCU teve um entendimento diferente.
De acordo com o relatorio, há indícios de que o "desvio a padrões de governança" pela direção da Petrobras ocorreu tanto "pelo “drible” intencional a uma estrutura de governança mais rígida" como "pelo transcurso meramente formal das instâncias de controle envolvidas, que apresentam posicionamentos frágeis e superficiais, apenas no sentido de justificar uma escolha ou uma decisão já tomada".
Por isso, concluíram, "a possibilidade de fraude passa a ser uma investigação necessária", uma vez que "a fraude pode envolver o ato de burlar os controles internos, conluio, falsificação, omissão ou representações falsas intencionais”.
Para os auditores, em função de “tamanha fragilidade das justificativas apresentadas”, “há de se averiguar o que de fato tem motivado a Petrobras a defender quase que ilogicamente um contrato com uma empresa em recuperação extrajudicial e devedora de quase R$ 90 milhões à companhia, cujo resultado tende a ser um prejuízo econômico de quase meio bilhão de reais”.
O contrato sob suspeita foi fechado em 29 de dezembro de 2023, no momento em que as duas fábricas de fertilizantes na Bahia e em Sergipe que a Petrobras arrendou à Unigel ainda no governo Jair Bolsonaro estavam paralisadas por dificuldades financeiras.
Pelo acerto, a Petrobras passaria a fornecer o gás natural para a produção e depois venderia os fertilizantes, sendo remunerada pelos resultados da operação.
Mas, em fevereiro, o próprio TCU alertou que o negócio levaria ao prejuízo multimilionário nos oito meses previstos para o contrato, uma vez que os preços do gás natural estão em alta e os do fertilizante, em queda.
O documento também questiona a natureza jurídica do contrato, firmado em uma modalidade conhecida por tolling. Afirma que foi uma opção "claramente inadequada” e afirma que as análises de risco da Petrobras foram “evidentemente imprecisas, inexatas e incompletas”.
Como exemplo, os técnicos apontam o fato de que a Petrobras não avaliou o que ocorreria em um cenário em que a Unigel deixe de honrar salários e benefícios dos funcionários das plantas fabris, e que nessa modalidade de contrato empurraria uma conta extra para a a Petrobras, segundo a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF).
Em fevereiro, Zymler já havia criticado o modelo de contrato escolhido. O magistrado rebateu a versão da Petrobras de que o formato se justificaria pelo risco de greves caso a Unigel anunciasse demissões em seu quadro de funcionários.
“Se prevalecesse tal raciocínio para caracterização de risco, a Petrobras seria então impactada por movimentos grevistas sempre que empresas privadas demitissem ou deixassem insatisfeitos seu corpo de funcionários”, argumentou o ministro na ocasião.
Como o contrato tolling ainda não entrou em vigor, a Unigel anunciou a paralisação das fábricas da Bahia e do Sergipe e demitiu 255 funcionários – sem provocar, até o momento, qualquer mobilização grevista na petroleira estatal.
Em um despacho publicado no último dia 20, Zymler não se manifestou sobre o pedido da área técnica para apurar os indícios de fraude, mas instou a Petrobras a se manifestar sobre os desligamentos nas plantas do Nordeste e questionou se o contrato será mantido ou não.
No entendimento do magistrado, caso as paralisações sugiram que o negócio subiu no telhado, haveria perda de objeto da investigação conduzida pelo TCU – embora não esteja claro se os supostos desvios de governança da Petrobras deixarão de ser apurados nesse cenário.
Fontes do tribunal relataram à equipe do blog sob reserva a existência de “pressões absurdas” a favor do acordo da Petrobras com a Unigel. Ao invés de autorizar a inspeção, Zymler deu à petroleira cinco dias para que a empresa se manifestasse a respeito do despacho.
Nós perguntamos à Petrobras se os questionamentos de Zymler foram respondidos dentro do prazo e se o contrato foi abandonado, mas a companhia se limitou a afirmar que “continua esclarecendo tempestivamente todas as informações solicitadas pelo TCU" nos prazos solicitados.
Ainda segundo a Petrobras, a empresa tem atuado de forma proativa” e informou ao TCU, sem provocação do órgão, todas as bases do contrato de tolling com a Unigel.
Como contamos no blog no mês passado, o canal de compliance da petroleira recebeu denúncias de que integrantes da gestão Jean Paul Prates estariam pressionando os subordinados para fechar o negócio, apesar de a área técnica da empresa ter apontado o risco de prejuízo.
ser confiscados durante a investigação interna da empresa – a mesma que concluiu não existir qualquer irregularidade no contrato ou desvio de governança –, William França (Processos Industriais) e Sergio Caetano Leite (CFO).
Os relatos, somados ao alerta da área técnica do TCU quanto aos problemas de governança, são indícios de que a petroleira ainda tem muito a explicar sobre o nebuloso contrato com a Unigel.