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A volta do Granaduto

Marcos Mendes / PESQUISADOR DO INPER / FOLHA DE SP

 

Entre 2008 e 2014, o Tesouro Nacional emprestou ao BNDES R$ 809 bilhões (em valores de novembro de 2023). O Tesouro se endividava, a taxas de mercado, e repassava ao BNDES, a uma taxa mais baixa. O BNDES emprestava, com subsídio, a empresas e governos. O custo dos subsídios, acumulado até outubro de 2023, é de R$ 340 bilhões.

Uma avaliação feita pelo CMAP (Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas), do governo federal, concluiu que "os subsídios não tiveram impacto relevante sobre os investimentos realizados (...) Quanto ao acesso aos empréstimos do Banco, as estimativas indicam que, de fato, tiveram impacto sobre os investimentos realizados pelas empresas apoiadas, mas em proporção insatisfatória (...) [e] a duração desse impacto teria ocorrido apenas nos dois primeiros anos após à captação junto ao BNDES, particularmente para empresas grandes" (p. 38).

Quase R$ 1 trilhão fluiu no granaduto que ligava o Tesouro ao BNDES, com benefícios pífios. Esse resultado está em linha com o encontrado por diversos estudos sobre o tema, sumariados na mesma avaliação.

O CMAP constatou também que: "os normativos que autorizaram a concessão de empréstimos da União ao BNDES (...) não descrevem os objetivos e as metas a serem perseguidos pelo Banco, nem os critérios a serem adotados para a seleção dos beneficiários" (p.40)

Houve fragilidade na governança: 40% das operações analisadas não se enquadravam nas normas internas do BNDES, e foram liberadas por decisões discricionárias da diretoria (p. 58-9).

Apesar da experiência negativa, o granaduto está voltando com novos instrumentos.

O primeiro deles é a emissão de título próprio do BNDES. O projeto de lei 6.235/23 prevê a emissão das "Letras de Crédito de Desenvolvimento". O BNDES não precisará da intermediação do Tesouro: irá diretamente ao mercado. Como é um banco 100% federal, o seu papel se equiparará a um título do Tesouro, e ainda gozará de isenção tributária.

Se o estoque desses títulos crescer, vai tomar mercado do Tesouro, aumentando o custo de financiamento da dívida pública. Se as operações do BNDES derem prejuízo, o Tesouro terá que capitalizar o banco. No PL há limites ao montante total de emissão, mas que podem ser flexibilizados pelo CMN, ou ampliados em futura alteração da lei.

O mesmo PL cria taxas de juros alternativas à atual TLP e flexibiliza o cálculo desta taxa, viabilizando a volta dos subsídios nos financiamentos concedidos pelo banco. A lei 14.592/23 já havia autorizado empréstimos com juros iguais à TR (Taxa Referencial).

Um segundo instrumento —o FNDIT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Industrial e Tecnológico)— foi enxertado na Medida Provisória 1.205/23, que institui mais um programa de subsídios ao setor automobilístico.

Nesse "Programa Mover", as montadoras que fizerem investimentos mínimos em P&D têm direito a benefício tributário. As que não quiserem fazer esse investimento, podem depositar o valor correspondente no FNDIT, que será gerido pelo BNDES, visando financiar "projetos prioritários de desenvolvimento industrial, científico e tecnológico".

Ou seja, parte do benefício tributário dado às montadoras vai parar no FNDIT do BNDES. Também há previsão de outras fontes "a definir", o que pode incluir depósitos diretos da União. Nesse caso, em vez dos velhos empréstimos, teremos doações da União ao BNDES.

A exposição de motivos da MP não traz uma palavra sequer sobre o fundo. A sua criação fere as LDO de 2023 (art. 135) e de 2024 (art. 134), que vedam fundos contábeis para finalidades que possam ser executadas pela administração direta, para evitar dribles às regras fiscais. É exatamente o que se está fazendo com o FNDIT.

Os instrumentos aqui citados estão longe de alcançar o quase trilhão do passado recente. Mas a arquitetura está montada. Ampliações podem vir ao longo do tempo, como ocorreu com o modelo original, que foi criado para lidar com a crise de 2008, mas estendido até 2015.

O governo alardeia que está avaliando políticas públicas, mas ignora essas avaliações. Recria políticas caras, com base em argumentos genéricos, ferindo a legislação e sem fixar metas ou ter cuidado com os detalhes da política.

O resultado, desta vez, será diferente?

 

 

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