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A conta bilionária que o Congresso quer empurrar para o consumidor na conta de luz

Por Johanns Eller — Rio / COLUNA DA MALI GASPAR / O GLOBO

 

A conta dos jabutis inseridos no projeto de lei das eólicas offshore para beneficiar uma série de empresários ligados ao setor, como Carlos Suarez, conhecido como rei do gás, já circula nos bastidores do Ministério da Fazenda. E é bilionária.

 

A estimativa dos técnicos do governo Lula, obtida com exclusividade pela equipe da coluna, é de que a manobra que revelamos no blog no final de novembro vá custar pelo menos R$ 33,8 bilhões ao consumidor brasileiro – que já paga uma conta alta, mesmo sem risco de apagão ou crise no abastecimento.

 

É praticamente o mesmo valor – até um pouco mais – que a pasta pretende arrecadar com a taxação dos fundos exclusivos e offshore até 2025 (R$ 30,5 bilhões).

 

O dinheiro vai ser consumido com a ampliação, a criação ou a prorrogação de subsídios variados, das térmicas a gás (R$13,2 bilhões) à usinas a carvão (R$ 2,2 bilhões) e outras modalidades de geração de energia que hoje já são mais baratas e competitivas – como as pequenas centrais hidrelétricas (R$ 8,6 bilhões).

O período de concessão dos benefícios varia conforme o subsídio e pode chegar até 20 anos.

 

E será todo transferido ao consumidor, como alerta um técnico do governo. "Essa é a tragédia do setor elétrico. Acharam um jeito de fazer benesses sem passar pelo orçamento. Vai do bolso do consumidor para o do empresário. O impacto na distribuição de renda é péssimo, pois a conta de luz é um item muito importante no orçamento das famílias de mais baixa renda".

 

Preocupada com os efeitos na economia, uma ala do governo, mais ligada à Fazenda, vai trabalhar para tentar derrubar o projeto no Senado.

 

Mas devem enfrentar dificuldades, porque os jabutis incluídos no projeto aprovado na Câmara contemplam uma série de interesses e empresários poderosos – como o próprio Suarez, que tem vários defensores no Congresso.

O projeto, de autoria do ex-senador Fernando Collor (PTB-AL) e relatado pelo deputado federal Zé Vitor (PL-MG), chegou na última sexta-feira (8) à Secretaria Legislativa do Senado Federal. Até o fechamento desta reportagem, aguardava despacho da mesa diretora da Casa para entrar na pauta.

 

No jargão político de Brasília, jabutis são dispositivos ou trechos incluídos na redação de leis ou medidas provisórias sem relação direta com o tema em discussão com o objetivo de serem aprovados sem alarde.

Apesar de o objetivo do PL em tese ser o de estabelecer um marco regulatório para eólicas offshore (parques eólicos em alto mar), um jabuti que atende aos interesses de Suarez foi incluído no texto por Zé Vitor no último dia 22.

 

A manobra, que adiantamos no blog, incluiu artigos que alteram o cálculo do valor do megawatt das usinas térmicas tornadas obrigatórias pela lei da privatização da Eletrobras, de julho de 2021.

O mesmo trecho estava previsto na minuta de uma medida provisória sobre energias renováveis preparada pelo governo Lula, incluída no texto por iniciativa do secretário-executivo do Ministério de Minas e Energia, Efrain Cruz.

 

Advogado de formação, Cruz foi diretor da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) até 2022. Ele mantém ligações com os senadores Davi Alcolumbre (União-AP) e Marcos Rogério (PL-RO) e foi indicado para o conselho da Petrobras com o apoio da associação de distribuidoras de gás que representa justamente os interesses de Suarez.

A repercussão da divulgação do caso, no entanto, fez com que as mudanças subissem no telhado e mudassem sorrateiramente de “endereço” – no caso, o PL das eólicas, que tramitava na Câmara.

 

No novo artigo costurado pelo MME, o custo do transporte do gás deixa de ser incluído no preço do megawatt a ser oferecido nos leilões pelas partes interessadas na construção das usinas – que, por sua vez, contratariam o transporte a partir de uma chamada pública feita pelo governo estadual junto com as distribuidoras regionais de gás.

Outra medida que beneficia diretamente Suarez é a prorrogação dos subsídios a pequenas centrais hidrelétricas, conhecidas como PCHs, por mais 20 anos no chamado Programa de Incentivos às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa) – ao custo de R$ 2 bilhões por ano. Além de ser forte no ramo da distribuição de gás, o empresário baiano tem uma participação relevante no mercado de PCHs.

 

Os outros bilhões estão espalhados por outros jabutis inseridos no texto pelos articuladores do lobby pró-Suarez para dirimir as resistências de setores à obrigatoriedade das usinas térmicas – um dos pontos mais controversos da lei de privatização da Eletrobras – e viabilizar um texto consensual para ser aprovado pelas duas Casas do Congresso.

 

Isso porque a lei da Eletrobras obrigava o governo a contratar o fornecimento de 8 mil megawatts de térmicas no Nordeste, Norte, Centro-Oeste e Sudeste a partir de 2026. Suarez, dono da Termogás, seria o principal favorecido por ser o dono das concessões para o fornecimento de gás às usinas previstas nas três primeiras regiões, mas não dispõe de gasodutos.

 

Porém, como o jabuti patrocinado pelo MME estabelece que o custo do transporte não será computado no preço a ser oferecido no leilão das térmicas, mas apenas após a construção das usinas, a conta do transporte ficaria na conta do consumidor – já que não há outra forma de transportar o gás senão construindo os gasodutos.

Para aplacar a controvérsia, o texto final diminuiu a quantidade de usinas a serem licitadas de 8 mil megawatts para 4.250 MW e redirecionou parte do potencial energético previsto para outras fontes energéticas que não eram condicionantes da lei que privatizou a Eletrobras.

 

É o caso, por exemplo, das de hidrogênio líquido e as termelétricas movidas a carvão mineral - uma das fontes energéticas mais poluentes. O pacote inteiro dos jabutis completa os R$ 33 bilhões nas contas que circulam no governo Lula.

 

A articulação para a inclusão dos jabutis no projeto da Câmara contou com o aval direto do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). Agora, tudo indica que as mudanças serão chanceladas pelo Congresso sem sobressaltos. A intenção dos congressistas é aprovar o PL antes do recesso do Legislativo, previsto para começar no dia 23.

 

Pelo visto, tanto o governo Lula quanto os congressistas parecem empenhados em garantir a Carlos Suarez um inesquecível presente de Natal.

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